Pedro Pinto, motard descendente de navegadores

A ciência dos Perestrelos.

É sabida a importância dos italianos nos primórdios da navegação portuguesa. A sua presença em Portugal leva à divulgação de uma técnica náutica típica do Mediterrâneo, que serve de matriz aos conhecimentos desenvolvidos posteriormente.

Bartolomeu Perestrelo, um dos descobridores do arquipélago da Madeira, herda, do lado paterno, esse espírito científico renascentista. «Ele é uma figura da nossa história à qual não se deu o merecido destaque», comenta a propósito Pedro Perestrelo Pinto, seu descendente. Também ele um homem de conhecimento e paixões. «A minha avó, Maria de Lurdes Vasconcelos e Sousa é descendente directa do rei D. João II, e vem a casar com o meu avô, Bartolomeu Perestrelo, que era descendente do navegador seu homónimo». Personagem que Pedro Pinto não hesita em considerar «um super-homem» do seu tempo. «O conhecimento que possuía serviu de alavanca para os descobrimentos».

O apelido Perestrelo é um aportuguesamento do nome italiano Pallastrelli, de origem judaica. No séquito da princesa Leonor de Aragão, destinada a casar com o infante D. Duarte, vamos encontrar o cavaleiro Micer Filipe Pallastrelli, nativo de Placência. Pedro Pinto tem uma versão algo diferente da sua chegada ao nosso país. «Consta que teria fugido para Portugal pois cometera um crime em Itália, fruto duma discórdia entre as duas principais famílias de Placência». Valem-lhe, pelos vistos, os seus conhecimentos náuticos. «Foi recebido em Portugal, não como um criminoso, mas de bom grado e logo apadrinhado pelo rei, já que ele era um homem da ciência. E naquela época todos os homens de ciência vinham parar a Portugal». Da corte ruma direito aos braços de Catarina Vicente, que lhe dá o filho – entre outros – Bartolomeu Perestrelo.

 

A LIGAÇÃO A COLOMBO

É concedida a Perestrelo, pelo infante D. Henrique, a capitania da ilha do Porto Santo. As do Funchal e de Machico são entregues a João Gonçalves Zarco (seu companheiro na descoberta da Madeira) e a Tristão Vaz Teixeira. Porto Santo recebe o cultivo de cereais, a criação de gado e a plantação da vinha. Aproveita-se ainda uma matéria tintureira – o sangue de dragão, duma planta conhecida por dragoeira, hoje extinta.

Também em Porto Santo reside durante algum tempo Cristovão Colombo, que aí casa com Felipa Moniz de Perestrelo, filha do donatário e da sua segunda esposa, Isabel Moniz. O pai de Isabel, Gil Ayres Moniz, pertence a uma das mais nobres famílias do Algarve, fiel de armas do infante D. Henrique em Ceuta, em 1415. A sogra de Colombo é, além disso, aparentada com o condestável D. Nuno Álvares Pereira e, por conseguinte, com a casa real de Avis.

Curiosamente, nunca foi encontrado o assento do casamento nem o do nascimento do primogénito. O que se sabe desta relação é o que foi redigido por Fernando Colombo, o rebento mais novo do navegador. Segundo ele, Colombo conhece a mulher quando assiste à missa na capela do Convento de Santos, da Ordem de Santiago, em Lisboa.

Pedro Pinto resume os relatos colhidos de geração em geração. «A filha de Perestrelo veio estudar para o convento, e Colombo desde logo fez-lhe a corte. No fundo, tentava garantir o apoio do futuro sogro, já que este era um homem entendido nas artes de navegar, demonstrando um conhecimento científico, que embora já tivesse, precisava de justificar na missão de que fora incumbido». À semelhança de Mascarenhas Barreto e de outros defensores da tese da origem portuguesa de Colombo, Pedro Pinto acha «um perfeito disparate» considerar o mais famoso dos navegadores um nativo de Génova.

 

NAVEGAR SOBRE RODAS

O cronista Fernando também nos informa que o pai residira por um curto período de tempo com a sogra em Porto Santo, e que ela, vendo o quanto Colombo se interessava pelo mar, lhe contara os relatos que ouvira do seu marido. Informa-o ainda de como Bartolomeu «arruinara Porto Santo por muitos anos», ao ter levado para a ilha uma coelha e respectiva ninhada. A bicharada multiplica-se de tal forma que num ano apenas está em todo o território, comendo tudo o que cheire e seja verdura. Os habitantes vêm-se forçados a transferir-se para a ilha da Madeira, adiando a colonização de Porto Santo até que a natureza repusesse o equilíbrio. O relato, integra hoje o universo lendário desse estéril e belo lugar.

A estética do movimento, noutros registos porém, e também o fascínio pelos espaços desérticos, é porventura uma herança, “fatum” do nosso personagem. Pedro Pinto fala-nos do irresistível desejo das viagens e da sua paixão pelas motos, «coisa de tenra idade», uma a par da outra, na medida possível. Aos 11 anos dão-lhe uma “mobilete”, «para compensar uma maleita de infância». Cedo inicia-se no desporto, com o motocrosse. Nasce, em 1972, o Autódromo do Estoril, e como ele um diferente desafio: «a excitante experiência de poder correr numa pista». No início da década de 80 sofre um acidente grave, o que não o impede de continuar a guiar. Limita-se a abandonar a parte desportiva. Recorda um périplo pela Europa aos comandos de uma Vespa – o seu veículo de eleição, na actualidade – desenhando geografias de forma bem diversa do que se tivesse efectuado a viagem num automóvel.

É senhor de, pelo menos, um feito único: a travessia da Tunísia e seus desertos, «numa Solex», com 15 anos apenas! O facto de ser filho de diplomata permite-lhe fazer «algo que era proibido à generalidade dos portugueses na altura». O pai, também Pedro Pinto, um dos responsáveis pelo projecto de Cabora-Bassa, é uma figura por si só justificativa de reportagem. «Fica feita a sugestão».

 

O VEÍCULO DE TODOS

Pedro Pinto compra motas na sucata e restaura-as. «Não há fábricas de peças, é preciso desmontar as que existem já sem conserto e reparar as que se podem». E muito embora os coleccionadores portugueses sejam aos milhares, a mota portuguesa continua esquecida. Ela que, de alguma forma, revolucionou a vida das pessoas neste país, ainda que isso nunca tenha sido evidenciado. «Nos anos 60 e 70 o automóvel era considerado um luxo. A forma mais comum de deslocação era o motociclo, até porque na altura apenas se necessitava de uma licença camarária». Na década de 60, há em Portugal dois milhões e meio de motorizadas, praticamente uma para cada família. «Pouca gente sabe disso».

Marcas como a Sachs, a Famel ou a Casal, «pelo que representaram em dinâmica nacional – algo que está em défice actualmente», merecem ter melhor lugar na história. Tendo em vista o perdurar da memória, Pedro Pinto coordenou um livro sobre motos antigas para a Parque Expo, e lançou um outro sobre o percurso do motociclo nacional. Uma obra que, em sua opinião, poderá incentivar o coleccionismo. «Há imensa gente a investir dinheiro no restauro de motas antigas, mas ninguém teve ainda disponibilidade ou o momento certo para falar disso». A sua principal aposta, porém, está no futuro museu da mota, projecto ainda no papel, que poderá contar com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa, cujo um ex-inquilino mor, «como se sabe», é um apaixonado dos veículos de duas rodas.

Pedro Pinto cresce a ouvir contar histórias – as do passado mais próximo e aquelas que porventura outros terão iniciado em registos bem mais longínquos. Certa ocasião o pai foi incumbido de ir buscar ao aeroporto de Lisboa o magnata Oppenheimer. Acontece que «o carocha da fábrica de Alcântara», a certa altura, nega-se a continuar, por falta de gasolina. «E ali estava: o homem mais rico do mundo, obrigado a empurrar um Wolkswagen, como um qualquer simples mortal!».

A respeito de coisas/memórias olvidadas, desprezadas até, sejam elas marcas de motos de produção nacional ou navegadores da descoberta como Bartolomeu Perestrelo (vítimas de uma nacional cobardia em assumir a nossa História de forma desassombrada e até com orgulho, cobardia essa que roça o foro da psiquiatria), Pedro Pinto tem um remate preparado: «Às vezes penso que um dos males deste país está no facto dos pais não serem obrigados a escrever o historial da família para os seus filhos, e assim sucessivamente». Talvez então as mentiras, mesmo à força de tanto serem repetidas nunca cheguem a ser consideradas verdades e aceites como tal a nível planetário.

Como no caso da identidade de Colombo? O nosso homem da Vespa, apesar da sua visível costela transalpina, acena afirmativamente com a cabeça. E vai dizendo que existe uma enorme necessidade das pessoas terem orgulho no que fazem. «E mais do que orgulho, acreditar no que fazem». À semelhança dos italianos. E porque Pedro Pinto acredita no que é português, faz da produção de capacetes, «à moda antiga, mas com couro do verdadeiro», uma das suas múltiplas actividades.

Joaquim Magalhães de Castro

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