PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 36

PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 36

A boa vontade do imperador Acbar

Aquando dos preparativos para a partida da embaixada de Acbar à Europa, Rodolfo Acquaviva e António Monserrate receberam cartas do Provincial aconselhando o seu regresso a Goa, deixando-os, porém, a liberdade de fazer o que lhes parecesse melhor, desde que fosse “para a glória de Deus”. Estes bem sabiam que as demonstrações de amizade de Acbar para com rei da monarquia dual – Filipe II de Espanha, I de Portugal – não passavam de actos de hipocrisia; e por isso optaram por pedir autorização para deixar a corte. Acbar supôs que esse pedido surgia como reacção aos ataques arbitrários contra cristãos recentemente acontecidos, e afirmou sob juramento nada ter a ver com isso. Desconfiavam os sacerdotes estar o soberano mogol a jurar em falso, “pois nenhuma confiança deve ser depositada no juramento de um muçulmano, uma vez que o próprio Maomé ensina que é lícito jurar falsamente a um inimigo”. Ainda assim, acharam conveniente assegurar que um deles partisse com os embaixadores e informasse detalhadamente o Provincial de tudo o que havia acontecido, enquanto o outro se deveria manter na corte. E isto porque não queriam abandonar o seu posto enquanto se vislumbrasse alguma esperança de o imperador poder vir a converter-se. Pois embora todos os sinais anteriormente manifestados pudessem ser “enganosos e fraudulentos”, outros havia que lhes davam encorajamento. No próprio dia em que chegou da sua longa campanha a Cabul, por exemplo, Acbar dissera ao padre Rodolfo Aquaviva: “Deus bem sabe como a minha mente é favorável à lei cristã, e com que fervor desejo aprendê-la completamente. Mas não posso aceitar essa ideia da existência de três deuses”. Perante isto replicaria imediatamente o italiano: “Jamais dizemos, ó rei, que existem três deuses; pois isso é blasfémia e contrário à fé cristã. Mas nós adoramos um Deus e três pessoas num só Deus: Pai, Filho e Espírito Santo”. Depois de repetir isto aos seus cortesãos, Acbar dirigiu-se de novo a Rodolfo: “Escreva aos seus superiores e peça-lhes que procurem diligentemente por um homem que conheça bem tanto o persa quanto o português – alguém, se possível, que já tenha sido muçulmano e seja bem versado em ambas as Leis”.

Posteriormente, em conversa privada, Acbar confiou a Acquaviva a sua vontade de fazer uma aliança com o rei de Portugal contra o rei dos turcos; dizendo até que estaria disposto a fornecer fundos monetários ao primeiro para o sucesso da campanha. Também desejava enviar Monserrate “para levar as suas saudações ao Papa”, desde que Rodolfo consentisse em ficar na corte. Ou seja, ficava bem claro que não estava disposto a permitir que os dois sacerdotes partissem, “mostrando-se muito feliz quando soube que um ficaria”. E tal foi a satisfação que, na presença de um grande número de cortesãos, elogiou os padres em termos tão extravagantes que eles ficaram corados. A respeito de Acquaviva, disse: “Acho que é sem dúvida mais agradável a Deus que você permaneça aqui do que me abandone. Entre os seus próprios compatriotas há muitos que podem ocupar seu posto. Contudo, se você sair daqui, não há ninguém capacitado para assumir o seu lugar”. Antes disso, quando os três conversavam a respeito da projectada embaixada, inquiriu acerca da “dignidade e grandeza do Papa”, e qual era o significado do termo Papa. E afirmou: “Diga ao Papa que eu estou bem consciente da sua posição de Cristo na terra, e que eu ouvi dizer que todos os reis caem a seus pés. Diga-lhe que você foi enviado para beijar os seus pés em meu lugar, já que eu não posso estar presente para o fazer. Peça-lhe que mande escrever algo para que eu possa aprender o caminho de Deus (pois desejo muito conhecer a verdade) e a maneira correcta de governar os meus domínios com temor e reverência a Deus: para que, quando o céu e a terra forem consumidos e eu for levado a esse terrível julgamento diante de Deus, eu possa prestar contas da minha vida”.

Acbar continuou no mesmo tom, dizendo coisas que poderiam ter sido ditas pelo mais piedoso dos monarcas cristãos. Declarou até que não era muçulmano e não atribuía nenhum valor ao credo de Maomé. Nada – garantia ele – o impediria de aceitar a lei cristã se ele aprendesse qualquer coisa que lhe tocasse o coração e a mente, fosse ela vinda do Papa, do superior da Companhia de Jesus, dos dois sacerdotes que estavam na sua presença ou de qualquer outro homem, por mais pobre e humilde que fosse. Quanto aos seus filhos, era descendente de Genghis Khan, de quem se dizia ter tido dez filhos e ter permitido a cada um deles escolher livremente a sua própria religião. Da mesma forma, ele deixaria os seus filhos em liberdade para seguir a religião que escolhessem.

Os sacerdotes consideraram como prova da sua sinceridade o facto de ele tão calorosamente se ter apegado a eles, embora fossem estrangeiros e seguidores de uma religião totalmente diferente. Sempre permitiu que eles o repreendessem, quando necessário, e sempre fora cuidadoso com o seu bem-estar, “como se fossem seus próprios filhos”. Mostrou-lhes elevada consideração quando ambos estavam doentes, perguntando-lhes sempre pelo seu estado de saúde, e gastou com eles muito dinheiro. Perante isto os sacerdotes “entregaram o futuro a Deus” e resolveram não ter mais dúvidas sobre a boa vontade do monarca mogol. Rodolfo Acquaviva comprometeu-se a continuar a educação do príncipe, enquanto António Monserrate tratou de fazer os necessários preparativos para a viagem.

Joaquim Magalhães de Castro

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