Águas territoriais da RAEM

Jogo testa competência do Executivo.

Os 85 quilómetros quadrados de águas territoriais sob jurisdição de Macau constituem um grande teste à competência do Executivo, que deve ter em atenção o desenvolvimento das actividades turísticas de índole cultural, o aproveitamento de água para consumo humano e industrial, o contrabando, o jogo ilegal e a implementação de legislação adequada que proteja os recursos em causa, sustentam os advogados Carlos Lobo, Pedro Cortés e Nuno da Luz Martins. A possível atribuição de licenças para a exploração do Jogo em barcos não gera consenso.

«A atribuição de uma área marítima pela China à RAEM permite criar mais espaço físico para a sua expansão na forma de aterros, que no entanto serão desenvolvidos dentro de certos parâmetros, entre os quais, o impedimento de utilizá-los para projectos ligados ao Jogo», salienta o advogado Carlos Lobo, acrescentando que a extensão marítima «também dá liberdade ao Governo de Macau para usar a sua criatividade», sendo «perfeitamente legítimo que promova o desenvolvimento de actividades relacionadas com barcos turísticos de índole cultural e com exposições de iates de luxo».

O investimento em projectos de dessalinização de água, com o intuito de aproveitá-la para o consumo humano e industrial é outra solução avançada por Carlos Lobo: «É uma medida que permite aumentar a qualidade da água potável no território e diminuir a utilização da água importada do continente chinês para efeitos industriais, utilizando águas que estão agora sob jurisdição da RAEM. Pode ser dada à iniciativa privada, com grande apoio do Governo, na questão da procura de terrenos e no incentivo às universidades locais para desenvolverem projectos científicos sobre como fazer esse aproveitamento».

Para o advogado está posta de parte a possibilidade do Executivo atribuir concessões autónomas para a exploração do Jogo a bordo de embarcações: «Ao olhar para a aprovação das águas territoriais, por parte do Conselho de Estado, sabendo que o Jogo não é permitido nos futuros aterros conquistados ao mar, não vejo que haja legitimidade do Governo da RAEM em avançar com as concessões de exploração da actividade em barcos. A extensão marítima foi atribuída para apoiar o desenvolvimento sócio-económico do território, assim como para diversificar a sua economia, e não para diversificar o sector do Jogo», justifica.

 

Preocupações

«O Governo deve, sobretudo, fazer um plano que venha a ser exequível sobre o que quer fazer com as águas territoriais. Tenho receio que, como em tantas outras situações, não haja capacidade para tirar partido daquilo que a Mãe China nos deu. Deve, nesse contexto, ser definido exactamente o que queremos fazer dessas águas, inserido num plano mais longo para a RAEM», assinala Pedro Cortés.

O causídico não acredita que o jogo ilegal vá proliferar em barcos que navegam nas águas marítimas de Macau: «Penso que, a existir, já estará em prática e não será o facto da área de jurisdição da RAEM ter sido alargada que irá aumentar, ou não, esta vertente. O que pode acontecer é que, a partir de agora, as autoridades locais passam a ter mais uma incumbência: fiscalizar essa actividade».

Contudo, não deve ser descartada a possibilidade de atribuir concessões para a exploração do Jogo nas águas controladas por Macau: «Provavelmente as operadoras do território até estariam interessadas… Ou talvez não! Veja-se o caso dos cruzeiros que partem de Hong Kong e que autorizam a prática de jogos de fortuna ou azar a bordo dessas embarcações».

De igual forma, «deverá ser aberta, definitivamente, a possibilidade das operadoras de jogos de fortuna ou azar, ou de apostas desportivas, se estabelecerem em Macau e obterem licenças ou concessões para essas actividades», medida que deve abranger «as empresas internacionais com experiência no ramo, e não necessariamente os actuais operadores, que muito naturalmente também não devem ser excluídos do processo».

«Havendo regras bem definidas, seria mais uma forma de diversificar a economia, ainda que na área do Jogo», sublinha Pedro Cortés, embora entenda que «o único impedimento poderá vir de Pequim».

 

Diferenças

Após a transferência de poderes não foram adoptadas algumas leis anteriormente vigentes, entre as quais a Lei n.º 6/86/M, que estabelecia o domínio público hídrico do então território de Macau.

«Apesar da lei de Reunificação estabelecer que, enquanto não for elaborada nova legislação, as questões nela reguladas são tratadas de acordo com os princípios da Lei Básica, tendo por referência as práticas anteriores, o certo é que os tribunais tiveram que resolver complexos litígios, nos quais se discutiam direitos eventualmente constituídos anteriormente», explica Nuno da Luz Martins.

A gestão das águas territoriais «é sem dúvida uma questão de soberania», porque a atribuição dessa jurisdição, e correspondente controlo por parte da RAEM, «pode ser, para além de um voto de confiança, uma maior responsabilidade para a Região».

Do ponto de vista jurídico, o advogado está convicto que esta atribuição de competências «pode resolver o complexo sistema de verdadeira duplicação de licenças» que, neste momento são necessárias para desenvolver as actividades portuárias, «ao nível da construção, dos aterros e da definição de locais de despejo de areias e lamas».

«O sistema actual tem levado a atrasos que nem os empreiteiros, nem o próprio Governo, podiam antecipar», sustenta, acrescentando que a situação «também tem causado litígios em projectos de empreitadas de obras portuárias e similares».

Aliada a uma maior responsabilidade da RAEM, é necessário implementar legislação adequada para proteger os recursos em causa. «É importante definir os critérios de responsabilidade e as entidades que os vão implementar, designadamente ao nível do controlo da poluição e da segurança. Este trabalho só pode ser efectuado com recursos humanos especializados, para os quais a RAEM terá de investir», conclui Nuno Martins.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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