Cantova e o atol de Ulithi
Natural de Bolonha, o padre Juan Antonio Cantova estudou retórica e filosofia em Milão e, como tantos outros jesuítas europeus, optou por horizontes de pregação fora do Velho Continente; no caso no Novo Mundo, México, onde chegou em 1717. Aí aprendeu teologia e passou às Filipinas, o natural palco missionário dos religiosos destacados na província de Nova Espanha, de onde sairiam funcionários e eclesiásticos solidificadores da nova colónia das Filipinas, em 1605. Em Guam, Cantova entrou em contacto pela primeira vez com nativos das ilhas Carolinas, arrastados pela força dos ventos até aquela que foi por Fernão de Magalhães, o seu descobridor, apodada de “Ilha dos Ladrões”.
Estávamos em 1722 e Cantova equacionou a hipótese de os acompanhar no regresso a casa, só que acabaria em Manila, a leccionar teologia, tendo oito anos depois partido para Guam e de lá, na companhia do padre Victor Walter, rumado de novo às Carolinas. Não aparentava ser nada difícil a missão, graças à cordialidade dos naturais; contudo, não deixou de o alertar, um dos locais, para a péssima reputação do homem branco em tais paragens: gente que impunha trabalho obrigatório e muito duro a todos os indígenas contactados. Ciente do perigo, Cantova enviou Walter a Guam com um pedido de ajuda, só que entre esse dia e a chegada dos reforços dois anos decorreriam: os espanhóis que desembarcaram no remoto arquipélago em 1773 puderam enfim conhecer o funesto destino de Cantova. Chamado a Mogmog (Ulithi), a fim de baptizar um moribundo, o italiano foi recebido com grande hostilidade e rotulado de “destruidor de tradições e costumes indígenas”, isto, antes de o trespassarem com frechas. A ele e a oito espanhóis, quatro filipinos e um jovem escravo. Salvou-se Domingo Lezano, filipino de Tagala, servo de Cantova, adoptado mais tarde por um dos principais da ilha.
Confrontados com tais eventos, os superiores da Companhia de Jesus da província das Filipinas decidiram jamais voltar a enviar missionários às Carolinas. Se não fosse pela “alta montanha a oeste da ilha”, a maioria dos investigadores estudiosos do arquipélago prontamente teriam associado Ulithi à “Ilha de Gomes de Sequeira”, evitando assim décadas de desnecessárias polémicas. Muitos foram os candidatos ao posto, incluindo a ilha de Palau. Mas será que o problema da “montanha a oeste” se mostra intransponível? De modo algum. Como argumenta o professor William Lessa a questão é facilmente resolvida “se o ‘a oeste’ não for entendido como a parte ocidental da(s) ilha(s), mas uma ilha a oeste onde os portugueses tivessem permanecido ou se deslocado aí com frequência”. Em boa verdade, nenhum dos cronistas nos diz, de forma explícita, que essa montanha se encontrava no ilhéu onde se demoraram os portugueses, apenas nos falam de um “montanha ao oeste”.
Cerca de cem milhas separam Yap de Ulithi; dois lugares há muito unidos por laços políticos, económicos e culturais, graças às frequentes viagens entre ilhas. Ou seja, os ulithianos conhecem bem Yap e não tinham motivos para espalhar o boato de que lá haveria ouro. Se aceitarmos ser Ulithi a “Ilha de Gomes de Sequeira”, não nos é difícil deduzir que “a montanha a oeste” era, na realidade, as Filipinas, onde sabemos, pelos registos históricos, que voluntária ou involuntariamente os ulithianos estanciavam – em Samar, por exemplo –, e às vezes por longos períodos de tempo.
Utilizando a hospitalidade como um critério, Ulithi prontamente se qualifica para o ambicionado posto, pois, à excepção dos malfadados Juan Antonio Cantova e companheiros, todos os estrangeiros que ao longo dos anos a visitaram sempre louvaram a amabilidade dos seus habitantes. Também facilmente a qualificam as seguintes características, de resto, mencionadas por historiadores e cronistas: simplicidade no estilo de vida, aparência agradável, boa estatura física, ausência de doenças e a longevidade. Para além dos argumentos utilizados, outros tipos de evidências favorecem imensamente Ulithi como sendo a ilha marcada no mapa por Gomes de Sequeira, consequentemente eliminando todos os outros candidatos patrocinados por historiadores, geógrafos e antropólogos, como é o caso de Palau, considerada por Armando Cortesão, reputado cartógrafo e historiador, como a verdadeira “Ilha de Gomes de Sequeira”.
Como conclui Lessa, “o único aspecto que durante tanto tempo serviu de impedimento – a montanha a oeste da ilha – demonstra ter sido um obstáculo desnecessário, facilmente descartado se o confrontarmos com uma observação atenta de todos os registos, examinados sob todos os prismas possíveis”. Está assim encontrada a solução para um problema inquietante em torno de “uma descoberta obscura protagonizada pelos portugueses, que do oeste haviam entrado em pleno Pacífico cinco anos depois de Magalhães ter entrado pelo leste”, através do Estreito que ficaria com o seu nome. Tal conclusão ajudou a identificar “outras ilhas das Carolinas, cuja localização há muito estava envolta em controvérsia”.
Joaquim Magalhães de Castro