HUMANAE VITAE, CINQUENTA ANOS DEPOIS (4)

HUMANAE VITAE, CINQUENTA ANOS DEPOIS (4)

Regulação dos nascimentos

Após cinquenta anos da sua publicação (1968-2018), dois conjuntos de temas continuam em foco, no que à Encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI, diz respeito: 1– Paternidade responsável e regulação do nascimento; 2– Sobrepopulação e pobreza. Concentramo-nos na regulação do nascimento.

O acto sexual, prerrogativa dos casais, deve ser unitivo (fazer amor) e procriador (fazer vida). O aspecto unitivo do acto sexual significa a união natural entre marido e mulher quando têm sexo. A contracepção opõe-se ao aspecto procriador. Impede a concepção – o acto sexual não é procriador. É contra conceptivo (contracepção). O acto sexual contraceptivo não é aberto à vida, o que é uma dimensão da actuação sexual. A fertilização in vitro, por outro lado, opõe-se ao aspecto unitivo, pois a vida começa numa placa de Petri e envolve a “manipulação da procriação” (cf. Amoris Laetitia, 56). Escreve o Papa Francisco: “Sem união (…) na transmissão de vida não se pode assegurar o futuro da sociedade” (Amoris Laetitia, 52; cf. ibid. 42). O Papa acrescenta, com tristeza, na Encíclica Laudato si’(2015): “Em vez de resolver os problemas dos pobres e pensar em como o mundo pode ser diferente, alguns só propõem uma redução da taxa de natalidade” (Laudato si’, 50; cf. Amoris Laetitia, 83).

Recordemos que o Magistério da Igreja não é apenas contra a contracepção, mas também – e com mais veemência – contra “o flagelo do aborto” (Familiaris Consortio, 6): enquanto a contracepção é contra a virtude do Matrimónio, o aborto atenta contra a justiça e viola directamente o divino mandamento de “Não matarás”. Afirmou o Papa João Paulo II: “Certamente, do ponto de vista moral, a contracepção e o aborto são males especificamente diferentes: o primeiro contradiz a verdade completa do acto sexual como a expressão adequada do amor conjugal, enquanto este último destrói a vida de um ser humano” (Evangelium Vitae, 13). Alguns autores continuam a afirmar que a contracepção impede muitos abortos. Ora, a realidade é que “a contracepção, longe de tornar o aborto menos comum, encontra aí a sua extensão lógica” (Nova Carta para Trabalhadores de Cuidados de Saúde, n.os 19 e 63). Ambos são “frutos da mesma árvore”; ambos fazem parte de uma mentalidade contraceptiva e cultura hedonista [Evangelium Vitae, 52-55; cf. Gaudium et spes, 51; Congregação para a Doutrina da Fé – “Declaração sobre Aborto Adquirido” (1974); Congregação para a Doutrina da Fé – “Instrução Donum Vitae” (1987)].

No contexto do aborto e da contracepção, consideramos inovadora a explicação da Nova Carta para Trabalhadores de Cuidados de Saúde. Este documento debruça-se sobre métodos intraceptivos, tais como o dispositivo intra-uterino (DIU) e a pílula da manhã seguinte. São métodos intraceptores que “podem impedir a implantação do embrião no útero da mãe após a concepção” e métodos contragestativos que “causam a eliminação de um embrião já implantado” (Nova Carta para Trabalhadores de Cuidados de Saúde, 56). “Através de métodos contraceptivos, a união sexual é intencionalmente cortada de procriação: o acto é frustrado na abertura natural à vida. Na utilização de métodos contraceptivos, os cônjuges actuam como ‘árbitros’ do plano divino e manipulam e degradam a sexualidade humana” (Nova Carta para Trabalhadores de Cuidados de Saúde, 16).

