Devo confessar-me se não sinto arrependimento?
Desde crianças que nos ensinaram a ter arrependimento. Quando dizíamos uma mentira, a ameaça era uma colher de pimenta de que as nossas mães se serviam para não voltarmos a mentir. Nos primeiros anos da escola, ao cometermos um erro ortográfico, lá vinha o terrível castigo de corrigir o erro escrevendo essa palavra dezenas de vezes. Quando uma conta estava errada, o professor de Matemática obrigava-nos a escrever várias vezes a mesma equação. Quando no supermercado “surripiávamos” uma caixinha de chocolates, logo a mãe obrigava a repor o que se tinha tirado. Tudo isto eram provas de arrependimento a que os pais em casa ou os professores na escola nos ensinavam. Estas foram as múltiplas formas de arrependimento que nos deram a noção perante os erros que eventualmente se podem cometer e que precisam de um propósito de emenda. Na nossa relação com Deus, o arrependimento, perante um erro que cometemos ou o pecado que fazemos, é-nos exigido também.
No Catecismo aprende-se que perante um pecado se torna necessário o arrependimento. O arrependimento tem três dimensões: a primeira, o compromisso de não voltar a pecar; a segunda, retificar o mal cometido com a reparação de todos aqueles que eventualmente tenham sido atingidos por esse mal; a terceira, ter a humildade de recorrer a um acto de penitência pelo mal que se cometeu. É esta a condição do arrependimento que é necessário para a garantia do perdão de Deus. Agora, o perdão de Deus é incomensurável. Deus perdoa tudo. O que é necessário é essa razão de arrependimento.
O Papa Francisco, ao falar do sacramento da Reconciliação, diz uma coisa muito bonita: “Aos sacerdotes, lembro que o confessionário não deve ser uma câmara de tortura, mas o lugar da misericórdia do Senhor” e a Eucaristia “não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Evangelii Gaudium, 47). Por isso, o sacramento da Reconciliação é um extraordinário acto de amor de Deus. De um Deus que é misericordioso e que tem uma extraordinária capacidade de amar. Por isso, a oração dos filhos de Deus reza assim: “Perdoai-nos, Senhor, as nossas ofensas, como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”.
Ao longo de toda a vida todos cometemos muitos pecados. E, afinal, o que é o pecado? Pecado é tão somente pôr o nosso próprio “eu” à frente dos outros e até à frente de Deus. O egocentrismo acaba por ser o único pecado. O pecado do ser humano é sempre o mesmo e resume-se a três atitudes: ter, poder e prazer, e tudo isto faz mal aos outros e contraria o projecto de Deus. O próprio Papa Francisco, quando lhe perguntaram como se definia, respondeu: como um grande pecador. Cada um de nós, apesar de grande pecador, deve ter uma grande confiança em Deus, porque Deus-misericórdia é amor.
Monsenhor Feytor Pinto
Antigo sacerdote da paróquia do Campo Grande, em Lisboa. Faleceu no passado dia 6 de Outubro.
In Família Cristã