Romano, o Melodista: transmitir a fé através da poesia e do canto
Na sua série de catequeses sobre os Pais (Padres) da Igreja, o Papa Bento XVI falou “de uma figura pouco conhecida: Romano, o Melodista”. Romano é um dos Padres que mostra o esplendor da verdade na beleza. Utilizou a poesia e a música para exprimir e transmitir a fé. Faz-nos lembrar “o seu compatriota, Santo Efrém da Síria [cf. PADRES DA IGREJA, 38], que viveu duzentos anos antes dele. Mas pensemos também em teólogos do Ocidente, como Santo Ambrósio [cf. PADRES DA IGREJA, 33], cujos hinos ainda hoje fazem parte da nossa liturgia e sensibilizam também o coração; ou num teólogo, num pensador de grande vigor como São Tomás, que nos transmitiu os hinos da festa do Corpus Christi; pensemos em São João da Cruz e em muitos outros. A fé é amor, e por isso cria poesia e música. A fé é alegria, e por isso cria beleza” (Audiência Geral de 21 de Maio de 2008).
Nasceu por volta de 490, na Síria, de pais judeus, tendo aprendido a cultura grega e síria na sua terra natal e aperfeiçoado a sua educação em Beirute. Foi ordenado diácono por volta de 518.
Romano mudou-se para Constantinopla, onde se tornou sacristão da igreja no templo de Hagia Sophia (“Santa Sabedoria”). Esta era a principal igreja da capital bizantina de Constantinopla (actual Istambul). Foi construída entre 532 e 537 e é um excelente exemplo de arquitectura e arte bizantinas. Tornou-se uma mesquita depois de o Império Otomano ter ocupado a cidade em 1453.
Originalmente, São Romano não era muito dotado nem para a leitura nem para o canto. Conta-se que lhe foi confiada a tarefa de ler os versos do “kathisma” (uma parte dos Salmos), numa noite de Natal. Fê-lo tão mal que foi preciso chamar alguém para o substituir e o clero ridicularizou-o por causa da sua fraca prestação. Mas a “Theotokos” (“Portadora de Deus” – referindo-se a Nossa Senhora) apareceu-lhe. Deu-lhe um rolo de pergaminho (um “kontakion”) e ordenou-lhe que o comesse. Isto deu-lhe o dom da compreensão, da composição e da hinografia.
No dia seguinte, dia de Natal, foi-lhe pedido que proclamasse do púlpito o nascimento de Cristo. Extemporaneamente, entoou o primeiro “kontakion” (hino em verso métrico) da Natividade: “Hoje, a Virgem dá à luz o Transcendente”. Toda a gente, incluindo o imperador e o patriarca, ficou maravilhada com as palavras e com a actuação. Todos os hinos que compôs acabaram por ser chamados “kontakia”. Há 89 deles que são atribuídos a Romano.
O estilo da homilia de Romano era especial: empregava um Grego simples que o povo podia compreender, referia-se aos murais ou aos ícones da Igreja, recorria ao diálogo e cantava-o sob a forma de “kontakion”. A pregação era eficaz, sobretudo porque ele vivia o que ensinava. Assim rezava: “Torna clara a minha linguagem, meu Salvador, abre a minha boca e, depois de a encher, penetra no meu coração, para que os meus actos correspondam às minhas palavras” (Missão dos Apóstolos, 2).
Os temas das pregações abrangem pontos importantes da Doutrina Católica. “Um tema fundamental da sua pregação é a unidade da acção de Deus na história, a unidade entre criação e história da salvação, a unidade entre o Antigo e o Novo Testamento” (Audiência Geral de 21 de Maio de 2008).
No seu ensinamento sobre a Cristologia, evitou a controvérsia e ensinou simplesmente: “Cristo era homem, mas era também Deus, e não se dividiu em dois: é um só, Filho de um Pai que é um só” (A Paixão, 19). E falou da açcão missionária do Espírito Santo na Igreja, e manifestou grande devoção à Virgem Santíssima, terminando a maior parte dos seus hinos com uma referência a Nossa Senhora e dedicando algumas das “kontakia” a temas marianos: a Anunciação, o Nascimento de Jesus, a Maternidade Divina, a Nova Eva.
Ao falar da vida moral, faz referência ao Juízo Final (cf. As Dez Virgens II), aproveitando “este momento da verdade da nossa vida, do confronto com o Juiz justo, e por isso exorta à conversão na penitência e no jejum. De modo positivo, o cristão deve praticar a caridade, a esmola. Ele acentua o primado da caridade sobre a continência em dois hinos, as Bodas de Caná e as Dez virgens” (Audiência Geral de 21 de Maio de 2008).
O Papa Bento XVI conclui o seu discurso sobre Romano com as seguintes palavras: “Este grande poeta e compositor recorda-nos todo o tesouro da cultura cristã, nascida da fé, nascida do coração que se encontrou com Cristo, com o Filho de Deus. Deste contacto do coração com a Verdade que é Amor nasce a cultura, nasceu toda a grande cultura cristã. E se a fé permanecer viva, também esta herança cultural não morrerá, mas permanecerá viva e presente. Os ícones falam também hoje ao coração dos fiéis, não são realidades do passado. As catedrais não são monumentos medievais, mas casas de vida, onde nos sentimos ‘em casa’: encontramo-nos com Deus e encontramo-nos uns com os outros. Nem sequer a grande música o gregoriano, ou Bach, ou Mozart é algo do passado, mas vive da vitalidade da liturgia e da nossa fé. Se a fé for viva, a cultura cristã não se tornará algo do ‘passado’, mas permanecerá viva e presente. E se a fé for viva, também hoje poderemos responder ao imperativo que se reitera sempre de novo nos Salmos: ‘Cantai ao Senhor um cântico novo’. Criatividade, invocação, canto novo, cultura nova e presença de toda a herança cultural na vitalidade da fé não se excluem, mas são uma única realidade; são presença da beleza de Deus e da alegria de ser seus filhos” (Audiência Geral de 21 de Maio de 2008).
Pe. José Mario Mandía