Os Mórmons – III
Como tantos movimentos religiosos, dissidentes ou de ruptura, contestatários ou de “renewal”, nem sempre os começos são promissores, ou sequer bons. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias não foge a essa tendência, mas não foi por isso que o rebento não despontou.
Na cronologia que entendemos ser importante para percebermos os pródromos desta denominação cristã, ficámos num casamento, entre Joseph Smith e Emma Hale, a que se seguiu a perda do original d’O Livro de Mórmon, ditado pelo noivo. Entretanto o livro perdera-se, na posse de Harris… Estávamos na Primavera de 1828. Apesar da perda, o jovem casal Smith recebeu uma dádiva, com o nascimento, a 15 de Junho, de um filho, que logo chamaram de Alvin, como o falecido irmão mais velho de Joseph. Porém, morreu no mesmo dia. Recorde-se desde já que de todos os filhos que o casal gerara, onze, apenas cinco sobreviveram à infância. Depois deste evento triste, as atenções regressariam ao referido livro. Mas as semanas passaram, sem uma palavra de Harris, Joseph rumou a Palmyra, vindo a descobrir a terrível perda. Implorando por perdão, Harris foi visitado por um anjo, que levou as placas de ouro por um tempo como punição pela indiscrição de Smith.
A 22 de Setembro, no entanto, Smith recebeu de novo as placas de ouro, bem como o dispositivo de interpretação de volta. Renascia o labor em torno do livro, perante o perdão divino.
O CAMINHO DO LIVRO
Em 1829, a 5 de Abril, junta-se um novo elemento a esta história. Trata-se do jovem mestre-escola Oliver Cowdery, que chegou a Harmony. Oliver tornou-se como que num escriba, para Smith, enquanto este retomara a tradução das placas de ouro. Joseph lia e traduzia, Oliver escrevia de acordo com a recitação. Os dois homens terminariam em Junho este projecto de tradução e escrita.
Antes, porém, a 15 de Maio, em plena tradução, Cowdery e Smith foram para a floresta para orar. Foram então visitados por São João Baptista, que lhe conferiu o sacerdócio de Aarão (irmão de Moisés e primeiro sacerdote). Esta ordenação foi um evento especialmente importante na história da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (doravante, denominaremos de IJCSUD), uma vez que precede o que os Mórmons consideram ser a “restauração da Igreja”. São João Baptista, o Precursor (por preceder Jesus), alertara ainda os dois jovens de que o sacerdócio de Melquisedeque (outra figura vetero-testamentária, do ciclo de Abraão) também seria restaurado e que quando assim fosse dar-lhes-ia poder para “a imposição das mãos no dom do Espírito Santo”, ou seja, para ordenarem outros sacerdotes. Em antecipação à instituição da futura “Igreja de Cristo”, São João Baptista anunciou que Smith seria “o primeiro ancião da Igreja” e Cowdery o segundo. De seguida, os dois homens baptizaram-se um ao outro no rio Susquehanna.
A tradução, manuscrita, ficou pronta em Junho, tendo sido completada na quinta de Peter Whitmer em Fayette, no Estado de Nova Iorque; Smith recebeu o título de autor do Livro de Mórmon. Onze Testemunhas assinariam depois declarações em como viram as placas de ouro da qual o Livro de Mórmon foi traduzido; três deles, incluindo Harris e Cowdery, afirmaram ainda que chegaram mesmo a ver um anjo com as ditas placas. Para o grupo, estava atestada a autoria e sacralidade do texto, o que o estribava como fundamento de fé para os Mórmons, para sempre. Em Agosto, Smith encontraria uma editora para o Livro de Mórmon, em Palmyra, dando-se início à impressão. As primeiras cinco mil cópias foram financiadas por uma hipoteca da quinta dos Harris, no valor de três mil dólares. Era como que o ressarcimento pela perda do primeiro manuscrito.
O livro veio antes da fé, ou da sua sistematização teológica; não o contrário, por inspiração (na fé). Com efeito, em 26 de Março de 1830, o Livro de Mórmon era publicado, vendendo-se cada cópia por 1,25 dólares.
Do outro lado desta história dos primórdios dos Mórmons, Brigham Young, um metodista praticante, que se mudara para uma área perto de Palmyra com a sua mulher, leria o livro logo após a publicação, vindo a ser baptizado como mórmon dois anos depois, dada a sua adesão à fé que entendeu que se irradiava do texto. Em Junho desse ano, Smith seria preso, acusado de “ser uma pessoa desordeira” pela sua pregação, mas acabaria absolvido. Foi a primeira experiência de confrontação dos pregadores mórmons na sociedade americana.
Antes, a 6 de Abril de 1830, deu-se a primeira reunião da IJCSUD como instituição, realizada na propriedade dos Whitmer, tendo juntado cerca de cinquenta pessoas. Smith e Cowdery foram então ordenados “élderes”; Smith também passaria a ser conhecido como “profeta”. Os primeiros quatro missionários Mórmons (incluindo Cowdery) rumariam para o Oeste em Outubro de 1830. Um Élder (no plural élderes; ancião, ou presbítero, em Inglês) é uma categoria no designado “Sacerdócio de Melquisedeque” entre os Mórmons, com autoridade eclesiástica, embora seja o grau mais baixo nessa hierarquia.
Naquele mês de Outubro dos alvores da pregação mórmon na América, em 1830, os missionários intentaram levar a mensagem do Livro de Mórmon aos nativos americanos em Ohio e no Missouri, atingindo Kirtland, no Ohio. Aqui, um ministro baptista, Sidney Rigdon, decidiu aderir à IJCSUD. Traria consigo, da sua congregação, cem membros, sendo o primeiro “sucesso” de conversão em massa entre os Mórmons. Este evento inspirou Smith, que referiu que numa visão recebera instruções para mover a comunidade mórmon, que nascia na costa Leste, para o Oeste, para Kirtland. Outros missionários seguiriam daqui para o Missouri, vindo a estabelecer-se em Independence.
No ano seguinte, em 1831, em Fevereiro, Joseph e Emma Smith chegavam também a Kirtland, a eles se juntando outros novos membros da igreja na Primavera. Nos seis anos seguintes, Smith permaneceu naquela localidade, onde anunciou 65 revelações, a maioria relacionada com a estrutura e organização da IJCSUD. A instituição nascia depois do livro, embora a intuição não se tivesse ainda manifestado de forma clara. Naquele ano, nasceria uma importante experiência mórmon: as reuniões. Estas são uma componente importante na vida na IJCSUD, quer seja uma reunião de missionários, quer seja para os cultos de adoração. As reuniões foram sempre estimuladas, desde os inícios do movimento. Ainda hoje, os membros são convidados a reunirem-se nas estacas de Sião mais próximas das suas moradas.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa
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