A pouco mais de duas semanas de ter sido declarado o Estado de Emergência, em Portugal muito mudou no dia-a-dia dos portugueses e de quem aqui vive. As liberdades de circulação e de reunião foram seriamente restringidas mas, nem por isso, a população tem ficado em casa.
Se bem que a maioria de quem reside em Portugal esteja a respeitar as directivas do Governo, outros há que estão a encarar a situação de ânimo muito leve.
Circula uma piada nas plataformas sociais que descreve muito bem a situação: O senhor António, ao final do dia, sempre sem violar as leis ou normas impostas, saiu de casa, pelo menos, sete vezes!!! Ora para passear o cão, ora para fazer exercício ou ir às compras. E, acreditem, isto deve ser mesmo um exemplo das cidades, pois na província, onde vivemos, há quem saia de casa bem mais vezes e por prolongados períodos de tempo. E não, necessariamente, para trabalhar. Nós, por exemplo, temos uma vizinha que vai às compras umas dez vezes ao dia.
Estamos em casa desde que regressámos do último trabalho que tivemos, na semana de 9 a 13 deste mês, no Lagoas Park, em Oeiras, perto de Lisboa. Desde então, a NaE e a Maria ainda não saíram de casa, à excepção de meia-hora em que aproveitámos para dar uma volta, num dia solarengo, pelos campos de cultivo que por aqui abundam.
Porque estamos a trabalhar a partir de casa, por forma a tentar minimizar o efeito financeiro do cancelamento generalizado dos eventos que estavam agendados para os próximos meses (devíamos estar agora a terminar o Campeonato Europeu de Surf em Espinho), tenho saído algumas vezes para fazer entregas de comida para o jantar. Também vou às compras, para evitar que os meus pais tenham de ir ao supermercado nas horas definidas pelo Governo (os maiores de 65 anos só podem ir ao supermercado entre as 8:00 horas e as 9 horas e 30 da manhã), e fui uma vez à farmácia.
Pelo que vejo quando saio, vou lendo nas redes sociais e oiço dos meus pais, depois destes regressarem do trabalho, não faltam pessoas a circular nas estradas.
Da única vez que estive no negócio da nossa família – cerca de trinta minutos – verifiquei que a maioria dos automóveis que pararam para abastecer de combustível eram particulares e todos transportavam mais de uma pessoa. Ao que tudo indica, esta tem sido a regra geral. As pessoas saem de casa por tudo e por nada, porque, como dizia a piada do senhor António, “a lei o permite”. Por muito que custe a engolir, as autoridades pouco ou nada podem fazer.
É do conhecimento público a operação “stop” de sensibilização que a Polícia de Segurança Pública levou a cabo, no último fim-de-semana, na Ponte 25 de Abril, no sentido Lisboa-Almada. As imagens correram meio mundo e deram origem a vários gritos de indignação, provenientes dos mais variados sectores da sociedade portuguesa. Num momento em que se pedem sacrifícios a profissionais como os da Saúde e das Forças de Segurança, sem esquecer os trabalhadores dos supermercados e dos transportes de mercadorias, entre outros, um grande número de portugueses decidiu, porque estava bom tempo e porque não havia nada para fazer, rumar às praias do Sul de Portugal.
No passado dia 28, no Carvoeiro, na região do Algarve, a Guarda Nacional Republicana foi chamada para meter fim a um churrasco que estava a decorrer. Resultado: acabou por ser agredida! A denúncia foi feita pelos vizinhos que informaram a polícia do ajuntamento. A GNR, claro está, prontamente se deslocou ao local, sendo recebida com agressividade, quando apenas tentou sensibilizar os presentes para a obrigatoriedade de manterem o isolamento social. É que infelizmente é apenas isso que podem fazer: sensibilizar. Daí que as Forças de Segurança se queixem, e muito! As regras são pouco restritivas e têm pouco campo para poder actuar de forma a implementar, efectivamente, as directivas emanadas do Governo.
No caso do churrasco do Carvoeiro foram ao local para sensibilizar os violadores da quarentena a regressarem a casa, já no caso da Ponte 25 de Abril impediram que muitos condutores seguissem viagem, obrigando-os a voltar para trás. Isto depois de noutras ocasiões nada terem feito, por falta de apoio por parte do Governo. Contudo, é de notar que se no episódio do churrasco os detractores não tiveram como justificar o facto de ali estarem, no caso da Ponte 25 de Abril houve muito boa (ou má…) gente que disse estar a caminho de casa ou a trabalhar. Por causa destas e de outras é que agora os condutores são obrigados a andarem sozinhos nos carros e com um comprovativo de morada ou um documento que prove a profissão e o local de trabalho.
Mais: segundo o Ministério da Administração Interna, os condutores devem possuir uma declaração do empregador a justificar o motivo da deslocação, devendo o trabalhador anexar recibos ou facturas como prova da veracidade da declaração. Sinceramente, não acredito que tal impeça de violar o isolamento social. Aliás, só vai causar mais transtornos a quem precisa realmente de trabalhar fora de casa.
No nosso lar, uma vez que estranhamente não houve entregas no passado fim-de-semana, aproveitámos para organizar o horário escolar da Maria. Até há dias a pequena pensava que estava de férias. Agora, todos os dias, tem um horário fixo para estudar, fazer provas de conhecimento e outras tarefas relacionadas com a escola.
Em boa hora o professor da Maria conseguiu, finalmente, organizar também ele um sistema para continuar a enviar as fichas de trabalhos para as crianças, de acordo com o programa oficial que vinha a ser seguido. Como estamos em vésperas da Páscoa, chegaram meia-dúzia de exercícios e actividades de trabalhos manuais alusivos à data, que têm de ser concluídos e enviados para o professor dentro de um prazo pré-estabelecido.
Desde o início da pausa forçada das aulas que me tenho batido com os responsáveis aqui do Município pela pasta da Educação, procurando sensibilizá-los para a necessidade de manter as crianças ocupadas como se estivessem na escola. Só assim elas irão perceber que não estão de férias e que quando tudo isto acabar irão regressar à rotina normal. Pelo que parece, tal só irá acontecer no próximo ano-lectivo, pois para o Primeiro Ciclo não faltará muito para que o Ministério da Educação dê as aulas por terminadas.
João Santos Gomes