Os Huteritas – VIII
Aos quinze anos a vida de um huterita muda. Por um lado, a infância fica para trás, começa o tempo da definição. É um momento de transição, uma das mais importantes. Tem uma implicação especial porque sinaliza uma transição da infância para a vida adulta: as raparigas passam a ser “dien” e os rapazes transformam-se em “buah”. Uma dien é uma mulher solteira com mais de quinze anos e um buah é um homem solteiro com mais de quinze anos. Trata-se de uma transição que implica grandes mudanças na vida dos jovens. Por exemplo, deixam de comer na sala de jantar das crianças, passam a ser considerados adultos pelos membros da comunidade, participando a partir de então nas actividades dos buah e dien, recebendo, por isso, mais responsabilidades.
É curioso que no dia do aniversário dos quinze anos os jovens ainda continuam as suas rotinas diárias, com todas as suas tarefas e responsabilidades a permanecer como antes, até ao fim do dia. Recorde-se que nas colónias huteritas as crianças a partir dos cinco anos fazem as suas refeições separadamente dos adultos na “essenschuel”, ou na “sala de jantar infantil”. Mas no dia dos quinze anos, à hora do jantar, o aniversariante anunciará ao professor de Alemão que tem quinze anos; então o docente cumpre o ritual de pregar uma espécie de advertência sobre a nova transição do jovem e respectivas responsabilidades. Uma das lembranças significativas, por exemplo, é a obrigação de que a partir de agora devem orar em privado de manhã e à noite, pois antes faziam-no juntamente com todas as outras crianças da “essenschuel”.
É frequente o professor de Alemão partilhar conselhos sobre comportamento, como evitar os perigos e armadilhas da vida na sua transição para a vida adulta e fornecer orientações para ajudar o aniversariante no seu crescimento pessoal, especialmente na fé. Após esta advertência do professor, o aniversariante passa a ser considerado, efectivamente, um buah ou dien.
A VIDA EM COMUNIDADE
Deixada para trás a “essenschuel”, o jovem entra na “ess stubm”, a sala de jantar dos adultos. Todo um mundo novo, esta nova forma de estar, na sala de jantar dos adultos, onde tomarão o lugar que pediram, mas no respectivo lado da sala, que se divide em masculino e feminino. A disposição dos assentos é específica, com o jovem não baptizado mais velho sentado em frente aos adultos mais velhos e assim por diante. O buah mais novo ficará ao lado do último buah (o que fez quinze anos mais recentemente), em frente a um dos membros mais velhos. São transições mas vigiadas e supervisionadas pelos mais velhos.
Outra expectativa é a de que os jovens huteritas possam vir a sociabilizar com outros homens e mulheres quando completam quinze anos. Passam muitas vezes algum tempo juntos a realizar várias actividades, desde visitas a outras colónias, até ao trabalho em vários projectos e empregos dentro da comunidade. São experiências que oferecem oportunidades para que todos conheçam os novos buah e dien e se sociabilizem.
As coisas mudaram um pouco: antigamente, quando uma criança completava quinze anos deixava a escola e começava a trabalhar numa das “empresas” nas colónias da sua “leut”. Como o Ensino Secundário se tornou mais prevalente, especialmente entre os Schmiedeleut, a entrada do jovem na força de trabalho é adiada até à graduação liceal. No entanto, todos os buah recebem um emprego, como aprendiz em algum lugar da colónia. Ficam nesse aprendizado normalmente durante um ano, ou até que sejam necessários noutro lugar. Mas se estiverem em frequência escolar, esse trabalho designado ocorrerá depois da escola, ao sábado e nas férias escolares.
É pois um momento importante na vida dos jovens huteritas. Embora muitas vezes levem uma vida mais tranquila, os novos “adultos” (mas ainda não baptizados) não deixam de ser incentivados pelos membros adultos baptizados, na escola dominical e durante os cultos da igreja, a aproveitar esse tempo até ao baptismo para crescerem espiritualmente e a não permitir a formação de maus hábitos ou comportamentos desviantes da comunidade. Muitos huteritas, na actualidade, permitem alguma liberdade nesse período da vida, mas sem tolerar pecados ou comportamentos impróprios, de forma a ajudá-los a crescer. São tempos de tirocínio, de discernimento, de treino da paciência e perseverança, de ajuda na orientação e de treino para mais tarde saberem tomar as decisões certas para si e principalmente para a comunidade. Porque todos os pais huteritas desejam que os seus filhos um dia decidam ingressar na igreja huterita e se tornem membros da comunidade de crentes.
A educação formal das crianças huteritas começa numa espécie de pré-escola, ou “klanaschuel”, a partir dos dois anos de idade. A “klanaschuel” é normalmente liderada por mulheres huteritas mais velhas, não seguindo um currículo formal, em nada idêntico à pedagogia americana ou canadiana. Já a escola primária actua com base nos regulamentos e metodologias estaduais e provinciais, começando normalmente aos cinco anos, no início do jardim de infância. É importante assinalar que cada vez mais huteritas frequentam o Ensino Superior, a formarem-se em áreas técnicas, principalmente, úteis para o serviço na comunidade.
No passado, poucas colónias ofereciam educação para além do Ensino Secundário, ao contrario de hoje em dia, em que um número maior está a ir nessa direcção. De facto, tanto entre os Schmiedeleut como nos Dariusleut há cada vez mais jovens a graduarem-se ao nível do 12º ano e a prosseguir até estudos depois. Cerca de dois terços das colónias de Schmiedeleut, por exemplo, já fornecem pelo menos o equivalente ao 12º ano.
Pelo meio, vem o baptismo, se tão importante é para qualquer grupo anabaptista, entre os huteritas tem também uma relevância especial. É um dos passos mais importantes na vida de um huterita, pois é então que fazem um voto a Deus e à igreja para permanecerem firmes e fiéis para o resto das suas vidas, algo que é levado muito a sério por todos. Os huteritas normalmente pedem o baptismo entre os vinte e os trinta anos. Este ocorre depois de uma formação religiosa entre cinco a dez anos na escola, na chamada Escola Dominical e na igreja. Muito antes de o baptismo ser solicitado, espera-se que o indivíduo mostre sinais claros de uma vida regenerada e de um compromisso com a fé. É um grande passo para um huterita, para toda a vida, algo que deve ser consciente e seguro.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa