Zaha Hadid (1950-2016)

Uma mulher que conquistou o mundo.

A arquitectura mundial foi abalada, no passado dia 31 de Março, com a notícia inesperada e triste – deixando muitos perplexos – da súbita perda da acarinhada e prestigiada arquitecta Zaha Hadid. Patrik Schumacher, director da “Zaha Hadid Architects”, escreveu no Facebook uma frase que resume bem os sentimentos de quem com ela convivia diariamente: “Estamos todos chocados e devastados por termos perdido Zaha hoje, uma individualidade bonita, talentosa, líder e amiga”.

Zaha Hadid foi uma mulher que conquistou o mundo e aglomerou inúmeros prémios e distinções ao longo da carreira, tornando-se na primeira mulher medalhada com o prémio Pritzker da Arquitectura em 2004 e a receber a maior honra da arquitectura no Reino Unido pela RIBA (Royal Institute of British Architects), com a atribuição do prémio “2016 Royal Gold Medal”. O presidente da RIBA e presidente do comité de selecção, Jane Duncan, por ocasião da atribuição do prémio, chegou a referir: «Zaha Hadid é uma força formidável e globalmente influente na arquitectura. Altamente experimental, rigorosa e exigente, o seu trabalho, desde os edifícios aos móveis, calçado e carros, é justamente reverenciado e desejado por marcas e pessoas em todo o mundo. Estou muito contente por Zaha ser premiada com a Medalha Real de Ouro em 2016 e não posso esperar para ver o que ela e a sua prática vão fazer a seguir».

O mundo e a arquitectura perderam uma grande mulher, uma força dinamizadora e criativa, que conseguiu abrir um novo capítulo na história da arquitectura, com um novo modelo e uma nova linguagem – de inventividade e transcendência do espaço, forma, implementação, urbanismo, estética e design – que desafia a gravidade, a tecnologia e a engenharia, sendo uma influencia viva na arquitectura e no design, algo que transcende meras palavras, ideias, conceitos ou teorias, fechadas em chavões criados pelo homem.

Quando estudei arquitectura, Zaha Hadid fez parte do rol de arquitectos que nos inspirava e proporcionava debates interessantes. Estava sempre presente no nosso imaginário, como um dos catalisadores de inspiração e fonte de aprendizagem, ao mesmo tempo; de admiração e deslumbramento – essa semente ficou e perdurará no tempo.

A arquitectura paramétrica, orgânica e dinâmica, de traços velozes e complexa, em termos de geometria, tinha a fonte no seu intelecto e imaginário, traduzida pelos seus desenhos, esboçados muitas vezes no papel. Zaha Hadid dizia com frequência que nunca usava o computador para desenhar, o que lhe permitia trabalhar em qualquer lugar.

Era seguida constantemente e éramos habitualmente surpreendidos pela sua arquitectura, desfrutando das formas movidas pela força dinâmica do traço – expressão artística intrínseca projectada nos espaços e formas que criava, culminando na obra que nos transmite esse sentimento, essa força e movimento “emoldurado”, extasiado no tempo, dentro do espaço urbano, perante quem o vislumbra ou interage.

As pinturas e complexas isometrias são deslumbrantes, o que se poderá considerar o princípio da sua forma de comunicar plasticamente as ideias, na procura da arquitectura, num trabalho meticuloso, árduo e artístico.

O arquitecto Rem Koolhaas falou recentemente à revista dezeen e lembrou que os dois se tinham tornado amigos desde o tempo da Architectural Association, em Londres, na década de 1970, onde Zaha Hadid havia sido sua aluna e mais tarde viria a trabalhar com ele na OMA. Descreveu-a como «uma combinação de beleza e força, alguém com uma rara coragem (…) Uma coragem não construída, mas uma coragem inevitável – ela foi feita dessa forma, era uma coisa quase física». Koolhaas acrescentou que tal foi muito importante para ela numa época em que estavam todos a explorar os novos caminhos onde se poderiam tornar arquitectos.

