Centenário da Revista Orpheu

«Temos que afirmar esta revista, por que ela é a ponte por onde a nossa Alma passa para o futuro». Assim se referiu Fernando Pessoa ao projecto literário Orpheu, lançado em Lisboa em 1915 com um propósito claro: revolucionar o pensamento.

Nascida sob o signo das vanguardas europeias, nomeadamente o Futurismo, a revista Orpheu concretizou a aspiração de um grupo de intelectuais determinados a transformar a mentalidade do seu tempo, rompendo com a tradição. Provocar, subverter eram palavras de ordem.

Cem anos volvidos, pode afirmar-se que o projecto cumpriu o seu desígnio fundacional. A revolução sonhada nas artes e nas letras aconteceu, e há quem sustente que ainda hoje se colhem os frutos dessa “pedrada no charco”.

Os poetas Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, José de Almada Negreiros, figura das letras e das artes, e ainda os artistas Amadeo Souza-Cardoso e Guilherme Santa-Rita Pintor foram os percursores do movimento intelectual responsável pela introdução do Modernismo em Portugal, historicamente consagrado como a Geração de Orpheu.

Para a escolha do nome – uma metáfora – inspiraram-se na mitologia grega. Orpheu, poeta e músico exímio, inconformado com a morte de Eurídice, sua mulher, ao lutar por trazê-la de volta ao mundo dos vivos aceitou o desafio de realizar uma dura travessia sem nunca olhar para trás. Era esse o espírito da revista – cortar com o passado. A Europa vivia, orgulhosa, um período de deslumbramento perante a nova era da máquina. Surgiam as primeiras transmissões por rádio, a primeira travessia aérea do Canal da Mancha. Nascia o cinema, a fotografia, a televisão.

Nas palavras de Almada Negreiros, pronunciadas em 1935, «o que caracterizava Orpheu era o seu europeísmo, e o caminho era ir à conquista da elite portuguesa», agitando o sistema de valores burguês.

O inconformismo subjacente a este agitar de águas escandalizou. Expressões insultuosas como “Literatura de manicómio” e “Orpheu nos infernos” confirmariam esse impacto, em grande medida relacionado com os temas inesperados da poesia publicada, exaltando a velocidade, a electricidade ou a busca do “eu” subconsciente.

Certo é que as sementes lançadas germinaram. A geração de Orpheu – ou Orfismo – conquistou um lugar na história, influenciando de forma efectiva correntes estéticas vindouras e de um modo geral todas as artes, desde a literatura ao cinema, passando pela música, pintura e arquitectura.

No plano literário, o Orfismo representa a primeira geração do Modernismo português, seguindo-se o Presencismo (revista Presença), com José Régio e Branquinho da Fonseca, e o Neo-realismo, protagonizado por Alves Redol e Carlos de Oliveira, entre outros.

Apesar da sua magna repercussão, a revista Orpheu teve apenas dois números, correspondentes aos primeiros dois trimestres do ano. O primeiro foi uma edição luso-brasileira, dirigida por Luís Montalvor e Ronald de Carvalho. O segundo teve a direcção de Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro.

Um terceiro número, previsto para Outubro, acabaria por ser cancelado devido à falta de financiamento.

Maria do Céu Novais

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