Peniche, terra de religião, política e surf

Rota dos 500 Anos

Peniche, terra de religião, política e surf

Um dos últimos fins-de-semana foi passado na cidade de Peniche, localidade que conheço de quando era mais novo e andava por lá à procura de ondas para a prancha de surf que andava no tejadilho do velhinho Renault 5.

Foi para mim uma surpresa descobrir, entre conversas com pessoas do município local, nas pausas do “Peniche Street Food International” – onde estivemos com o nosso Dee Thai Food Truck –, que no concelho há um roteiro de igrejas. Quem me contou, depois de ficar a saber que sou jornalista e que escrevo semanalmente para o jornal mais antigo de Macau, foi precisamente um jornalista da rádio local, que me havia acabado de entrevistar – ao vivo – no âmbito do referido festival de comida de rua. Os pormenores foram depois agilizados com a vereadora da Cultura da edilidade. Foi numa dessas conversas que fiquei a saber que na cidade e nos lugares que constituem o concelho há onze igrejas, ou melhor, dez igrejas e uma ermida. Todas elas, como não poderia deixar de ser, muito voltadas para o mar e para a causa real que aqui se vive com algum fervor.

Li no roteiro disponibilizado na página de Internet do município, em Português e em Inglês (também uma raridade em Portugal nos meios mais pequenos): “Integram este projecto 11 imóveis, a saber: na cidade de Peniche, as Igrejas de Nossa Senhora da Ajuda, de S. Pedro, a Capela de Nossa Senhora dos Remédios e a Igreja da Misericórdia de Peniche; na Vila de Atouguia da Baleia integram a Igreja de S. Leonardo, de Nossa Senhora da Conceição, da Misericórdia e de S. José; ainda na freguesia de Atouguia da Baleia, a Igreja de Nossa Senhora da Consolação, no lugar com o mesmo nome; na Serra d’El-Rei, a Igreja de S. Sebastião; e, na península do Baleal, freguesia de Ferrel, a Ermida de Santo Estêvão”.

Infelizmente a nossa experiência ficou-se mesmo pelas conversas porque, devido aos afazeres no festival, não houve tempo para percorrer o dito roteiro. Fica prometido que um dia, com mais tempo, iremos visitar a todos os locais com a nossa filha. Ficámos curiosos e cada vez mais interessados ao ter conhecimento de alguns detalhes relativos aos locais de culto.

Sendo Peniche e toda a zona envolvente há muito ligados ao mar, não é de espantar que a devoção das pessoas fustigadas pelas tragédias resultantes de naufrágios e de outros acidentes nas águas agitadas do Oceano Atlântico se faça notar de forma mais acentuada.

De todas as igrejas citadas a mais conhecida será mesmo a da Misericórdia, localizada mesmo no centro da cidade, sendo visitada por milhares de turistas durante todo o ano. No entanto, o que mais me cativou, e que é uma das razões para uma futura visita, é o facto de ali estarem os restos mortais de D. Luís de Ataíde, Vice-Rei da Índia entre 1568 e 1571, e 1577 e 1580, e terceiro Conde da Atougia.

  1. Luís de Ataíde foi um dos vice-reis da Índia que mais contribuiu para o estabelecimento da Índia Portuguesa, tendo isso mesmo sido reconhecido por D. Sebastião, que ao ver o Conde da Atouguia recusar apoiar as expedições em Marrocos (tendo mesmo negado liderar uma das expedições) o enviou novamente para a Índia. Faleceu pouco depois de ter recebido no Oriente notícias do desastre de Alcácer Quibir, da morte do cardeal-rei e do domínio filipino. O seu corpo ficou na igreja dos Reis Magos em Goa e mais tarde foi trasladado para o Convento do Bom Jesus em Peniche. Durante a ruína do convento os seus restos mortais foram transferidos para a igreja de Nossa Senhora da Ajuda, e posteriormente foram levados para a igreja da Misericórdia de Peniche. Esta igreja seiscentista, ao lado do antigo hospital da Santa Casa da Misericórdia de Peniche, está mesmo no meio da antiga vila de Peniche. Como grande parte dos templos ligados à Santa Casa da Misericórdia apresenta uma rara beleza decorativa, visível nos painéis de azulejos e nas pinturas a óleo que decoram as paredes e o tecto.

Contudo, o ex-libris de Peniche mais visitado é porventura o forte. Também conhecido como antiga prisão de Peniche – famosa por ter alojado muitos opositores ao Estado Novo –, está gravada na memória colectiva dos portugueses pela fuga de Álvaro Cunhal (e Joaquim Gomes, Carlos Costa, Jaime Serra, Francisco Miguel, José Carlos, Guilherme Carvalho, Pedro Soares, Rogério de Carvalho e Francisco Martins Rodrigues), a 3 de Janeiro de 1960. Mas antes dele, o primeiro a protagonizar uma fuga extraordinária foi o histórico comunista António Dias Lourenço. Este líder do Partido Comunista Português conseguiu evadir-se na noite de 18 para 19 de Dezembro de 1954, tendo depois contando com a ajuda de alguns pescadores que o esconderam num carro de venda de peixe após o encontrarem na praia, esgotado e sem forças.

Mas Peniche não vive só de religião e das histórias de fugas dos opositores ao regime de Salazar. Actualmente vive muito do surf e de outros desportos ligados ao mar.

O Baleal, a Praia de Supertubos, o Molho Leste, e muitos outros locais são conhecidos mundialmente pela qualidade das suas ondas, que todos os anos trazem a Portugal milhares de surfistas ávidos de ondas perfeitas e de um mar apetecível. Durante o evento de “street food” tivemos a oportunidade de conhecer alguns desses turistas, das mais variadas nacionalidades. Alguns, vieram pela primeira vez e prometeram regressar; outros, são já visitantes assíduos e asseguraram-nos que ali se encontram das melhores ondas que alguma vez surfaram.

João Santos Gomes

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