Bengala e o Reino do Dragão – 15

Uma frustrante busca

Chegamos a Goalpara esperançados em encontrar vestígios dos tão badalados firingis. Anuncia o breve povoado a estátua branca de um dos rajás (certamente da casta Narayan), empunhando espada e escudo, e logo a uns cinquenta metros adiante o primeiro símbolo da cristandade indígena: a igreja paroquial. As freiras que aí habitam não nos sabem dizer quantos católicos existem e tão pouco entendem o significado do termo firingi. Ou se entendem fingem não entender, talvez devido à negativa conotação que a palavra tem hoje. Desconhecem também se há apelidos portugueses entre os fiéis (é claro que há, diz a minha consciência e larga experiência no terreno) e de imediato, quiçá para disfarçar a ignorância, divergem a charla para uma área onde se sentem mais confortáveis: perguntam se sou católico. Finalmente, e como a conversa não desenvolve (pudera, não há tema para ela), remetem-nos para a escola de São Tomás, onde um dos padres responsáveis nos garante que «em Goalpara habitam umas trezentas famílias católicas». Não sabe, porém, quando e como ali chegaram. Enquanto falamos reparo nas claras feições europeias do arcebispo retratado na foto exposta na sala da entrada. Curiosa, acerca-se de nós colorida chusma de miúdos. Todos se expressam em Inglês e num ou noutro ressaltam óbvios traços ocidentais. Percorremos umas centenas de metros – é enorme a área do colégio, mais parecendo este uma quinta educativa – até aos pavilhões onde as Irmãs da Caridade cuidam de uma centena de meninas órfãs. Uma das religiosas parece saída de um qualquer claustro de convento de província em Portugal.

Na verdade, a dita comunidade de “portugueses de Goalpara” estende-se a Rangamati e ainda a Dhubri, outro dos enclaves lusos mencionados pelos britânicos, que primeiro se apoderaram de Bengala e logo depois de toda a Índia. Sendo a nossa visita versão relâmpago pouco mais se poderia esperar. Aguardo contudo, esperançoso, pela travessia do Bramaputra para tentar localizar a Rangamati que os mapas insistem em não querer desvendar. Mais perguntas, nas curtas paragens feitas ao longo do trajecto, e de novo, aqui e ali, rostos que me parecem familiares. Ou não. Se calhar estou apenas sugestionado pelo que consegui pescar numa das minhas idas a esse valioso manancial de letras e factos que é o archive.org, base de dados virtual que reúne milhares de títulos de diferentes bibliotecas livres de direitos autoriais e, como tal, de descarregamento gratuito. Tem-se mostrado ferramenta utilíssima, sobretudo no que diz respeito ao que repartido deixámos pelos recantos do Império Britânico e que os seus funcionários, através de relatórios, pesquisas e diários de viagens inadvertidamente vão mencionando, quase sempre, como não podia deixar de ser, numa abordagem condescendente, preconceituosa e nada simpática.

Dhubri? Dizem-nos que se situa «uns quilómetros à frente», mas a verdade é que não há forma de a encontrar. Acabarei por localizar no mapa uma Dhubri (possivelmente homónima da desejada), mas muitos quilómetros adiante – fora do nosso percurso – nas margens do rio Sankosh, nascido nos contrafortes montanhosos do Butão. Nova paragem, nova pergunta. Um homem com os olhos castanhos claros começa por apontar em diferentes direcções e acaba por dizer Dhubri está «a uns 120 quilómetros» dali e «é fácil de identificar pois se situa junto à estrada». À medida que o dia lentamente desmaia, como é da sua natureza nas regiões tropicais, decresce em mim a esperança de localizar ambas povoações. Só mesmo por uma dessas coincidências milagrosas… Atravessamos agora a região de Bongaigaon, adiantada é já a noite. Terá de ficar para uma próxima vez. Após pesquisa na Internet, eis o que encontrei na página da Diocese desta província, a cargo de um bispo com apelido Almeida: “Deve-se aos sacerdotes agostinianos de Daca a introdução do cristianismo na área de Bongaigaon, contando o distrito de Rangamati Dhubri com uma comunidade cristã vibrante no século XVI. Mais tarde, sacerdotes salvatorianos e depois salesianos instalaram-se em Dhubri após terem viajado pelo rio Bramaputra”.

Curiosamente, Estêvão Cacela não nos transmite qualquer impressão referente ao percurso fluvial, sendo certo que durou alguns dias e obrigou os padres a fazer estâncias em terra. Embora existissem já na altura cristandades organizadas na região, nada nos diz o jesuíta acerca delas. Será que os jesuítas os contactaram ou simplesmente desconheciam a sua existência?

Continuemos com a informação contida na página da Diocese: “Os primeiros sacerdotes a residir em Dhubri foram os padres salesianos Archimede Piannazzi e L. Rocca, nomeados para trabalhar entre os Garo”, povo de origem tibeto-birmanesa, antigos caçadores de cabeças.

Afinal, toda a região que atravessamos estende-se de Bongaigaon, última capital do antigo reino de Kamatapur, até Dhubri, nas margens do Bramaputra, e nela subsistem bolsas de luso-descendentes. Se incluirmos Goalpara, no outro lado do Bramaputra, temos um perfeito triângulo de pesquisa que aguarda apropriado investigador.

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *