Diplomacia Económica e Investigação

As difíceis barreiras a transpôr.

1. É já um lugar comum dizer-se que as relações culturais abrem oportunidades para os negócios. Em Manila, por exemplo, num dos melhores centros comerciais, abriu em tempos uma loja da Vista Alegre na sequência da organização de uma semana cultural portuguesa – lovável iniciativa da embaixada lusa – que ficou marcada pela música, a gastronomia e o teatro. Aí se ouviu num mesmo palco, uma banda da Guiné, outra do Tugu (Jacarta) e uma terceira do Brasil, e o público filipino, muito naturalmente, aderiu, pois, como o restante público asiático, gosta do que é diferente e de imediato compreende a mensagem. Também já há uma dezena e meia de anos a embaixada da Indonésia levou ao Centro Cultural de Belém um grupo de teatro wayang (teatro de máscaras) e a lotação esgotou. Algo impossível de obter por mais conferências que se organizassem sobre a presença histórica cultural portuguesa na Indonésia que, como se sabe, é vasta e abarca vários domínios, da gastronomia ao léxico, da música à arquitectura.

Se os decisores políticos portugueses quiserem ter presença política e presença económica na Ásia devem fazer este género de coisas, pois o terreno está preparado: há muito que existe em Portugal (como de resto em todo o mundo ocidental) uma espécie de “orientalismo popular”. Multiplicaram-se os restaurantes chineses e japoneses e até os hipermercados organizam já semanas temáticas inspiradas em países mais ou menos exóticos. Basta que haja uma forte componente de divulgação dessas actividades comerciais, associando-as a inicitivas de cariz cultural e histórico, para se chegar, com toda a naturalidade, à população. Assim, o problema não reside na ignorância das pessoas, mas sim no facto dos decisores não criarem os mecanismos necessários para uma eficiante divulgação.

2. Por mais paradoxal que possa parecer, Timor, por exemplo, é o país onde a presença histórico-cultural portuguesa está menos estudada. Existe pouca investigação científica, embora haja muito ensaísmo e trabalhos fotográficos. Dá impressão que conhecemos muito bem Timor, mas não é verdade. Nos arredores de Díli há uma comunidade, a dita “comunidade de Bidau”, que até há poucos anos falava um crioulo semelhante ao patuá de Macau. Esse crioulo era património desses “moradores de Bidau”, ou seja, soldados e oficiais voluntários originários da antiga capital, Lifau, e dos estabelecimentos lusitanos das ilhas das Flores, Solor e Adonara, que aí se instalaram com as suas famílias. Afirmavam-se como descendentes de náufragos do século XVI. Certa ocasião, ao ser questionado sobre a situação geográfica de Portugal, o chefe dessa comunidade respondeu: «Portugal fica na África, entre Angola e Moçambique». Uma vez esclarecido o equívoco, virou-se para os companheiros, trocou algumas impressões com eles e acabou por dizer esta frase espantosa: «Portugal fica no céu!».

Actualmente, apenas alguns timorenses reconhecem a existência desse crioulo que identificam como uma «variedade mal falada de Português».

Como me disse um dia o professor Ivo Carneiro de Sousa, «a nossa relação com Timor é uma relação quase mística», pois «Timor serviu para fazer a catarse do império, da descolonização, e os timorenses acham que Portugal é uma espécie de santo que lhe vai pagar todas as patifarias. Por mais coisas que façam, Portugal há-de sempre protegê-los». Mas os países não se constroem com paternalismos e ajuda internacional, mas com ideias nacionais, com debate político.

Pensa-se que em Timor se fala abundantemente Português, mas isso não corresponde à realidade. Não só se fala pouco, como os vestígios históricos são escassíssimos. Estão bem mais presentes na vizinha ilha das Flores. E isto, apesar de termos historiadores que acabaram doutoramentos sobre Timor e apesar de termos timorenses a estudar em Portugal. Na verdade, conhece-se mal Timor e conhecer mal é o primeiro passo para fazer asneiras.

São já useiros e vezeiros os problemas com que se debatem os investigadores no Sudeste Asiático. Primeiro, a falta de financiamento. Segundo, o acesso às matérias documentais e até mesmo às populações. Nem sempre a obtenção de autorizações é fácil, nem sempre os arquivos estão organizados.

Financiamento e o conseguir integrar o espaço na estratégia da investigação (o que implica percorrer o espaço, as populações e os documentos desse espaço) são as barreiras mais difíceis de transpôr. Exceptuando Singapura, os arquivos no Sudeste Asiático estão muito desorganizados. Se o investigador não dominar a língua local, esse acesso só se faz através de intermediários, o que diminui enormemente a qualidade de investigação.

Na Birmânia, onde existe todo um manancial de documentos, a situação é ainda mais complicada. «Há ano e meio», recorda Carneiro de Sousa, «um colega nosso, antropólogo, tentou obter autorização para trabalhar com documentação local e as autoridades recusaram».

Arquivos e documentos são vistos como poderes fundamentais e «esse poder não se abre assim ao estrangeiro». Mesmo em Timor essa realidade é flagrante no que se refere aos arquivos da resistência de 1974 e 1975, como é óbvio, pois isso poderia comprometer muita gente actualmente no poder.

Joaquim Magalhães de Castro

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