PENSAR O FUTURO DA IGREJA

PENSAR O FUTURO DA IGREJA

Um Sínodo aberto a todos

Começou em Roma, com o Papa. Depois, em cada diocese no mundo, no mesmo dia. Um Sínodo que tem a ambição de ouvir todo o Povo de Deus, mas não só, numa proposta de experiência de sinodalidade que o Papa Francisco lançou a toda a Igreja e ao mundo. São alguns os que criticam, e outros os que temem cismas e divisões. Mas o Sínodo está mesmo realizar-se.

Quando, em 2023, se reunir a assembleia dos bispos, em Sínodo, em Roma, concluindo um trabalho de dois anos que se iniciou a 9 de Outubro, o Papa Francisco será o segundo Papa mais velho em funções, só ultrapassado pelo Papa Leão XIII. Mas isso será apenas um dos muitos pontos de novidade, e talvez o menos significativo. O maior será mesmo ver a conclusão de um processo que, não sendo inédito na Igreja, é original na forma como está a ser realizado.

Os sínodos são um instrumento ao dispor da Igreja e têm sido utilizados ao longo da sua história como forma de reflectir sobre algum assunto específico, para o qual fosse preciso consultar a Igreja na sua universalidade, e não apenas a Cúria no Vaticano. Nunca, no entanto, se tinha feito um Sínodo para pensar precisamente sobre a forma como se tem concretizado a sinodalidade na Igreja, e com uma consulta tão abrangente a todas as pessoas, envolvidas na Igreja ou até afastadas desta realidade. «É preciso encontrar uma maneira de tomar decisões na Igreja em que os cristãos estejam verdadeiramente envolvidos, a fim de se poder caminhar», refere o cardeal D. Jean-Claude Höllerich, do Luxemburgo, nomeado pelo Papa relator do Sínodo, em entrevista à FAMÍLIA CRISTÃ, acrescentando que «uma tal sinodalidade será contra todos os extremismos eclesiológicos, quer da direita quer da esquerda», contribuindo para uma maior unidade.

Esta consulta será, desde já, o primeiro passo neste Sínodo que decorre até Outubro de 2023. A Secretaria Geral do Sínodo elaborou um Documento Preparatório, que deverá orientar os trabalhos sinodais que tiveram início a partir de 17 de Outubro, data em que o Sínodo arrancou em todas as dioceses do mundo.

Para guiar as dioceses neste processo, foi também enviado um vade-mécum, uma espécie de guia de boas práticas, que visa “preparar e reunir o Povo de Deus para que possa dar voz à sua experiência na Igreja local”. “Nós encorajamos a tirar ideias úteis deste guia, mas também a olharem para as suas realidades locais como ponto de partida. Podem ser encontrados caminhos novos e criativos para trabalhar juntos entre paróquias e dioceses, a fim de levar este processo sinodal a bom porto”, pode ler-se no documento de apoio.

Para que estes trabalhos sejam levados a bom porto, a Secretaria Geral do Sínodo indica que cada diocese nomeie uma pessoa, que deverá coordenar todo o processo de recolha das opiniões e reflexões de todos e servir de ligação com a secretaria do Sínodo em Roma.

Em Portugal, a expectativa para este Sínodo é «boa». O padre Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), fala à FAMÍLIA CRISTÃde um «acolhimento da iniciativa com boa expectativa, no sentido de que é uma forma de a Igreja se renovar, não só em si mesma, nos seus espaços, mas também na abertura e inserção na sociedade, numa linha de evangelização», refere.

A forma como a consulta será feita a todos não foi definida pela Secretaria Geral. «Isso parte de cada diocese, que já nomeou ou vai nomear uma equipa sinodal para trabalhar nesse sentido. O vade-mécum pede que todos sejam envolvidos, e que se tenha em atenção aos que normalmente não contribuem. Não é uma mera reunião que se vai fazer aqui e ali, mas é um conjunto de encontros, até informais, num café ou numa peregrinação, tem essa envolvência de atingir a todos, não só os grupos instituídos», indica o porta-voz da CEP.

A IMPORTÂNCIA DA ORAÇÃO

Outro pedido é que as reflexões sejam sempre feitas em clima de oração. Por isso, o Papa determinou que, depois da inauguração oficial em Roma, a 10 de Outubro, todos os bispos do mundo, nas suas dioceses, dessem início à fase diocesana do Sínodo também com uma celebração presidida por cada um nas suas dioceses a 17 de Outubro.

O Documento Preparatório estabelece as linhas de orientação para a fase diocesana do Sínodo dos Bispos sobre a Sinodalidade, onde se pretende concretizar a “primeira fase de escuta e consulta do Povo de Deus nas Igrejas particulares”, num itinerário que deverá terminar em Abril de 2022, com a realização de um encontro pré-sinodal em cada diocese e a elaboração de uma síntese das reflexões realizadas a nível local, no máximo com dez páginas, que depois servirá para as Conferências Episcopais realizarem a sua síntese, a partir da qual se escreverá o Instrumentum Laborispara a reunião magna dos bispos, em Outubro de 2023.

