Igreja Católica com trabalho reconhecido
Decorreu na capital do Camboja, Phnom Penh, no final do mês de Setembro, o 6.º Fórum Nacional Inter-religioso Contra o Tráfico Humano, iniciativa que pretende unir as diversas forças do País no combate a esse terrível fenómeno. “Não use o Camboja como destino do tráfico humano” foi o mote central desse encontro que contou com a presença do Primeiro-Ministro cambojano, Hun Sen, e, em representação da Igreja Católica, o bispo D. Enrique Figaredo Alvargonzález. Prefeito Apostólico da cidade de Battambang, D. Enrique tem dedicado a sua vida a ajudar as pessoas mutiladas pelas minas terrestres e coopera activamente com a Campanha Internacional para Banir as Minas Terrestres, entidade que recebeu o Prémio Nobel da Paz de 1997.
Como salienta a agência noticiosa FIDES, “a harmonia religiosa como forma de promoção do bem-estar individual e da segurança social, bem como o reforço do espírito de unidade para combater fenómenos criminosos, como é o caso do tráfico de seres humanos”, é uma das grandes apostas das autoridades cambojanas. Daí o apelo a uma “colaboração frutuosa e plena” entre a Igreja Católica e demais comunidades religiosas, urgência essa, aliás, reiterada pelos sacerdotes, religiosas e leigos católicos que participaram na mencionada conferência, ao lado de monges budistas e membros de outras confissões. Foi tal o êxito da iniciativa que o Governo cambojano decidiu fixar, a partir de 2023, todos os 20 de Agosto como dias do Fórum Nacional Inter-religioso Contra o Tráfico Humano, “instando as comunidades religiosas a reunirem-se nas províncias, distritos, cidades ou aldeias para reunir recursos e oferecer cooperação, avaliando linhas de acção e resultados comuns”.
O fenómeno do tráfico de pessoas está bem presente no Camboja, tem crescido substancialmente nos últimos anos e estende-se a países vizinhos como a Tailândia, Indonésia, China e Taiwan. É particularmente grave, por exemplo, o problema do turismo sexual infantil, com crianças frequentemente mantidas em cativeiro, espancadas e forçadas à prostituição. Segundo a UNICEF, mais de 35 por cento das quinze mil prostitutas do Camboja tem menos de dezasseis anos de idade.
Prova do excelente relacionamento inter-religioso foi a homenagem prestado no passado mês de Maio, pelos líderes budistas do Camboja, a um bispo da Sociedade de Missões Estrangeiras de Paris. D. Olivier Schmitthaeusler, vigário apostólico de Phnom Penh, foi reconhecido como “grande apoiante budista” pela ajuda que tem prestado às comunidades locais. Seng Somony, secretário e porta-voz do Ministério de Cultos e Religiões, presenteou-o com um certificado de honra emitido pelo Conselho Budista Supremo do País. Mais recentemente, no dia 1 de Outubro, por ocasião da Festa da Santa Teresa de Lisieux, Padroeira das Missões, D. Olivier Schmitthaeusler – no decorrer de uma Eucaristia celebrada em honra do novo Prefeito Apostólico de Kampong Cham, D. Pierre Suon Hangly – deu graças a Deus pela nomeação deste primeiro bispo indígena do Camboja, poucos meses depois da ordenação de mais um padre local. «É uma alegria ver a Igreja local crescer de novo», disse.
Lembre-se que na década de 1950 a Santa Sé estimava existirem no Camboja cerca de 120 mil católicos, muitos deles luso-descendentes. Conhecidas eram as famílias “Dias” e “Monteiro”, que desempenharam papéis importantes na sociedade cambojana do Século XIX. Constantine Monteiro, numa viagem oficial a Singapura em 1850, escreveu um artigo sobre o Camboja intitulado “Notas para Acompanhar o Mapa do Camboja”, que seria publicado na revista “Arquipélago Indiano e Índia Oriental” em 1851. Outro português, Col de Monteiro (1839-1908) tornou-se secretário do rei Norodom e ministro da Marinha. Alguns dos seus descendentes serviram como ministros durante o Governo do príncipe Sihanouk. Porém, com a chegada ao poder do regime genocida do Khmer Vermelho e a longa guerra civil que se seguiu, a comunidade católica foi praticamente dizimada e só na década de 1990, com o fim do conflito e o regresso dos missionários, a Igreja renasceria das cinzas.
Hoje, os cristãos representam menos de um por cento dos dezassete milhões de pessoas no Camboja – cerca de vinte mil católicos vivem em três jurisdições da Igreja. Alguns descendentes da família Monteiro vivem ainda no Camboja, mas a maioria espalhou-se pelo mundo, escapando assim à sanha assassina do Khmer Vermelho.
Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Camboja e aí fazer trabalho missionário. O dominicano Frei Gaspar da Cruz tentou em 1556 converter cambojanos ao Cristianismo, infelizmente sem sucesso. O frade capuchino António da Madalena foi o primeiro europeu a visitar das ruínas de Angkor, em 1586, e delas dar conta ao mundo. Durante esse período, foram muitos os portugueses que no Camboja viveram. Como comerciantes, aventureiros ou missionários, enfrentando sempre forte resistência dos comerciantes chineses locais e dos devotos budistas cambojanos. Muitos deles viriam a ser massacrados.
Joaquim Magalhães de Castro
LEGENDA:D. Enrique Figaredo e um monge budista, em Phnom Penh (Camboja).
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