Pioneiro na Missão Moderna

Ramón Llull

Ramón Llull, ou Lulio (em Espanhol), nasceu em Maiorca (c. 1232), filho de colonos catalães instalados na ilha no reinado de Jaime I (rei entre 1208 e 1276), vindo a falecer a 29 de Junho de 1316 (alguns apontam 1315). Estamos pois esta semana a recordar a sua morte, tanto quanto ao dia como nos 700 anos volvidos. Mas porque falamos de Ramón Llull, um terceiro franciscano secular, teólogo, filósofo, místico, poeta e missionário? Pelo seu pioneirismo em diversas vertentes da literatura, da ciência e da missiologia, por exemplo. É uma das mais importantes e inovadoras figuras da intelectualidade medieval, mais impressivas e que maior curiosidade suscita.

Llull era, pois, natural de Palma de Maiorca, filho de Ramón Amat Llull e Isabel d’Erill, pertencentes a uma importante família de Barcelona estabelecida em Maiorca, a maior das ilhas Baleares, então na posse da Coroa de Aragão. Umberto Eco (1932-2016), um dos maiores intelectuais do mundo contemporâneo, recentemente desaparecido (19 de Fevereiro), foi um dos pensadores que mais se encantaram e estudaram Llull. Eco dizia que o lugar do nascimento foi determinante para Llull, para a sua personalidade e valor científicos.

Palma era, na época, refere aquele autor, uma “encruzilhada (…) das três grandes culturas, cristã, judaica e islâmica”, ao ponto de a maior parte das 265 obras reconhecidas como da autoria de Llull terem sido escritas inicialmente em Catalão e Árabe. É um dos pioneiros no uso do Catalão escrito e um dos primeiros a usar uma língua derivada do Latim para expressar conhecimentos científicos, técnicos e filosóficos, para além de textos literários, de sabor novelístico. A Llull é atribuída a invenção da rosa dos ventos e do nocturlábio (instrumento de navegação pelas estrelas, nocturno portanto).

 

Paixão pelo conhecimento

Ramón Llull abandonou vida na Corte, a poesia trovadoresca, a família, quando tinha trinta anos, para se consagrar à difusão do conhecimento, do seu sistema de pensamento, a que chamou de Arte, que considerava apto para a conversão racional dos “infiéis” ao Cristianismo. O seu projecto apostólico e de reforma, de grande ambição intelectual, tinha implicações políticas, pois necessitava da aprovação da Igreja e necessitava do apoio das monarquias do Ocidente e das cidades mercantis mediterrânicas. A sua primeira obra foi o Livro da Contemplação (1273-74), colossal, escrito em Árabe e depois traduzido para Catalão e Latim. As suas obras apresentam normalmente versões noutras línguas para lá do Catalão, como o Ocitano, o Italiano, Francês, Castelhano, com a maior parte com textos e anotações em Latim. Llull era um verdadeiro e magistral poliglota, além de fecundo autor e cientista.

Em 1276, animado por um escopo de missão e conversão, fundou uma escola de missionários franciscanos, em Miramar, financiado pelo rei de Maiorca. Llull era terceiro franciscano secular, recorde-se.

Era um “iluminado” no sentido positivo do termo, moderno para o seu tempo. Leccionou por isso em Montpellier, uma das mais antigas universidades da Europa, onde pretendeu introduzir a Arte no Ensino Superior. Depois foi para Paris, a maior de todas as universidades, onde teve choques com a escolástica tradicional, o que o obrigou a simplificar a sua Arte. O seu labor intelectual e apostólico continuou, materializado em viagens na Itália, Aragão, Norte de África, além de Chipre, recebendo aprovação para o efeito do Concílio de Viena, em 1311.

 

Zelo missionário e apostólico

Fluente no Árabe, moderno nas concepções, Llull viveu parte da sua vida em Tunes, onde escreveu as últimas obras, vindo a morrer num naufrágio a caminho de Palma de Maiorca. Era já octogenário. Llull orientou toda a sua actividade e estudo em torno da formulação de uma ferramenta racional capaz de “demonstrar” a Verdade, ou seja, o Deus da Trindade e da Encarnação, salvador do ser humano e da razão do mundo. Assim o demonstra na sua Arte, uma obra ainda hoje de suma importância.

Na época, o seu impacto foi grande não apenas para a reforma da Teologia, mas também para a Filosofia, a Lógica, a Medicina, a Astronomia, o Direito, a Geometria e a Retórica. Este terceiro franciscano escreveu também obras para um público leigo de formação variada, ensinado por exemplo a “disputar” (discutir) com os “infiéis” por razões necessárias e não por autoridades, ou imposições, como algumas ordens religiosas faziam. Pedagogia, educação religiosa, artes de pregação, sermões, literatura, entre outros, muitos são os domínios da fecunda produção llulliana.

Llull desde sempre teve como grande objectivo a Missão, ad gentes. No sentido do diálogo inter-religiosos, sem autoridade ou sobreposição de culturas. Pretendeu, mais além desse escopo, formar missionários. O convento de Miramar, em Palma, por si fundado, funcionou como o primeiro centro de estudos missionários. O destino eram os países islâmicos do Norte de África, formando missionários para cristianizar os árabes e berberes, ensinando-se técnicas de missão, metodologia para desmontar a filosofia corânica, ensino do Árabe, cultura, etc.

 

Língua, cultura, teologia, missão

O “Llullismo” era assim uma combinação de estudos linguísticos e teológicos para apoio e formação dos missionários, mas não apenas no Islão, também noutras religiões. Este escopo encantou o Papa João XXI, o português Pedro Hispano, que felicitaria publicamente Ramón Llull em 1276. Mas o seu avanço missiológico e teológico eram ainda muito precoces e por isso nem sempre compreendidos. Viajante incansável, Llull percorreu a Europa Ocidental e África, pregando o seu método, inclusivamente nas portas das mesquitas e sinagogas. Durante esses périplos escreveu uma grande quantidade de obras, com o objectivo de apontar os erros dos filósofos e teólogos de outras religiões, além de tentar fundar comunidades religiosas cristãs nas terras de missão, no que teve grandes dificuldades.

Podemos falar assim de uma Arte de Ramón Llull, a qual visava a criação de um sistema racional que permitisse dar a conhecer a Verdade do Cristianismo aos “infiéis”. Do ponto de vista conceptual e metodológico é um sistema avançado para o seu tempo, baseado na tolerância religiosa, no diálogo, na interiorização ou aproximação às formas de pensar, culturais também, dos povos a missionar, sem autoridades ou tábua rasa. Usando uma retórica equilibrada, assente no domínio de línguas dos povos, nomeadamente o árabe. O Doutor Iluminado, Terceiro Franciscano, foi beatificado em 1847 pelo Papa Pio IX. Um exemplo de liberdade e diálogo, tolerância e conhecimento do “outro”, sem altivez ou prepotência.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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