PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS DE MANIPUR

PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS DE MANIPUR

Tentativa de relançar o processo de paz

No decorrer da Assembleia Geral da Conferência dos Bispos Católicos da Índia (CBCI), que reúne os bispos das comunidades dos três ritos presentes na Índia (latim, siro-malabar, siro-malancar), D. Linus Neli, arcebispo de Imphal, capital do Estado de Manipur, no Nordeste da Índia, demonstrou publicamente a sua gratidão pela ajuda humanitária e espiritual prestada pelas comunidades católicas indianas e pelas ONG à população de Manipur, dilacerada por pelo violento conflito que ali tem lugar. E apelou, logo depois, à paciência, porque «o processo de paz é gradual e levará o seu tempo». Nesse seu discurso dirigido aos bispos – que durante a Assembleia Geral reelegeram D. Andrews Thazhath como presidente da CBCI – o prelado de Imphal fez um balanço da crise no Estado de Manipur, onde os cristãos representam cerca de quarenta por cento da população.

D. Linus Neli começou por destacar os aspectos demográficos, históricos e étnicos de Manipur, traçando as razões do conflito étnico entre as comunidades Kuki e Meitei, e destacando sempre os esforços de ajuda e reabilitação feitos pelas comunidades católicas. Segundo dados oficiais, morreram já cerca de 180 pessoas, incluindo mulheres e crianças. A destruição de cerca de trezentas igrejas, o encerramento de muitas instituições educativas e o deslocamento de mais de sessenta mil pessoas estão a impedir o trabalho pastoral e social da Igreja local. Desde 3 de Maio do ano passado, confrontos têm ocorrido quase diariamente.

«Não há números fixos», disse Lhingkhonei Kipgen, que fugiu com o marido e duas filhas menores, tendo encontrado abrigo num campo de refugiados da Evangelical Fellowship of India (EFI), em Deli. «Ainda há cadáveres aqui e ali, alguns foram queimados no interior dos seus veículos e não podem sequer ser identificados», referiu.

O exemplo da senhora Lun Tombing – divulgado pela publicação “online” Christianity Today – é paradigmático. Ao inteirar-se da violência na capital Imphal, agrupou a sua família e buscou refúgio no interior da igreja, onde se encontrava já meia centena de outros cristãos. Aí permaneceu, enquanto no exterior uma multidão hindu praticava todo o tipo de vandalismo. Aproveitando uma momentânea ausência dos agressores, os cristãos puderam sair do templo; mas depressa regressaria ao local a enraivecida multidão. «Sempre que era incendiado um veículo, todos batiam palmas e davam gritos de vitória; testemunhávamos tudo isso, enquanto tremíamos atrás dos arbustos com o medo constante de sermos descobertos», contou Lun, que juntamente com a sua família ali permaneceu quase doze horas, evitando por pouco um confronto directo com os fanáticos arruaceiros. Quando finalmente chegaram os militares, doze horas depois, puderam encontrar sossego num campo de refugiados local. Dias mais tarde, bastante traumatizados, juntamente com centenas de outros cristãos, chegaram a Nova Deli, «com pouco mais do que medicamentos para as crianças e algumas roupas», onde foram acolhidos por familiares.

Ainda hoje, as duas filhas de Lun continuam a não conseguir dormir em paz. Sempre que ouvem um estrondo ou um barulho repentino, de imediato gritam e buscam protecção junto da mãe.

Os Meios de Comunicação locais falam em “centenas de camiões com ajuda humanitária bloqueados ou atacados na estrada”. A violência quase paralisou a actividade económica e os empresários queixam-se de perdas superiores a setenta por cento, justificando assim o despedimento de funcionários e as drásticas medidas de redução de custos. A inflação no pequeno comércio disparou para 11,63 por cento e a Internet falha frequentemente.

O problema do País é, essencialmente, de carácter étnico. Os Meitei – maioritariamente hindus – representam 51 por cento da população de Manipur, que tem 2,3 milhões de habitantes, mas estão concentrados nas planícies, onde detêm apenas dez por cento do território. Os Kuki e os Naga – maioritariamente cristãos – representam quarenta por cento da população, mas ocupam noventa por cento do território, porque estão localizados principalmente nas colinas. Contudo, os Meitei têm, de longe, uma maior representação política. E um peso económico notoriamente superior.

O conflito entre ambas as etnias, já de si latente, recrudesceu depois do Supremo Tribunal de Manipur ter ordenado que “o Governo Estadual enviasse uma recomendação ao Governo Federal”, no sentido de conceder aos Meitei o estatuto de “tribo reconhecida”. Esse estatuto permitir-lhes-á ter acesso a terras e instalações especificamente designadas – pela constituição indiana – aos grupos indígenas. A ordem do Tribunal foi fortemente contestada pelos Kuki. Argumentaram que isso fortalecerá ainda mais a já dominante comunidade Meitei. Daí a eclosão da violência. Nove meses após os primeiros confrontos, os dois grupos estão completamente separados, não tendo um direito de entrar nas áreas habitadas pelo outro. Ironicamente, é essa distância o garante – por enquanto – do alargamento do conflito.

Entretanto, o Fórum Inter-religioso liderado por D. Thomas Menamparampil, arcebispo emérito de Guwahati (no Estado vizinho de Assam), conhecido pelos seus esforços de paz em todo o Nordeste da Índia, tenta forjar relações bilaterais para relançar o diálogo e iniciar negociações de paz, envolvendo vários componentes da sociedade civil, tais como grupos de mulheres, intelectuais, líderes religiosos e comunidades de base.

Joaquim Magalhães de Castro

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