PAIS DA IGREJA (15)

PAIS DA IGREJA (15)

Um professor em palavras e acções

Na última edição, falámos sobre Clemente, que foi a segunda pessoa a dirigir a Escola de Alexandria. A perseguição desencadeada por Sétimo Severo levou-o à Capadócia. Clemente fugiu com o seu aluno Alexandre, que mais tarde se tornaria bispo de Jerusalém. Clemente não conseguiu voltar ao Egipto e morreu antes de 215 d.C.

Demétrio, bispo de Alexandria, nomeou Orígenes, de dezoito anos, para suceder a Clemente na Escola de Alexandria. Orígenes era o filho mais velho de uma grande família cristã. Provavelmente, nasceu na própria Alexandria, por volta de 185 d.C. O seu pai, Leónidas, que lhe ensinou as Escrituras e assuntos seculares, foi martirizado em 202 d.C. O próprio Orígenes tinha uma paixão pelo martírio. Ao interpretar, literalmente, Mateus 19, 12 – «Pois há alguns eunucos que nasceram assim do ventre de suas mães; outros foram privados de seus órgãos reprodutores pelos homens; e há outros ainda que a si mesmos se fizeram celibatários, por causa do Reino dos céus. Quem for capaz de aceitar esse conceito, que o receba» –, emasculou-se. No final da vida, o seu desejo de martírio foi de alguma forma concedido: durante a perseguição de Décio, Orígenes foi preso e torturado, o que levou à sua morte em 253 d.C.

Orígenes foi um “excelente professor e estudioso da Igreja primitiva, um homem de carácter imaculado, aprendizagem enciclopédica e um dos pensadores mais originais que o mundo já viu” (Quasten, II, pág. 37). Na Audiência Geral de 25 de Abril de 2007, o Papa Bento XVI explicou que Orígenes “recebe a herança de Clemente de Alexandria […] e impele para o futuro de modo totalmente inovativo, imprimindo uma mudança irreversível ao desenvolvimento do pensamento cristão”.

Orígenes ensinou não apenas com palavras, mas também com acções. O historiador da Igreja, Eusébio de Cesareia, escreveu sobre ele: “O seu modo de vida era como a sua doutrina, e a sua doutrina como a sua vida. Portanto, pelo poder divino, trabalhando com ele, despertou muitos para o seu próprio zelo” (cf. História da Igreja, Livro 6, Capítulo 3, 7). Ele serve, portanto, de modelo para qualquer professor, especialmente aquele que transmite as ciências sagradas. Ele seguiu o exemplo do próprio Jesus, que se esforçou «para fazer e ensinar» (Actos 1, 1).

Bento XVI acrescentou que Orígenes é “o autor mais fecundo dos primeiros três séculos cristãos. O seu raio de interesses alarga-se da exegese ao dogma, à filosofia, à apologética, à ascética e à mística. É uma visão fundamental e global da vida cristã” (Audiência Geral, 25 de Abril de 2007).

No prefácio do seu livro “De principiis” (“Sobre Princípios”), Orígenes revelou o critério que seguia para ensinar a Fé. Na tradução latina, lê-se: “illa sola credenda est veritas, quae in nullo ab ecclesiastica et apostolica traditione discordat” – “Somente aquilo que não difere da tradição eclesiástica e apostólica deve ser acreditado como verdade”.

A mesma norma é expressa quase em termos equivalentes em muitas outras passagens, por exemplo: “non debemus credere nisi quemadmodum per successionem Ecclesiae Dei tradiderunt nobis” (“Não devemos acreditar em nada, excepto naquilo que eles nos transmitiram através da sucessão na Igreja de Deus” – “Em Mateus”, 46, Migne, XIII, 1667). Segundo com estes dois princípios, Orígenes apela constantemente à pregação eclesiástica, ao ensino eclesiástico e à regra eclesiástica da fé (cânone). E aceita apenas quatro Evangelhos Canónicos porque a tradição não aceita mais; admite a necessidade do baptismo das crianças porque está de acordo com a prática da Igreja fundada na tradição apostólica; adverte os intérpretes da Sagrada Escritura para não confiarem nos seus próprios julgamentos, mas “no governo da Igreja instituída por Cristo”. E acrescenta: “temos apenas duas luzes para nos guiar aqui em baixo: Cristo e a Igreja. A Igreja reflecte fielmente a luz recebida de Cristo, como a lua reflecte os raios de Sol. A marca distintiva do católico é pertencer à Igreja, depender da Igreja fora da qual não há salvação; pelo contrário, quem sai da Igreja caminha nas trevas, é um herege. É através do princípio da autoridade que Orígenes costuma desmascarar e combater os erros doutrinários. É também o princípio da autoridade que invoca quando enumera os dogmas da fé. Um homem animado por tais sentimentos pode ter cometido erros, porque é humano, mas a sua disposição mental é essencialmente católica e ele não merece ser classificado entre os promotores da heresia” (Orígenes e Origenismo, Enciclopédia Católica, Novo Advento, https://www.newadvent.org/cathen/11306b.htm).

Pe. José Mario Mandía

LEGENDA: Orígenes

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