Missão e Martírio
A Argélia é a maior nação de África, na actualidade com uma área de 2,381,740 quilómetros quadrados. É o segundo maior país francófono do mundo, depois da França. É também uma nação esmagadoramente islâmica: numa população de 41 milhões de habitantes, 99 por cento destes são muçulmanos, maioritariamente sunitas, havendo uma minoria de duzentos mil ibaditas, no vale do M’Zab, em torno da cidade de Ghardaia, no centro do País. Mas é também uma das mais antigas regiões cristãs, tendo sido um dos viveiros intelectuais mais importantes e um dos focos irradiadores da nova fé, embora também de muitas heresias. Bastaria recordar que uma das maiores figuras de todos tempos do Cristianismo e da filosofia ocidental nasceu e morreu em território que hoje é Argélia: Santo Agostinho de Hipona (actual Annaba, antes Bône na colonização francesa e Hippo Regius na romanização). Ali morreu em 430, tendo nascido em 354 na antiga Thagasta, hoje Souk Ahras.
A maior parte da população é árabe-berbere, com menos de um por cento de origem europeia e alguns judeus remanescentes. O Árabe da Argélia é a língua oficial, a par do Berbere, com o Francês como língua franca, falado e entendido por cerca de metade da população. Um factor histórico importante para a existência de uma comunidade católica no País prende-se com a colonização francesa, que durou de 1830 a 1962, que se estribou fortemente na Igreja como apoio no processo de administração da colónia, uma extensão administrativa francesa, embora não tanto aplicável à maioria muçulmana. A violenta guerra de independência da Argélia (1954-1962), com ódio, morte e sofrimento de parte a parte, suscitou vinganças no País contra todas as marcas e resquícios da colonização francesa, tendo a Igreja, que ali ficou, numa situação nem sempre fácil, com alguns dos seus membros a conhecerem o martírio e as maiores tormentas.
CAMINHO NO SOFRIMENTO
A legislação na Argélia, em matéria religiosa, não deixa muito espaço de acção e liberdade à Igreja Católica, embora não seja dos piores países islâmicos em matéria de tolerância. Em 2016 foi promulgada uma lei a fixar as condições e regras de exercício de cultos não islâmicos no País. Plasma liberdade de culto, mas para os muçulmanos, pois apresenta restrições para os outros cultos, como a interdição de culto fora de edifícios ou espaços aprovados para o efeito, cuja afectação tem que ser autorizada previamente pelo Ministério dos Assuntos Religiosos. É difícil a autorização, mas possível, diga-se. O proselitismo é interdito, tendo todo aquele que quiser pregar ou anunciar a Palavra ter que ter uma autorização nesse sentido da parte da autoridade religiosa que o Estado determinar. A lei, por exemplo, prevê uma condenação de dois a cinco anos de prisão e uma multa pesada para todo aquele que use “meios de sedução tendentes a converter um muçulmano a outra religião” ou que “intente em afastar da fé um muçulmano”. Estas restrições têm gerado condenações a alguns sacerdotes em exercício pastoral no País, como sucedeu ao padre Wallez, em 2008, da diocese de Oran, por ter recitado uma simples oração (não uma missa) com católicos camaroneses a viver no País. Esteve um ano preso e pagou uma multa, porque não estava num lugar de culto autorizado. Refira-se que a maior parte da comunidade católica no País são estrangeiros, principalmente estrangeiros oriundos de ex-colónias francesas em África. Um médico argelino foi também condenado a dois anos de prisão por ter vendido a uma comunidade católica medicamentos para imigrantes africanos, “subtraídos” de um centro de saúde na sua região (centro esse destinado a muçulmanos…).
Longe vão os tempos em que os fiéis de Cristo eram a maior religião no Norte de África: no século V, por exemplo, ali existiram, até então, mais de setecentos bispos e fortes comunidades, com santos e alfobres intelectuais de grande nomeada. Depois veio a conquista islâmica a partir dos séculos VII e VIII, que avassalou quase por completo toda a região, no centro da qual está a Argélia actual. Foi imposta esta fé, quase sempre a troco de sobrevivência. E assim se transformou o Magrebe na base do que é hoje do ponto de vista religioso e cultural. Há um renascimento católico com a colonização francesa, esmagadoramente católica, que em 1962, data da descolonização, compreendia mais de um milhão de colonos (“pieds noirs”, ou “pés negros”, maioritariamente franceses, mas também italianos, espanhóis, alemães, suíços e malteses, além de judeus). Mas a Igreja não estava voltada para a missionação no seio de muçulmanos, pois as autoridades coloniais limitavam o acesso à fé católica aos muçulmanos. Divisões na cidadania como na religião, assim era a Argélia francesa.
Apesar da moderação do Islão argelino, as restrições continuam. Um sacerdote se for visitar uma comunidade de algumas famílias ou dezenas de fiéis, mas não exista uma igreja autorizada, não pode celebrar ou administrar sacramentos. Os vistos de entrada no País para sacerdotes são difíceis de obter, além de se confiscar toda a literatura católica na alfândega, principalmente a de origem francesa. No entanto, a Igreja cresce e até se fala em renascimento, com informações de que se dão em média seis conversões por dia, além de que já existem treze mil berberes argelinos (autóctones do País) convertidos, relatando-se a ocorrência de alguns pequenos povoados berberes em conversão. Muitos vêem aqui uma forma de oposição e reacção, refira-se. A missionação possível é feita, segundo alguns registos, por argelinos convertidos, embora com dificuldades. Em 2008, na cidade de Oran, seis argelinos foram presos por distribuir o Evangelho de forma pública.
Apesar das dificuldades, existem quatro circunscrições católicas, uma arquidiocese (Argel, província eclesiástica) e três dioceses, Oran, Constantine e Laghouat-Ghardaia, as três primeiras dependentes da Congregação para os Bispos (as duas dioceses sufragâneas de Argel) e a última da Congregação para a Evangelização dos Povos. Os dados sobre os efectivos das comunidades são falíveis, mas apontava-se, em 2016, que em Argel existiam mil e 500 fiéis, em treze paróquias, 47 sacerdotes (21 diocesanos e 24 religiosos) e 57 religiosas; em Constantine, mil e 500 católicos, em sete paróquias e duas missões, com onze sacerdotes (três diocesanos e oito religiosos) e vinte irmãs; em Oran, contam-se mil e 500 fiéis, em sete paróquias, com vinte sacerdotes (a maioria religiosos) e quarenta religiosas; a maior circunscrição é a de Laghouat-Ghardaia, em superfície (2,107,708 quilómetros quadrados) e fiéis, com mais de dois mil, assistidos por dezasseis sacerdotes (treze religiosos) e 36 religiosas, em dez paróquias.
A ONU contava, em 2002, cem mil católicos, mas o Ministério dos Assuntos Religiosos declarava onze mil cristãos, quase todos católicos. Existem onze comunidades religiosas masculinas e 26 femininas. A Argélia é uma das terras de missão que mais martírios conheceu no tempo recente: dezanove, dos quais os monges trapistas de Thibirine (1996) e o bispo de Oran, D. Pierre de Claverie, OP(1996). Estes dezanove mártires (doze religiosos, um bispo e seis religiosas) foram beatificados em 8 de Dezembro de 2018.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa