Largada antecipada

Com a chegada de uma frente tropical e com a possibilidade da formação de uma tempestade, após o desenvolvimento de uma frente fria na zona do continente africano, decidimos avançar para Curaçao mais cedo do que o planeado. O facto de ainda não ter começado a época oficial de tempestades (começa a 1 de Junho e termina no final de Outubro, sendo que este texto está a ser escrito a 26 de Maio) faz recear que possa ser mais forte do que o normal. Para evitar surpresas decidimos rumar às Antilhas Holandesas uns dias mais cedo, para assim estarmos fora da zona normalmente afectada por estas alterações meteorológicas.

Devemos demorar quatro ou cinco dias, dependendo da ajuda dos ventos. O destino será uma lagoa na costa sul da ilha de Curaçao, conhecida como Spanish Waters, onde existe uma enorme comunidade flutuante. Para nós será uma nova experiência, que esperamos ser positiva.

Ainda não temos ideia de quanto tempo iremos ficar em Curaçao, mas será, certamente, até decidirmos o que fazer relativamente ao passaporte da Maria. Uma das soluções é viajar de “ferry” para a Venezuela, apesar de não ser aconselhável devido à situação política e social do País. Avaliaremos os prós e os contras quando estivermos em Curaçao.

Outra das soluções será navegar até à Colômbia, possivelmente até Cartagena, que sempre tive a curiosidade de conhecer, e depois viajar por terra até Bogotá. Esta hipótese acarreta outros problemas, para além da falta de segurança que também se verifica neste país. Ao optarmos por velejar para a Colômbia seremos obrigados a enfrentar quatro a cinco dias de navegação em águas pouco profundas e tempestades que se desenvolvem repentinamente. Naufragam muitos barcos nestas intempéries todos os anos. Estas milhas de águas pouco profundas e de condições meteorológicas instáveis terão de ser enfrentadas a caminho de Cartagena e na partida rumo ao Panamá. A juntar ao problema da navegação no “plateau” da Colômbia, existe a proximidade da cidade de Barranquilha (cidade colombiana famosa pela falta de autoridade e reino dos traficantes de droga), onde vários veleiros têm desaparecido nos últimos anos. Não há provas mas suspeita-se que os barões da droga tenham “apreendido” os barcos, depois de matarem toda a tripulação. Utilizam-nos para transportarem droga para as costas americanas, abandonando-os após a entrega da carga. Nos últimos anos desapareceram quase uma dezena de veleiros, que foram encontrados na costa americana, sem tripulação.

A terceira solução será o Panamá. Deixamos o veleiro e o cachorro em local seguro e viajamos por terra, ou por avião, para Bogotá. Tenho esperança que entretanto a nossa representação diplomática na Cidade do Panamá abra a secção consular, para que nos emita o passaporte antes do final do ano.

A chegada a Curaçao está envolta numa bruma de expectativa. Tanto quanto sabemos há uma grande comunidade portuguesa. Aliás, um dos grandes amigos que fizemos nesta viagem, o senhor José de Luperon (República Dominicana), viveu em Curaçao, tendo ali desenvolvido toda a sua actividade profissional, depois de ter deixado Portugal aos 18 anos de idade. Ao que parece, os maiores supermercados da ilha são propriedade de famílias portuguesas, assim como uma grande parte dos negócios ligados ao retalho. Estou curioso em saber quando e como chegaram estes conterrâneos lusitanos. A procura de tais raízes e ligações vai, certamente, ocupar grande parte do nosso tempo na ilha.

Paralelamente, e como sempre fazemos durante as nossas visitas, iremos procurar elos de ligação a Macau, seja através de cidadãos portugueses ou de etnia chinesa. Até ao momento ainda não foi possível encontrar qualquer residente de Macau a viver nas Caraíbas, mas acreditamos que ainda encontraremos alguém. Há dois anos, na ilha de St. Martin, encontrámos um senhor chinês, residente em Hong Kong, que nasceu em Macau. Nunca viveu no território, sendo apenas o seu local de nascença. De facto, ao longo destes anos temos encontrado vários chineses de Hong Kong.

De regresso à viagem, quando estas linhas forem publicadas já teremos deixado Guadalupe em direcção a Curaçao. São cerca de 450 milhas náuticas que deverão levar quatro a cinco dias a serem percorridas.

O prognóstico meteorológico é de ventos favoráveis de Este-Sudeste, a rondarem entre os dez e os quinze nós, devendo a ondulação, do mesmo quadrante, variar entre os três e os cinco pés. Condições boas para realizarmos uma viagem tranquila e sem grandes problemas. O único receio é o facto do Dee não funcionar na perfeição com ventos fracos, uma vez que não tem velas leves nem balão. Esperemos que tal possa ser ultrapassado com o recurso ao pau de balão que adquirimos recentemente.

Há dias fomos contactados pelo Turismo de Macau na Tailândia que deixou uma mensagem na nossa página de Facebook, elogiando o facto de estarmos a promover a cultura luso-tailandesa e a nossa ligação a Macau. Passados quase três anos o Turismo de Macau “descobriu” que há uma família de Macau a dar a volta ao mundo. Só lamentamos que os contactos encetados antes da partida tenham sido infrutíferos, com a justificação da viagem não promover o território no exterior.

Esperamos que intentem um contacto mais formal e decidam apoiar-nos. Afinal, se o Turismo de Macau em Portugal apoia tudo o que é organizado em termos de vela em terras lusas, por que não apoiarem uma iniciativa de uma família radicada na RAEM?

JOÃO SANTOS GOMES

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