Alexandre Valignano, o primeiro divulgador.
O padre Alexandre Valignano (1538-1606), organizador das missões portuguesas na China e no Japão, foi também um dos grandes promotores da cultura ocidental no Oriente, devendo-se a ele a introdução, primeiro em Macau e posteriormente no Japão, da primeira imprensa europeia do Extremo Oriente.
Originário de uma família nobre de Chieti, norte de Itália, Valignano viu a luz do dia a 31 de Dezembro de 1539, e dezanove anos mais tarde era já doutor de Direito Civil na Universidade de Pádua.
A 29 de Março de 1566 entra ao serviço da Companhia de Jesus, após vários anos de estágio na corte pontifícia de Paulo IV.
Nomeado, em Maio de 1573, visitador das missões das Índias Orientais, cargo que ocuparia durante 33 anos consecutivos até à sua morte, ocorrida em Macau aos 20 de Janeiro de 1606, dele dizem que “reunia em si o coração de Alexandre o Grande e o braço de Aníbal”. Concebeu e realizou, é certo, obra perdurável, que começa quando embarca em Lisboa (Março de 1574) com outros quarenta e um jesuítas, portugueses, espanhóis e italianos, com destino a Goa, onde chega em Setembro. Três anos mais tarde, a 19 de Outubro de 1577, aporta a Macau com uma ideia fixa: abrir as portas da China. Consta que certo dia, da sua janela do Colégio de São Paulo e com os olhos no continente chinês, o ouviram exclamar: “Quando te abrirás, ó rocha?”. E conseguiu esse feito, de maneira que é chamado “o pai da Missão da China”, se bem que tenham sido, primeiro Duarte de Sande, e depois Ruggieri e Ricci, os executores do plano de Valignano.
O maior serviço que o padre Valignano prestou à cultura foi o papel que desempenhou na introdução da imprensa europeia em Macau e no Japão. A este respeito escreve ele de Goa, onde se encontrava pela segunda vez, ao arcebispo de Évora, D. Teotónio de Bragança: “Tenho mandado vir impressão que levo comigo ao Japão para imprimirmos os livros lá purgados e limpados quais convém a Japão”.
Valignano partiu de Goa com a embaixada japonesa, que regressava da Europa, levando setenta dias a chegar a Malaca; depois de doze dias de descanso, reembarcaram, aportando a Macau a 11 de Agosto de 1588. Valignano, que não fora à Europa com a embaixada, ia como embaixador do vice-rei de Goa, D. Duarte de Meneses, à corte do shogum. Como este era agora adverso aos missionários, Valignano demorou-se em Macau até obter um salvo-conduto. Foi durante esse intervalo de ano e meio que se imprimiram em Macau dois livros na tipografia que os japoneses tinham e que o visitador-embaixador levara para o Japão. O primeiro, a reimpressão da obra do padre João Bonifácio S.J., publicado em Salamanca em 1575 e intitulado “Christiani pueri Institutio adolescentiaeque perfugium” (“Educação da criança cristã e refúgio da adolescência”), de que existe apenas um exemplar na Biblioteca da Ajuda. Em 1590 foi publicada a tradução latina da notável obra de Duarte de Sande “De missione Legatorum”. Este livro teve a censura e aprovação dos padres Valignano, Tiago Antunes e Nicolau de Ávila. Em 1593 o livro de Sande seria reimpresso em Antuérpia com o título de “De trium regum japonicorum legatis” (“Embaixadores dos três reis do Japão”). O historiador japonês Koda fez recentemente uma edição desta obra em zincogravura.
Em 1590, Valignano, na companhia dos embaixadores, embarca para o Japão levando consigo essa tipografia, que é instalada em Katsusa (1590-92), Amatusa (1592-98), e definitivamente em Nagasáqui.
No colégio dos jesuítas de Katsusa, na província de Hizen, imprimiu-se em 1591 o livro “Santos no Gosaguyono uchi Nukigaki” (“Vida dos Apóstolos, Santos populares e mártires”).
Devido às perseguições, a tipografia dos jesuítas foi transferida para Macau em Agosto de 1616; e em 1620 foi aqui impressa a “Arte da Lingoa Japoa” do padre João Rodrigues Tçuzzu S.J. (1561-1634).
Na actualidade, o professor da Universidade Sophia de Tóquio, padre Joannes Laures S.J., publicou o catálogo, a descrição e o frontispício de trinta obras, que ainda hoje existem, impressas nesta tipografia, e faz referência a outras vinte cinco. Dessas trinta, três foram impressas em Macau e o resto no Japão.
A China conhecera a imprensa antes da invenção de Gutenberg, e já em 581 da era cristã havia sido impresso o “Diamond Stura”. Os chineses usavam a impressão por gravura em madeira; mas foram os jesuítas portugueses que, no reinado de Kangxi (1662-1722), introduziram na China o tipo metálico de cobre, e desde logo o imperador decretou que se fundissem 250 mil caracteres. Em 1669 foi impresso em Goa um “Confucius”, que ainda em 1664 se achava na Biblioteca de Viena.
A 29 de Novembro de 1584 publicaram-se, provavelmente em Macau, mil e quinhentos exemplares do catecismo chinês de Miguel Ruggieri S.J., intitulado “Um genuíno tratado sobre o Senhor do Céu” . Em 1640 fez-se um catálogo de mais de 120 obras em Chinês, escritas, impressas ou xilogravadas pelos jesuítas. Esse catálogo encontra-se na Biblioteca da Ajuda.
A cultura europeia introduzida na China por estas e outras obras foi habilmente continuada pelos jesuítas astrónomos de Pequim. Em 1643 foi oficialmente adoptado o novo calendário, reformado pelo padre Adam Schall; com esta mudança foi introduzido um novo sistema de contar as horas, os quartos e os minutos, o que teve grande influência na vida chinesa.
Joaquim Magalhães de Castro