PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 32

PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 32

Portela de Khyber, amazonas e a cidade dos escravos

Depois da passagem por Peshawar, o exército de Acbar tinha pela frente uma enorme barreira: a portela de Khyber. Houve o cuidado de pavimentar previamente o trilho, não obstante, elefantes (em grande número), camelos, rebanhos e manadas viram-se em sérios apuros. “Caso escorregassem”, comenta Monserrate, “eles e os seus montadores corriam perigo iminente de morte”. Entre estes constavam rainhas, princesas, variadas damas da nobreza e “a rainha principal de David, rei dos Patanes”. Acbar levava-a consigo, “sob custódia honrosa”, como lembrança e prova da sua glória vitoriosa, servindo a nobre como refém para precaver qualquer tipo de insurreição entre os patanes, cuja sujeição a Acbar era mantida pelo medo.

Acostumados a enfrentar veredas acidentadas e passagens difíceis, os cavalos depressa ultrapassaram os impedimentos, contrariamente aos paquidermes e camelos. Fora ordenado aos arautos que proclamassem a interdição de alguém preceder “os elefantes e camelos reais”. Só quando estes ganhavam os obstáculos, podia seguir seu caminho a restante comitiva.

Foi o acampamento plantado numa estreita planície junto a uma nascente, “da qual flui um considerável veio de água doce”. Mesmo ao lado desse riacho, “grande o suficiente para regar um exército”, e paredes meias com a Ali Masjid, ou seja, “a mesquita de Ali”, fora erguido o pavilhão real. Numa rocha ali perto, diziam os locais, estavam gravadas as impressões dos dedos das mãos do califa Ali, genro de Maomé. Monserrate relata a propósito a lenda associada ao local, “pois é bom que tais histórias sejam contadas para que os cristãos possam discernir a loucura das superstições muçulmanas, não apenas em questões gerais obscuras, mas também em casos particulares”.

Vagueando por aquelas terras com o intuito de induzir os infiéis, a quem os muçulmanos chamavam de cáfires, “a aceitar as falsidades e superstições de seu sogro”, chegara Ali àquele lugar onde acabaria por seduzir a filha de um chefe local. Este, inteirado do acontecido, decidiu vingar-se de Ali. E como se sabia incapaz de vencer em luta aberta tão reputado guerreiro recorreu a uma artimanha. Acoitado no alto de um penhasco íngreme, arremessou uma grande pedra sobre Ali enquanto este orava com os olhos postos no chão, como é prática comum entre muçulmanos. Porém, e sem interromper a oração, Ali segurou herculeamente a rocha com ambas as mãos, evitando que ela o esmagasse; prova de tão admirável façanha, as suas impressões digitais fixadas no granito. “Oh, a loucura dos homens!”, exclama Monserrate, “que pensam ser possível que um sedutor e adúltero tenha realizado milagres!”.

Compara o nosso sacerdote esta história com a de um certo Khwaja Moinuddin, “reverenciado como um santo em Ajmir [Ajmer] e não em Fattepurum [Fatehpur]”, porque, sendo companheiro de Maomé, “eliminou todos os que se recusaram a aceitar as crenças supersticiosas que ele pregava”. E conclui: “No entanto, não é de admirar que sejam enganados os homens que não têm conhecimento da história e que costumam, por meio de falsidades, obter favores para si mesmos, seu país, sua seita e seu Profeta”.

Monserrate indica algumas das particularidades orográficas da região percorrida, nomeadamente a parte mais estreita do desfiladeiro. Dois altos penhascos projectam-se de ambos os lados “de modo que cem guerreiros robustos poderiam impedir a passagem de muitos milhares”. Mais adiante chegava o exército a uma encosta tão íngreme que os animais sentiram dificuldades em encontrar apoio para as patas, sendo a infantaria obrigada a descer a colina a correr… Ao fundo, anunciava-se uma planície suficientemente grande para montar as tendas de campanha. Neste lugar, o propriamente designado Khyber, erguia-se outrora a cidade de Capisa, que um obelisco ali existente – “muito semelhante em tamanho, idade e acabamento àquele de que já dei algum relato”, escreve Monserrate – traz à memória.

A planície é circundada a oeste por um penhasco sobre o qual se avistam as ruínas de uma cidade fortificada. Trata-se de Landi Khana, literalmente, “morada das mulheres”. Diz-se que era habitada por destemidas amazonas, em constante conflito com as tribos vizinhas. A fim de manter abastecido o seu contingente militar, não hesitavam em atacar todos os viajantes tendo em vista a captura dos seus filhos. Aos meninos, davam-lhes a morte ou o abandono; às meninas, o treino e a dura disciplina que fariam delas futuras amazonas. Informa Monserrate que aquela tribo exclusivamente feminina fora finalmente conquistada e expulsa da região, não sem antes deixar para todo o sempre o seu nome associado àquelas ruínas.

Não muito longe de Landi Khana, um outro destroço histórico: a Shahr Ghulam, ou seja, “a cidade dos escravos”. Fora fundada por escravos fugidos que ali preservavam a sua liberdade recém-conquistada. Para sobreviver viviam de banditismo, emboscando os viajantes incautos. Obtido o espólio pretendido, depressa se retiravam para a fortaleza. Informa Monserrate que para evitar a seca no Verão, os ditos cavaram “quatro tanques de tamanho e profundidade notáveis, nos quais costumava ser colectada toda a água da chuva das colinas circundantes”.

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *