Papa Francisco: dois anos de pontificado

PARA ALÉM DAS EVIDÊNCIAS

Este Papa tem um método

Completam-se hoje dois anos do Pontificado de Francisco. O CLARIM publica dois textos, da revista Mensageiro de Santo António e do L’Osservatore Romano, que traçam o perfil daquele que é já hoje considerado o “Papa sem medo”. A forma como decorreram os trabalhos do sínodo sobre a família e o posicionamento social e político do Santo Padre ajudam a explicar o método e os objectivos a alcançar pelo actual sucessor de Pedro.

Já muito se escreveu, e se vai escrever, sobre os trabalhos do último sínodo sobre a família. Mais do que o conteúdo, eu gostava de reflectir hoje sobre o método. Desde logo porque me parece que temos neste ponto várias mudanças.

Recordo que a palavra “método” junta duas palavras gregas: “odos” que quer dizer caminho (não geográfico, mas existencial) e a proposição “meta” que pode significar “ligação” (como se fosse uma ponte a unir margens). Assim, o método é o caminho que percorremos para alcançar um fim (uma meta que colhe todo o percurso). Não um caminho qualquer.

 

O SÍNODO

 

O sínodo teve um método e este Papa tem o seu método. Tudo começou com uma consulta muito alargada (e mais não foi, porque muitos Bispos tiveram medo ou não tiveram capacidade técnica para ouvir todas as vozes). Todas as pessoas de todas as partes do mundo puderam dar a sua opinião. Depois, fez-se um documento que tentou reunir todas as respostas – Instrumentum laboris (que é uma preciosidade). Depois, tivemos um sínodo extraordinário sobre os problemas da família; no futuro, teremos um sínodo ordinário sobre a dignidade e a vocação da família; por fim, deveremos ter uma exortação apostólica pós-sinodal.

Não é tudo novo, mas a urgência com que o assunto está a ser tratado, a amplitude da auscultação inicial, a abertura com que está a ser discutido, a presença permanente do Papa em todas as sessões, a exposição mediática… são alguns sinais que podem querer dizer algo mais.

Pode parecer um pormenor o modo como organizamos os trabalhos e o método que usamos. Contudo, métodos diferentes conduzem a resultados diferentes. Já para não falar de todas as vezes em que tentamos fazer algo sem método. A Igreja é, muitas vezes, especialista nesta área (mas infelizmente não está só).

 

PERSPECTIVA DOGMÁTICA VS PERSPECTIVA PASTORAL

 

Do Papa fala-se muito do seu estilo, publicam-se muitas imagens e repetem-se muitas frases. Mas, talvez, uma das coisas mais profundas seja o seu método de trabalho, o modo como enfrenta a realidade e os problemas.

Desde a primeira hora, parece que o Papa quer mudar o esquema de pensar: não tanto partindo dos princípios para dialogar com a realidade (perspectiva mais dogmática e mais comum na Europa e na América do Norte); mas parte da realidade, para depois tentar dialogar com os princípios (perspectiva mais pastoral e mais comum na América Latina).

Devo dizer que qualquer opção, se for honesta e séria, tem vantagens, mas também riscos. Muito genericamente, direi que a primeira tem a vantagem de colher a profundidade da reflexão e da tradição, tem a vantagem de revelar desafios e horizontes; mas tem a grande desvantagem de colocar a realidade e a vida concreta em segundo plano (por dedução) e, por isso, pode correr o risco de conduzir a uma resposta pouco acessível, porque demasiado transcendente.

A segunda perspectiva tem a vantagem de pegar profundamente na realidade e no concreto da vida, nos problemas e nas dificuldades de todos os dias, num dinamismo que parece mais alargado; mas corre o risco de reduzir o horizonte existencial à realidade existente perdendo-se a dimensão de desafio e de escatologia, podendo a teologia ficar reduzida a âmbitos meramente sociais e a soluções “à la carte” (tipo “10 passos para ser feliz”).

 

CONHECIMENTO E SABOR

 

Qualquer opção deve procurar reduzir ao mínimo os seus limites e os seus riscos. Pessoalmente gosto de soluções mais complexas e mais misturadas, onde a realidade e a teoria se fundem. Mas temos que ser honestos, não podemos ter o melhor de dois mundos, até porque temos de fazer opções e temos de começar por algum lado: pelo conceito ou pela realidade.

Gosto de pensar num excelente cozinheiro que pega na realidade e a transforma numa saborosa especialidade… quanto mais sabe e quanto mais experiência tem melhor sabor tem a refeição. Sempre num exercício continuado hermenêutico, onde cada dia aumenta o conhecimento e o sabor.

 

NÃO HÁ CAMINHOS FÁCEIS

 

Voltando ao método (do Papa), gostaria de desafiar os bispos e os padres, os leigos e as comunidades cristãs a reflectir sobre os seus métodos: sobre o modo como estão a ouvir todas as pessoas e não apenas os mais próximos ou mesmo os ditos cristãos praticantes; sobre o modo como acolhem e se deixam desafiar pelas propostas e as sugestões recebidas; sobre o modo como enfrentam a realidade e aceitam mudar para serem mais evangélicos; sobre o modo como envolvem todos nos problemas difíceis e reais da comunidade; sobre o modo como a comunidade é lugar e acolhimento de todos e procura desafiar todos…

Sei que não há caminhos fáceis, sei que não há soluções milagrosas… mas também sei que é mais fácil acomodar-se aos esquemas de sempre, às ideias de sempre, aos modelos de sempre… é mais fácil queixar-se do que envolver, mais fácil desculpar-se que entusiasmar-se, mais fácil criticar que reflectir.

Neste Sínodo, mais interessante que as conclusões é a própria experiência sinodal – uma perspectiva que revela a característica essencial do método deste Papa: «uma Igreja que dialoga a partir da escuta» (Vitali). Uma sinodalidade que faz da escuta a praxis essencial da Igreja.

De facto, não sei como é que este itinerário iniciado pelo Papa Francisco vai terminar, mas sei como começou – com uma consulta a todos, livre, aberta, sincera. Sobretudo, sei como tem estado a decorrer em grande espírito de diálogo (concordantes e discordantes) e em grande espírito de verdade e amor à Igreja. Hoje fala-se de coisas e de um modo que há dois anos atrás parecia impossível, porque eram tabu ou assunto encerrado…

 Pe. Nuno Santos

In Mensageiro de Santo António

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