Em Portugal, a CEP pediu às dioceses que concluam este processo até final de Março, para que, em Abril, a Assembleia Plenária dos Bispos possa reflectir sobre os contributos de cada diocese e daí elaborar a síntese que seguirá para a Secretaria Geral do Sínodo. O porta-voz da CEP indicou que, como o documento «não especifica» como deve ser feita a elaboração da síntese ao nível da Conferência Episcopal, ainda estão a ponderar «a forma de o fazer, se será só com os bispos, se pode ser com membros das dioceses, leigos, sacerdotes… Mas ainda temos tempo para organizar isso, as dioceses é que se têm de preparar para já».

Certo é que o processo ao nível das dioceses arrancou a 17 de Outubro. Apesar de não ter questões directas e fechadas, o Documento Preparatório estabelece dez núcleos temáticos a aprofundar, para ajudar a fazer emergir as experiências e contribuir de maneira mais rica para a consulta, que abordam «diferentes aspectos da “sinodalidade vivida”».

Os núcleos abordam questões como a forma como a Igreja escuta os jovens e as mulheres, ou saber quem faz efectivamente parte da Igreja local, como são as relações com as dioceses vizinhas, ou ainda como é a presença da Igreja local na sociedade e a sua participação.

Para esta consulta, os responsáveis do Vaticano pedem “criatividade” e que se utilizem, nos países onde tal já aconteceu, experiências sinodais locais passadas, a fim de conseguir envolver o máximo de pessoas possíveis.

O objectivo, reafirmam os responsáveis da Secretaria Geral do Sínodo, não é “produzir documentos, mas fazer germinar sonhos, suscitar profecias e visões, fazer florescer a esperança, estimular confiança, faixar feridas, entrançar relações, ressuscitar uma aurora de esperança, aprender uns dos outros e criar um imaginário positivo que ilumine as mentes, aqueça os corações, restitua força às mãos”.

Para o relator geral do Sínodo, este é o momento de a Igreja definir como vai «atravessar os tempos». «Encontramo-nos numa mudança de civilização muito grande, nos inícios de uma nova era de informática, etc., e isto só agora começou. E toda a nossa maneira de pensar, de sentir, de reagir tem que mudar; não podemos aparecer como estranhos», pede o prelado.

D. Jean-Claude Höllerich refere ainda que, «até agora, na história da Igreja, todas as mudanças foram bastante lentas, e a Igreja, com as suas estruturas, tinha todo o tempo para se adaptar ao mundo novo. Mas agora as mudanças são muito mais rápidas, e há como que uma falta de unidade na Igreja: uns reagem à esquerda, outros à direita, uns avançam mais depressa, outros recuam, etc.; numa palavra, a autoridade já não é aceite», e isto deve mudar, considera o relator geral do Sínodo, acrescentando que «agora temos um mundo para progredir em caridade, ou seja, convidar cada um e todos a marcharem connosco, e isto não é uma questão de política do sínodo, nem é uma política da Igreja, é a forma de Deus estar no mundo».

CAIXA

A importância das mulheres

São várias as temáticas em cima da mesa, mas aquela que tem chamado mais a atenção tem sido a do papel das mulheres nos sínodos, já que a sua participação tem sido diminuta e não têm poder de voto nesta instância, o que tem levantado várias questões, mesmo quando a Igreja surge a defender um papel de protagonismo para a mulher na sociedade.

Também aqui o Papa Francisco tem inovado, pelo que se esperam ainda mais alterações antes da reunião final, em Outubro de 2023. Pela primeira vez, o Papa nomeou uma mulher, a Irmã Nathalie Becquart, para subsecretária do Sínodo dos Bispos, e aumentou de forma significativa as nomeações femininas nas várias comissões preparatórias do Sínodo, sendo que até na conferência de Imprensa de apresentação do Sínodo em Roma a mesa de oradores apresentava duas mulheres e três homens. «Penso que é muito importante para a Igreja mostrar que as mulheres têm um lugar na Igreja. Esta não é já uma questão a discutir, mas é uma coisa normal. Porque se partirmos do Baptismo, não vejo que o Baptismo dos homens seja mais importante que o Baptismo das mulheres, é evidente», considerou o cardeal Höllerich.

A Irmã Nathalie Becquart referiu na mesma conferência de Imprensa que espera que as mulheres «possam ser ouvidas e ser também protagonistas deste processo sinodal desde o início». Não ficou claro ainda se passarão a ter direito de voto na aula sinodal, mas não seria de espantar que até lá o Papa Francisco introduza alterações nesse sentido, com o aumento da presença feminina nas comissões preparatórias, que terão um impacto directo nos trabalhos sinodais que culminarão em Outubro de 2023, com a reunião em Roma de representantes da Igreja de todo o mundo.

RICARDO PERNA 

In Família Cristã

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