Muitos escritórios de arquitectura e arquitectos têm deixado o seu sentimento sobre a perda de Zaha Hadid. Entre eles figuram nomes bem conhecidos como MVRDV, Norman Foster, Daniel Libeskind, Moshe Safdie, Wolf D. Prix, Steven Holl, Ma Yansong, Kengo Kuma…

O jovem talento arquitecto chinês Ma Yansong, que foi aluno de Zaha Hadid – sentindo-se a sua influência no seu trabalho – partilhou com o mundo: «A vida da minha mentora Zaha Hadid foi uma inspiradora história de luta pela independência, igualdade e respeito, enquanto lutava por progresso e mudança. Ela amou e abraçou o mundo com sensibilidade e criticidade. Muitos compreenderam a sua forte determinação e perspectiva inequívoca. As suas obras impressionantes captam o mundo como um lugar optimista e bonito, permitindo à arquitectura cativar novos públicos. Como seu aluno, há quinze anos atrás, fui inspirado e encorajado pelas suas forças e visões. Irá sempre continuar a inspirar, tanto a mim como a todos os que experimentam o seu trabalho». Já o arquitecto japonês Kengo Kuma afirmou que «será um desafio superar o feito de Zaha Hadid».

Zaha Hadid sempre nos lembrou que o início da carreira não foi fácil. Nascida no Iraque, em Bagdade, a 31 de Outubro de 1950, de cultura árabe, foi uma mulher forte e determinada, no seio de uma profissão na época dominada pelo sector masculino. Teve que perseverar muito para alcançar o merecido lugar e reconhecimento internacional – uma mágoa que parecia acompanhá-la ao longo da vida.

O legado irá perdurar, certamente com um novo rumo, uma nova direcção, e provavelmente sobre as directrizes de Patrik Schumacher, que era já o parceiro chave e figura importante no ateliê “Zaha Hadid Architects”, escritório que conta neste momento com 950 projectos de diferentes escalas, em 44 países, incluindo Macau, e com cerca de 400 empregados de 55 nações.

Zaha Hadid está indubitavelmente no patamar das grandes figuras influentes e geniais da humanidade, imortalizada na sua obra e no coração de muitos.

 

 

Algumas curiosidades (Caixa)

O nome Hadid é uma palavra árabe que significa “ferro”.

Desde muito nova, ainda menina, pensava em ser arquitecta.

Disse que teve a sorte em criança ter viajado muito com os pais e ter conhecido obras de arquitectura e engenharia impressionantes.

Sempre se interessou pelo conceito de fragmentação e nas ideias de abstracção e explosão.

Moholy-Nagy, El Lissitzky e Malevich Kazimir foram uma forte influência no início da sua actividade.

Em 1979 estabeleceu-se por conta própria em Londres.

Os projectos com formas revolucionarias deixava em muitos a dúvida da possível construção, tendo passado alguns anos no escritório, sem ter obra construída. Sentiu-se prejudicada por ser árabe e fazer coisas fora do convencional. Tudo junto era demais, dizia, embora salientasse o apoio dos pais, dos professores e colegas.

Tinha dificuldade em resumir ou “balizar” a sua arquitectura, sintetizando-a como não tendo havido tanto “uma mudança”, mas “um desenvolvimento”.

Considerava, entre outros, o projecto do Peak em Hong Hong como um dos mais interessante do currículo, por ter sido um “ponto de partida” uma meta muito importante.

Falava da luta constante no seu percurso – noites imensas sem dormir – destacando a importância do trabalho de equipa. «Todos põem alguma coisa em cima da mesa», lembrando assim a complexidade da arquitectura – muito exigente para ser bem feita.

Gostava de música clássica e de vestir Issey Miyake.

Os arquitectos que mais a influenciaram foram Erich Mendelsohn, Mies van der Rohe, e Le Corbusier. Nutria um carinho especial por Oscar Niemeyer.

Miguel Augusto

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