APELO DE ANWAR IBRAHIM, PRIMEIRO-MINISTRO DA MALÁSIA

APELO DE ANWAR IBRAHIM, PRIMEIRO-MINISTRO DA MALÁSIA

«Se não pararmos com o fanatismo religioso, ele pode tornar-se muito perigoso»

A possibilidade de, pela primeira vez na história, a Malásia ter à frente dos seus destinos elementos radicais islâmicos, lança o alerta entre os cristãos daquele país que receiam futuras limitações à sua liberdade de expressão e a um possível aumento das tensões inter-religiosas numa Federação de sultanatos oficialmente islâmica, pese o facto de nela coexistirem diversos cultos.

Parte integrante da coligação que ficou em segundo lugar nas eleições de 19 deste mês, o Partido Islâmico Malaio (PAS), fundamentalista, foi o que mais viu crescer a sua bancada parlamentar, e, num cenário político cada vez mais fragmentado, almeja vir a integrar um futuro Governo. Recorde-se que menos de dez por cento dos 32 milhões dos cidadãos da Malásia são cristãos, enquanto sessenta por cento professam o Islamismo, tendo até agora as autoridades conseguido evitar conflitos abertos, tanto entre crentes destes dois cultos como entre budistas (vinte por cento) ou hindus (6,3 por cento).

No rescaldo dos resultados eleitorais, o Conselho de Igrejas da Malásia (CCM) – órgão que congrega as Igrejas protestantes e a Igreja Ortodoxa –, citado pela agência noticiosa FIDES, apressou-se a declarar que todos os cristãos locais estão comprometidos “com o bem comum e não têm planos de proselitismo e cristianização da nação”. O Conselho criticou veementemente um vídeo no qual o ex-Primeiro-Ministro Tan Sri Muhyiddin Yassin acusava o Pakatan Harapan, partido vencedor do recém-nomeado Anwar Ibrahim, de ser apoiado por «um grupo de judeus e cristãos que têm uma agenda de cristianização na Malásia». Também a Federação Cristã da Malásia, outro órgão ecuménico que inclui a Igreja Católica, mostrou preocupação. “As declarações dos políticos não devem dar azo a conflitos e calúnias de natureza sediciosa para obter o apoio de um determinado grupo étnico ou religioso”, nota a Federação, lembrando ainda que as palavras dos políticos não devem “perturbar a paz, a harmonia e o bem-estar de todos os cidadãos da nossa amada Malásia”. Após a sua nomeação, Anwar Ibrahim foi célere num apelo à população para que se posicione contra o racismo e o fanatismo religioso. «Como muçulmano, nunca fui ensinado a odiar outras etnias ou religiões. Se não pararmos com o fanatismo religioso, ele pode tornar-se muito perigoso», afirmou.

Este desfecho eleitoral surge após uma decisão judicial (no ano passado) que devolveu aos cristãos locais o direito de usar a palavra “Alá” para se referirem a Deus, revogando assim uma proibição datada de 1986. Na Malásia, a denominação árabe de Deus – que, lembre-se, antecede o aparecimento do Islão – há muito divide as comunidades cristã e muçulmana. A polémica reacendeu-se com a apreensão em 2008, no aeroporto de Kuala Lumpur, de material de divulgação religiosa em Malaio, com a palavra “Alá”, na bagagem de Jill Ireland Lawrence Bill, cristã do Bornéu, que decidiu contestar em tribunal. Após uma batalha legal de sete anos, Jill recebeu de volta o dito material (oito CD’s), mas continuou a pugnar pelo “seu direito constitucional” a usar o termo “Alá”. Lembrou, e bem, que os cristãos nunca foram consultados quando, em 1986, o País os proibiu de usar essa palavra e que tal atitude era inconstitucional e discriminatória.

Também em 2013, um tribunal interditou o uso da palavra “Alá”, desta feita a propósito de um artigo publicado no jornal católico The Herald Malaysia. Argumentava o juiz que o uso dessa palavra por não muçulmanos “poderia causar desordem pública” e que esse era um direito reservado a quem professasse a fé islâmica. Apelando de tal decisão, os líderes da Igreja Católica afirmaram quea medida violava o direito de liberdade religiosa garantida pela Constituição da Malásia. “O nome ‘Alá’ para referir-se a Deus é usado por cristãos árabes de todo o mundo e está na tradução da Bíblia”, afirmou na altura o reverendo Lawrence Andrew, SJ, editor do The Herald Malaysia. Pressionado por um grupo muçulmano radical o Governo federal ponderou, inclusivamente, impedir a publicação do mencionado jornal… No veredicto final, após longa batalha jurídica entre o Governo e a Igreja, os juízes expressaram a opinião de que “todas as religiões devem ser praticadas em paz e harmonia com o Islão”, a religião oficial da Federação. Ou seja, e citando as palavras do magistrado que liderou o processo, “o uso da palavra ‘Alá’ não é uma parte integral da fé e prática do Cristianismo”e“tal uso, se permitido, poderá causar confusão dentro da comunidade”. Em resposta a essa decisão, a secretária-geral da Aliança Nacional Cristã da Malásia, Eugene Yapp, apelou aos cristãos do País para que contribuíssem para “um ambiente de respeito mútuo e aceitação através da construção de pontes com outros grupos religiosos”.

A actual Constituição da Malásia pressupõe que todo o malaio nativo seja muçulmano e, nesse sentido, todos aqueles que se convertem ao Cristianismo violam a lei e enfrentam pressão severa da família e da comunidade. Os convertidos são vistos como traidores “de tudo o que a sociedade malaia mais valoriza”.

Joaquim Magalhães de Castro

LEGENDA:

Motociclista entre bandeiras do Partido Islâmico Malaio, na cidade deBangi (Foto: Reuters)

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