O Papa Francisco a todos lembra que devemos “pensar no grande valor do embrião, desde o momento da concepção” (Amoris Laetitia, 168). Com profunda tristeza, acrescentamos que em Novembro de 2017 o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas declarou que o aborto é um direito humano fundamental. Bento XV disse algo que vale a pena deixar registado. Ao comentar o ensino da Humanae Vitae, a que ele chama “profética”, referiu: “[Paulo VI] estava convencido de que a sociedade se rouba das suas maiores esperanças quando mata seres humanos através do aborto. Quantas são crianças são mortas que poderiam um dia ter sido génios, que poderiam ter dado à humanidade algo de novo, que poderiam ter-nos dado um novo Mozart ou alguma nova descoberta científica? Precisamos de parar e pensar na grande capacidade humana que está a ser destruída – mesmo que seja bastante distinta do facto de as crianças, só por nascerem, serem humanas, cuja dignidade e direito à vida temos de proteger” (Luz do Mundo, 146).

Paulo VI falou da tolerância a um mal menor (cf. Humanae Vitae, 14) e João Paulo II (Familiaris Consortio, 34) de gradualismo na ética e na moral. O ensino está enraizado nas Sagradas Escrituras (Mc., 8, 22-26) e em São Tomás de Aquino (Suma Teológica I-II, 96, 2). Bento XVI (cf. Luz do Mundo) falou da aceitação excepcional da utilização imoral – objectiva – de preservativos para evitar o VIH-SIDA. Explicou o Papa Bento XVI: “Quando um prostituto usa preservativo, pode ser esse um primeiro passo na direcção duma moralização, de um primeiro pressuposto de responsabilidade, no caminho para recuperar a consciência de que nem tudo é permitido e que não se pode fazer o que se quer, mas não é realmente a forma de lidar com o mal do VIH” (Luz do Mundo).

Para o Papa Francisco, a lei da gradualidade demonstra que o ser humano “conhece, ama e cumpre o bem moral segundo diversas etapas de crescimento. Não é uma gradualidade da lei, mas uma gradualidade no exercício prudencial dos actos livres em sujeitos que não estão em condições de compreender, apreciar ou praticar plenamente as exigências objectivas da lei” (Amoris Laetitia, 295).

A Igreja Católica favorece a paternidade responsável e o Planeamento Familiar Natural (PFN) como meio moral para a sua prática: “Quando por meios

de recurso a períodos de infertilidade, o casal respeita a inseparável ligação entre os significados unitivo e procriador da sexualidade humana, estão a agir como ‘ministros’ do plano de Deus e ‘beneficiam’ da sua sexualidade de acordo com o dinamismo original da doação ‘total’, sem manipulação ou alteração” (Familiaris Consortio, 32). Ao praticar o Planeamento Familiar Natural, a actuação sexual entre marido e mulher não é um acto contraceptivo, mas um acto “naturalmente infértil”. Meios artificiais de controlo da natalidade – contracepção (química: pílula; cirúrgica: ligadura de trompas ou vasectomia) – são considerados objectivamente imorais por não respeitarem a união entre os aspectos unitivos e procriadores do acto sexual, e por não serem abertos à transmissão da vida. “A opção pelos ritmos naturais envolve aceitar o ciclo da pessoa – ou seja, a mulher –, aceitando assim o diálogo, o respeito recíproco, a responsabilidade mútua e o controlo” (Evangelium Vitae, 43).

O Magistério continua a proclamar a mensagem positiva da paternidade responsável. Decisões relacionadas com a paternidade-maternidade responsável, a serem tomadas pelos pais, pressupõe apenas a formação da consciência: “As decisões que envolvem a paternidade responsável pressupõem a formação da consciência, que é o núcleo e o santuário mais secreto de uma pessoa. Cada um deles está sozinho com Deus, cuja voz ecoa nas profundezas do coração” (Amoris Laetitia, 222).

Uma nota final importante: quando a procriação não é possível, a vida conjugal continua a ter significado. A esterilidade física dá aos casais inférteis uma oportunidade de servir de outras formas: actividades educativas, assistência a famílias necessitadas e pobres, e adopção (cf. Familiaris Consortio, 14).

Pe. Fausto Gomez, OP

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