A Ponte dos Carcavelos
Conhecida pela Ria, pela culinária e pela doçaria, a cidade de Aveiro é um ponto incontornável do turismo em Portugal. A Ria e as suas salinas, que outrora foram a espinha dorsal da actividade bacalhoeira e da seca do produto dessas lides no Mar do Norte, são uma atracção por si só. Apesar de terem estado ao abandono quase meio século, quando a produção do sal passou a ser pouco rentável e a seca do bacalhau a ser mais proveitosa financeiramente quando feita em fornos, estão agora a voltar a ser uma atracção, não pela produção do sal mas pela curiosidade que as gerações mais novas, e os turistas, têm pelo milenar processo de produção a partir da evaporação da água salgada, que enche as salinas durante a maré alta.
Outro facto pouco conhecido de Aveiro é o de que as salinas foram, na maioria, propriedade de empresários da zona de Lisboa. Em contraponto, as companhias dos bacalhoeiros eram, uma grande parte, pertença de grandes famílias do Norte, nomeadamente de Vila do Conde. Se uns traziam o fiel amigo, os outros controlavam aquilo que era preciso para o preservar e o fazer tão português. Não tinha conhecimento deste detalhe mas bastou ver os registos das empresas proprietárias dos navios bacalhoeiros para o constatar. Quanto às salinas, a informação veio à luz do dia quando decidi investigar acerca do nome de uma das pontes mais conhecidas da cidade e que para mim sempre fora um grande mistério. Inicialmente pensava que a Ponte dos Carcavelos fosse obra de alguma família endinheirada que vivesse na zona da Beira Mar e que, da sua benevolência, tivesse decidido construir a ponte como mais um acesso à margem norte do Canal de São Roque e, por consequente, um acesso directo às salinas que ali havia e que seriam propriedade sua.
Entre as décadas de sessenta e setenta do século passado chegaram a existir cerca de 270 salinas activas em Aveiro. Em 1994, já em número reduzido, apenas 49 se encontravam a funcionar. Actualmente, a produzir sal continuamente, são menos de nove e muitas delas dirigidas apenas para outros produtos (derivados) do sal.
Com a transferência da pesca e seca do bacalhau para os países do Norte da Europa – Noruega, principalmente – e com o surgimento de novas tecnologias de conservação dos alimentos, o sal caiu em desuso. Contudo, nas salinas que teimam em persistir vão surgindo novidades, sendo a mais conhecida a Flor de Sal. Para quem não sabe, trata-se de uma fina camada de cristais de sal translúcidos que é apanhada diariamente, com o auxílio de instrumentos que possibilitam a sua colheita sem tocar no solo. A delicada apanha dá-lhe um aspecto único, transparente e sem impurezas. Esta é a mais recente inovação mas existem outras que vão desde a introdução do cultivo de algas, passando pela criação de ostras, até ao turismo aquático com recurso de barcos-casa para passar uns dias no ambiente da salina.
Mas voltando à Ponte dos Carcavelos, que fica em pleno Bairro da Beira Mar, foi mandada construir por um proprietário de salinas originário desta zona.
No entanto, hoje já não se está perante a ponte original, uma vez que esta foi mandada construir em madeira e acabou por desabar em Setembro de 1942. No dia da derrocada estava “cheia de pessoas que desejavam ver uma corrida de bateiras, integrada no programa das festas de Nossa Senhora das Febres”, não havendo “desastres graves a lamentar”.
A actual Ponte dos Carcavelos é considerada por muitos uma maravilha da arquitectura, estando localizada no canal de São Roque. Foi concluída em 1953, precisamente onze anos após a queda da ponte original.
É uma das muitas pontes que ajudam a atravessar os canais da Ria de Aveiro. Para além desta função similar a todas as outras, a Ponte dos Carcavelos tem mais duas particularidades que fazem dela única e, logo, uma atracção turística:
A primeira é que esta ponte tinha uma importância capital para as gentes que trabalhavam nas salinas, sendo o ponto de passagem obrigatório para as jornadas de trabalho no sal, sendo que a maioria desses trabalhadores e empresários residia no Bairro da Beira Mar.
A segunda particularidade é que a Ponte dos Carcavelos é também conhecida pela ponte dos namorados e não é de agora. Tal pode ser comprovado em inúmeras fotos de casais de antigamente que ali iam ver o pôr do sol, que com as salinas em pano de fundo tinha outro encanto. Esta tradição é agora cumprida por residentes e turistas que ali se deslocam diariamente para apreciar a vista e registar o momento para a posteridade. As fotos do pôr do sol da Ponte dos Carcavelos devem ser das mais difundidas nas redes sociais.
Acredita-se também que as fotografias de casais captadas nesta ponte sejam igualmente tidas como lembrança de uma forte relação que um dia cresceu em Aveiro. Daí que principalmente no Verão se registe uma grande afluência de casais que ali querem fazer as suas fotos para os álbuns de casamento.
Qualquer visita a Aveiro, seja de um ou mais dias, tem de incluir uma passagem pela Ponte dos Carcavelos, de preferência acompanhada de uma caixa de ovos moles, isto antes do dia terminar num dos muitos restaurantes e esplanadas que existem nessa área e à beira da Ria.
João Santos Gomes