CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXIV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXIV

O sedevacantismo – II

Para lá da intuição, existe a instituição, que materializa e pragmatiza a primeira, torna-a perdurável, ainda que nem sempre de acordo com as origens. Também nos movimentos críticos ou tendencialmente cismáticos encontramos esta tendência, não sendo excepção o sedevacantismo. Começou por ser uma ideia, um conjunto de críticas, que se corporizaram numa tendência. Depois instituiu-se como um grupo, ou um conjunto de grupos. Qual é então a origem dos principais grupos ditos sedevacantistas?

É muito variada, provém de intuições comuns, dir-se-ia, que se conjugam na designação comum do sedevacantismo. Em Ecône, na Suíça, na sede do grupo dissidente em torno de monsenhor Lefebvre existiam três tendências entre os seminaristas. Uma que era a dos que o seguiam fielmente. Outra era a dos que procuravam um reconhecimento oficial para a resistência, que queriam, portanto, manter-se tradicionalistas mas integrados na Igreja sem problemas. Havia depois uma terceira tendência, a dos que rejeitavam tudo o que tivesse relação com o que acreditavam ser modernismo. Eram radicais, não contemplavam qualquer ligação ao que tivesse a mínima ligação à Igreja conciliar. Mas tudo teve que tomar um rumo em Ecône.

No começo da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) essas tendências conviveram sobre a mesma estrutura e na unidade possível. Mas as tendências deram lugar a grupos. Da primeira delas, surgiu o grupo que daria origem à actual FSSPX e comunidades satélites ou incorporadas. A segunda tendência derivou no que se tornaria a Fraternidade de São Pedro e similares. Depois, da terceira, surgiu o grupo dos sedevacantistas.

Divisões e questões

Uma das divisões no sedevacantismo é o chamado Conclavismo, que é uma posição teológica do Catolicismo Tradicionalista, a qual reivindica a possibilidade de um grupo, agindo ou propondo agir no lugar do Colégio dos Cardeais, poder eleger um “papa”. Esta reivindicação está associada ao sedevacantismo, pois também defende que o Papa em exercício não é um Papa verdadeiro mas herético. Os conclavistas, estribados no sedevacantismo, consideram deste modo que a “fé remanescente da Igreja Católica”, que é a “verdadeira”, a da Tradição e que não reconhece o Vaticano II, tem o direito de eleger um pontífice verdadeiro. A designação deriva da palavra “Conclave”, a reunião magna de cardeais convocados para a eleição do Bispo de Roma (o Papa), quando a sede romana está vacante. Daqui se derivou, por parte de alguns conclavistas mais visionários, para um fenómeno idêntico, em que a escolha do “papa” é feita com base em supostos fenómenos místicos ou cai numa pessoa com revelações sobrenaturais. Os conclavistas não são, pois, mais do que o grupo de sedevacantistas que decidiram eleger “papas” em razão da vacância da sede romana, algo que consideram que provém da essência da Igreja e da vontade e de Jesus Cristo de ter sucessores na Cátedra de São Pedro.

Todavia, os sedevacantistas conclavistas afirmam que hoje em dia não existem verdadeiros cardeais, dos quais se poderia eleger o Papa, pois, para todos os efeitos, defendem que o verdadeiro Colégio Cardinalício se extinguiu com o Concílio Vaticano II. Pelo que consideram que os católicos que professam a verdadeira fé, a Tradição – ou seja, os que refutam o Concílio Vaticano II – poderão e devem tomar sobre si mesmos a responsabilidade de eleger um “papa”!

A partir dos anos 70 do século XX, eis que em diversas partes do mundo católicos que se julgavam a si próprios incluídos nesse grupo e que principalmente consideravam que a Cátedra de São Pedro estava vacante (e continuam a achar) começaram a eleger “papas” para a Igreja Católica. E temos alguns exemplos, mais recentes, de uma lista que é bem maior, de “papas” assim eleitos: o “papa” Miguel (ou Michael), eleito em 1990, no Kansas (Estados Unidos), de seu nome no século David Bawden. O conclave para a eleição papal pode-se dizer que não foi muito concorrido, pois só seis pessoas tomaram parte no mesmo e na eleição, portanto. Entre eles, estava Bawden e os seus pais! Acresce a esta eleição tão curiosa o facto de que Bawden não era sacerdote sequer, além de que, do ponto de vista eclesiástico, apenas tinha frequentado o Seminário da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, sem conclusão ou resultados conhecidos. Ao que parece, Miguel I ainda continua “papa”, neste ano de 2019…

Em 1994, foi eleito outro “papa”, de seu nome Lino II, num conclave, com doze pessoas apenas, reunido em Assis (Itália). Lino II é também um ex-seminarista da FSSPX, sul-africano, de nome Victor von Pentz, então com 41 anos. Quis Lino manter-se anónimo, incognitamente sem anunciar a sua eleição, tendo ficado vários anos totalmente incomunicável, o que fez com que os seus eleitores se afastassem dele. Renunciaria depois ao cargo. E temos depois Pio XIII, eleito em 1998, em conclave reunido em Washington DC (Estados Unidos), que elegeu o padre Lucian Pulvermacher como cabeça da proclamada “Verdadeira Igreja Católica” (“True Catholic Church”), na qual serviu como presbítero independente. Até quando foi “papa”, não se sabe. Depois apareceu o “papa” Leão XIV, argentino, em 2006, eleito por um conclave com 34 participantes. Oscar Michaelli, de seu nome secular, faleceria em 2007, tendo sido sucedido por Inocêncio XIV, de seu nome Juan Bautista Bonetti, também argentino, que renunciaria alguns meses mais tarde. E a este sucederia Alexandre X, ou Alejandro Tomás Greco. Como dizíamos, a lista é longa.

Outra divisão dentro dos sedevacantistas mas distintos do conclavismo são os designados “papas”, literalmente, ou misticistas, que reclamam o Papado como derivando de alegadas revelações divinas ou aparições. Ou seja, os Papas são seres iluminados por algo transcendente e para o efeito do Papado, sem haver necessidade de conclave no “processo” papal. Antes do Concílio já tinha surgido esta corrente, em 1950, quando Michel Collin (1905-1974), reclamou o Papado com base em revelações, assumindo o nome de Clemente XV. A sua seita sobrevive ainda, embora dividida em facções.

Em meados da década de 1970, quando o pioneiro sedevacantista, padre Joaquín Sáenz y Arriaga, do México, defendeu a realização de uma eleição papal, e alguns outros católicos tradicionalistas discutiram a ideia nos anos seguintes, abriu-se, pois, a caixa de Pandora. O conclavismo tornou-se um movimento real na década de 1990. E não faltam casos de estudo dentro deste fenómeno….

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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