Encruzilhada
«Os cidadãos de Hong Kong até podiam aceitar o que foi proposto por Pequim [haver uma primeira triagem de candidatos, antes do sufrágio universal propriamente dito para a eleição do Chefe do Executivo]», referia o cidadão Patrick, quando me desloquei há cerca de uma semana e meia à zona de Admiralty, por muitos considerada o foco principal da “Revolução Guarda-Chuva”.
«O grande problema é que o Chefe do Executivo só olha para Pequim e para as oligarquias, e não para as necessidades da população que está cada vez mais farta de ver a sua qualidade de vida piorar a cada dia que passa», acrescentava Patrick, natural do Reino Unido, mas a viver na ex-colónia britânica há cerca de duas décadas.
Conversei depois com vários estudantes sobre o propósito de aderirem às manifestações. Por que cortavam as ruas ao trânsito rodoviário e ferroviário (os eléctricos também contam)? E o que entendiam por democracia?
No computo geral fiquei com a ideia de que queriam uma mudança que traga um futuro bastante menos cinzento à generalidade da população, porque o actual sistema político está viciado e só favorece as oligarquias e os poderes instalados, bem como os mais poderosos. Quanto ao conceito de democracia, encontrei poucos que entendiam o seu verdadeiro significado.
O caso não deixa de ser sintomático, se pensarmos que tanto em Hong Kong, como em Macau, vigoram alguns valores democráticos que foram deixados por duas nações ocidentais (Grã-Bretanha e Portugal).
A eleição de deputados, pela via directa, para o LegCo e para a Assembleia Legislativa é disso o melhor exemplo. Já no campo oposto, os colégios eleitorais para a escolha dos Chefes do Executivo das Regiões costumam estar povoados de empresários e de membros com ligações às oligarquias locais ou ao Partido Comunista.
Era pois interessante saber em que medida haverá aqui alguma relação entre o estágio de maturação de ambas as sociedades e o fardo cada vez mais pesado que os cidadãos carregam às costas, devido ao galopante custo de vida.
Ilusão
Os estudantes de Hong Kong têm a percepção que a escolha do Chefe do Executivo através de uma democracia plena será panaceia para todos os males e que num abrir e fechar de olhos vão ficar resolvidos os problemas que mais apoquentam os cidadãos: a habitação, a saúde, os transportes, os salários de acordo com a subida do custo de vida, o bem-estar dos idosos, a poluição atmosférica, o impacto negativo que os turistas da China Continental trazem à vida das pessoas, e por aí adiante…
Ora, nada mais errado! Nos países ocidentais com democracias plenas também prevalecem muitas chagas sociais que nem os políticos eleitos pelo sufrágio universal directo dão resposta. E há situações que constituem autênticos casos de polícia sobre as quais impera a corrupção ao mais alto nível, sem haver uma intervenção eficaz da Justiça. E quem paga a factura? Obviamente, os contribuintes!
Se olharmos para Inglaterra, Espanha, França, Itália, Portugal, Brasil e Estados Unidos – só para citar alguns – é fácil perceber que o modelo democrático que tanto anseiam os cidadãos de Hong Kong poderá levá-los a nenhum lado. Por outras palavras: mudam os protagonistas, mas continua o regabofe, porque em muitos casos falta a integridade, a transparência e a boa gestão da coisa pública.
No campo meramente idílico, como tudo seria bastante melhor se houvesse democracias em todo o mundo ocidental que funcionassem na verdadeira acepção da palavra, como é o caso da Islândia. A democracia em si é algo fabuloso. O problema são as pessoas que se servem dela, em vez de servirem o povo que os elegeu, porque infelizmente são a maioria!
China
A China, país com História pesada em termos de Direitos Humanos, está claramente a querer conquistar o mundo, não pelo belicismo, mas pela via económica.
Imbuída nesta pretensão, teve obrigatoriamente que se abrir ao mundo e alinhar cada vez mais – pelo menos aparentemente – com a Comunidade Internacional. Mas tal não significa que não seja dualista na política internacional e cheia de contrastes a nível interno. Também é ponto assente – pelo menos para mim – que a RPC nunca irá introduzir um sistema político igual ao modelo ocidental.
Voltando à “Revolução Guarda-Chuva”, sopram novos ventos na província de Cantão que têm favorecido a posição de Taiwan. A única alternativa que a RPC tem – a meu ver – é que todos os membros dos Executivos das RAE pensem e actuem primeiro em prol dos cidadãos, e nunca a favor dos seus interesses pessoais, dos compadrios ou de outras coisas que tais (Macau tem um caso provado em tribunal que já transitou em julgado a envolver um titular de alto cargo público).
Por outro lado, a diferença com o continente chinês é que ambas as Regiões, quer se queira, quer não, embora fazendo parte da Mãe-Pátria, têm um estatuto especial. E isso faz toda a diferença.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA