CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXXI

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Os Quakers – VIII

Mas afinal qual é a essência dos Quakers? Em que acreditam, que fé têm os Amigos? Os Quakers acreditam que há algo de Deus em todos nós, em cada um de nós. Por isso, cada ser humano, para eles, tem um valor único, é de suprema importância. É por isso que valorizam todas as pessoas de forma igual, opondo-se a tudo que as possa prejudicar ou ameaçar, tudo que ponha em causa a sua integridade ou humanidade.

Os quakers procuram a verdade religiosa na experiência interior, no autoconhecimento, confiando plenamente na consciência como a base da moral. Há um ênfase da experiência directa de Deus, de cada ser humano, na sua procura individual e com os demais. Essa experiência de si substitui o ritual e cerimónia, exteriores ao homem. Com efeito, acreditam que os sacerdotes e os rituais, a liturgia e sacramentos são uma forma de obstrução desnecessária entre o crente e Deus, um obstáculo, como uma interrupção da comunicação individual com o divino.

Outro aspecto identitário deste grupo tem a ver com a interligação entre religião e vida quotidiana, estão uma presente na outra de forma contínua. Os Amigos acreditam, de facto, que Deus pode ser encontrado no dia-a-dia, em qualquer hora e lugar, porque existe a partir de cada um e da sua consciência de si. Deus, a religião, está presente, por exemplo, tanto e da mesma forma nos relacionamentos humanos como durante uma reunião de adoração. A religião é algo omnipresente, não necessita de um tempo e espaços próprios.

Em que acreditam os Quakers?

Deste modo, as principais crenças dos quakers são: Deus é amor; a luz de Deus está em cada pessoa; uma pessoa que deixar a sua vida ser guiada por essa luz alcançará um relacionamento pleno com Deus, uma comunhão absoluta; todos, por igual e sem distinção, podem ter um relacionamento directo e pessoal com Deus sem envolver um padre, ministro ou pastor, não mediação sacerdotal, pois cada um pode e deve ser um “sacerdote”; a redenção e o Reino dos Céus devem ser experimentados e vividos no presente, neste mundo. Estes são os fundamentos de crença dos quakers, que no fundo pretendem tornar este mundo um mundo melhor, mais harmonioso e são. No que concerne à relação com Deus, acreditam que existe uma relação directa entre Deus e cada crente, cada ser humano contém algo de Deus, da Sua luz. Essa relação é por eles designada como “a luz de Deus”…

Na sua perspectiva, os quakers entendem que trabalham activamente para conseguir esse escopo, sem hesitar nem adiar. Para isso, têm preocupações fundamentais, que se tornam em objectivos de vida e de fé: a defesa dos Direitos Humanos, com base na sua firme crença na igualdade de todos os seres humanos; promoção da justiça social; luta pela paz; promoção da liberdade de consciência, dado o valor que se dá à consciência como base moral; preocupação pelas questões ambientais… Os quakers, com efeito, procuram viver de forma simples para reduzir o fardo ou pegada humana sobre o mundo.

Para eles não existem livros sagrados, ou seja, não consideram nenhum livro como a verdadeira “palavra de Deus”. A maioria considera a Bíblia um grande livro inspirador, muito importante, mas não a vêem como o único livro, o livro sagrado ou a finte de toda a essência de Deus, pois entendem que podem ler outros livros que guiem as suas vidas de forma idêntica à Bíblia.

Na vida quotidiana, pode-se dizer que esta é pautada por uma regularidade, ou seja, não há feriados religiosos, não se celebrando, por exemplo, festas cristãs como a Páscoa ou o Natal. Surge por isso muitas vezes a pergunta: os quakers são cristãos? Fora do movimento, muitos consideram-nos como tal, cristãos, portanto, ou uma denominação cristã. Todavia, nem todos os quakers se consideram cristãos; alguns consideram-se, por seu lado, como membros de uma religião universal que (por razões históricas, de contexto e circunstâncias) tem muitos elementos cristãos, embora entendidos e vividos de forma diferente.

A tolerância é um elemento fundamental nos quakers, muito importante na sua forma de encararem a vida, num espírito de abertura face a outras perspectivas de vida e religiões, predispondo-se a aprenderem com todas as outras religiões ou igrejas. Outra dimensão curiosa é a da adoração, da oração ou contemplação. Fazem-na de forma comum também, numa espera silenciosa, com os participantes contribuindo conforme o espírito os move, de acordo com o que sentem. Por vezes , nestes momentos, tremem, nas suas experiências religiosas. Daí que muitos acreditem que o seu nome comum, quakers, derive desse tremor na adoração.

Mas não existe nenhum credo ou conjunto formal de crenças, que se tenham que manter, para se ser um quaker. Para eles, adoptar um credo é assumir a crença em “segunda mão”, pois acham que a fé deve ser mais pessoal do que isso e baseada na convicção interior de uma pessoa e em participar de uma busca compartilhada pela verdade com outros quakers.

Os quakers acreditam que a fé é algo que está sempre em desenvolvimento contínuo, não é estanque nem está “congelada” ou parada num momento particular da história que perdure para todo o sempre, como um código fixo de crença absoluta e imutável. A fé para um quaker é algo em construção, transformação, no sentido positivo, de desenvolvimento e integração na vida quotidiana e no mundo.

Em suma, os quakers consideram todos os seres humanos iguais e igualmente dignos de respeito, seja qual for a raça, género, proveniência ou “estatuto social”. Todos os seres humanos contêm em si bondade e verdade, há que procurá-la, há que mergulhar em si e estribar-se na sua consciência. Os quakers não aceitam também julgamentos de valor com base na raça ou sexo. Vimos que a tolerância é uma marca de água quaker, como é também o acolhimento e abertura à diversidade.

“As crenças não são apenas margens seguras numa realidade incerta, mas sim apoios de mãos de onde mais alturas podem ser alcançadas”, proclamaram em 1989 os chamados “Eleven Quaker Scientists”, um conselho científico dos Amigos. Outro quaker famoso, Bernard Canter, em 1962, resumia assim a fé quaker: “Religião é viver com Deus. Não existe outro tipo de religião. Viver com um livro, viver com ou segundo uma regra, ter princípios muito elevados não são em si religião, embora muitas pessoas pensem que sim e que isso é tudo que há para fazer”… Voltaremos a este tema.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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