HUMANAE VITAE, CINQUENTA ANOS DEPOIS (5)

HUMANAE VITAE, CINQUENTA ANOS DEPOIS (5)

Há demasiadas pessoas?

Com a regulação do nascimento e da paternidade responsável, outros dois temas inter-relacionados são a sobrepopulação e a pobreza, sobre os quais reflectimos neste último artigo sobre a Encíclica Humanae Vitae, do Papa Paulo VI.

O PROBLEMA DA SOBREPOPULAÇÃO –Em todo o mundo, a sobrepopulação tem sido um argumento secular, político e económico recorrente contra o ensino da Igreja contra o controlo artificial da natalidade, a esterilização e o aborto. A Igreja reconhece os graves problemas que podem sair da sobrepopulação, como João Paulo II reconheceu (Familiaris Consortio, 30-31) e o Papa Francisco, na sua Carta Encíclica Laudato si’(2015), escreve: “Embora seja verdade que uma distribuição desigual da população e dos recursos disponíveis cria obstáculos ao desenvolvimento e a uma utilização do ambiente, deve, no entanto, ser reconhecido que o crescimento demográfico é totalmente compatível com um desenvolvimento integral e partilhado”.

Infelizmente, os argumentos seculares do século passado, dos anos sessenta, continuam a ser apresentados hoje para promover o controlo da natalidade, incluindo o aborto. Se em alguns lugares – não nos países desenvolvidos onde registamos uma trágica redução dos nascimentos, um “inverno demográfico” (Papa Francisco, 22 de Maio de 2018) – o problema é, de facto, o excesso de população, somos a favor da sua limitação, mas de uma forma racional e moral. A Doutrina da Igreja sobre esta matéria pode ser assim resumida: A resposta “às questões relacionadas com o crescimento da população deve, em vez disso, ser encontrada no respeito simultâneo da moral sexual e da ética social, promovendo maior justiça e autêntica solidariedade para que a dignidade seja dada à vida em todas as circunstâncias, a começar pelas condições económicas, sociais e culturais” (Pontifício Conselho para a Justiça e Paz, Compêndio da Doutrina Social da Igreja (2004), 234; cf. Evangelium Vitae, 16; Catecismo da Igreja Católica, 2372; Humanae Vitae, 23).

Toda a sociedade deve “respeitar e fomentar a família” (FC, 45). O princípio ético da subsidiariedade pede às autoridades públicas – ao Estado – para ajudarem as famílias quando estas não conseguem fazer face às suas obrigações, e não as ignorarem mas a respeitarem os seus direitos (cf. FC, 45; Amoris Laetitia, 44).

O PROBLEMA DA POBREZA –Vale a pena notar que Paulo VI é o autor da Humanae Vitae e que um ano antes havia escrito outra encíclica, a Populorum progressio: ambas as encíclicas estão em harmonia, em termos de ética sexual e ética social.

O Papa Bento XVI disse, claramente, que não se pode separar a ética sexual da ética social, porque as duas estão entrelaçadas: “Só se a vida humana, desde a concepção até à morte for respeitada, é que a ética da paz é possível e credível; só então a não-violência pode ser expressa em todas as direcções; apenas então podemos aceitar verdadeiramente a criação e só então poderemos alcançar a verdadeira justiça” (Reunião com Bispos da Suíça, a 9 de Novembro de 2006; cf. Id., Enc. Caritas in Veritate, 2009, 15). É falso o recorrente argumento vindo ainda de alguns quadrantes, ditos “liberais”, que afirmam que a Igreja e os católicos em geral servem para as crianças que estão por nascer, mas não para as crianças pobres e necessitadas. Mas há vários exemplos que contrariam esta ideia: a Cáritas, vários outros organismos e associações internacionais e nacionais e uma extensa rede global de solidariedade e compaixão.

Muito mais do que o Concílio Vaticano II e a Humane Vitae, o Magistério da Igreja fala hoje de justiça sanitária e também de eco-justiça. “Estratégias de cuidados de saúde destinadas a perseguir a justiça e o bem comum devem ser economicamente e eticamente sustentáveis” (Nova Carta para Trabalhadores de Cuidados de Saúde, 92). A eco-justiça refere-se ao respeito atribuído à criação e à responsabilidade aquando da utilização de células animais ou vegetais para fins farmacêuticos: “o ambiente natural é mais do que matéria-prima para ser manipulada em nosso proveito; é uma maravilhosa obra do Criador, contendo uma ‘gramática que estabelece fins e critérios para a sua sábia utilização, não a sua imprudente exploração’” (Bento XVI, Caritas in Veritate, 48; Nova Carta…, 83; FC, 54). Na Laudato si’, sobre os cuidados a ter para com a nossa casa comum, o Papa Francisco relaciona repetidamente o grito da terra com o grito dos pobres (cf. LS’, 10, 49, 91 e 94).

A família é “a primeira escola das virtudes sociais que todas as sociedades necessitam” (FC, 31, 42), como a educação para a justiça, o amor e a paz, e o exemplo de um estilo de vida simples e austero (FC, 17; AL, 183), respeito pela dignidade humana de cada ser humano, serviço generoso e solidariedade, hospitalidade e amor social (FC, 43; AL, 181, 324), luta contra a injustiça e trabalho para a igualdade (AL, 96). De facto, “toda a gente é meu irmão ou irmã” (FC, 64). A Igreja recomenda também às famílias “um amor preferencial pelos pobres e desfavorecidos” (FC, 47; Ibid. 64, 71; AL, 183-186, 242, 254). A família é “uma célula vital para a transformação do mundo” (AL, 324).

A Igreja não esquece que há muitas famílias que são pobres. Entre os pobres de hoje, encontramos os idosos. Felizmente, a maioria das famílias respeita os seus idosos e cuida deles. No entanto, o “atirar fora”, a cultura efémera, faz com que os idosos, por vezes, sejam considerados “fardos” para as famílias e para a sociedade, acabando por serem marginalizados e abandonados (cf. AL, 43, 48, 51). Os idosos, como qualquer outro ser humano, resultam da Criação, não sendo seres menores, mesmo quando estão gravemente doentes ou incapacitados (cf. FC, 71; AL, 128).

Os casais e as famílias cristãs são solicitados, pela sua humanidade e fé em Jesus, a ajudarem as famílias pobres. Escreve o Papa Francisco: “Quando uma família é acolhedora e estende a mão aos outros, especialmente aos pobres e negligenciados, é – como diz João Paulo II – ‘um símbolo, uma testemunha e um agente participativo na Maternidade da Igreja’” (AL, 324). Ambos os Papas sublinham a compaixão como uma característica do casamento e da Família Cristã (cf.FC, 21, 47, 64, 71; AL, 321-324). O Papa Francisco gosta de descrever a tarefa da Igreja como a “de um campo hospital” (AL, 291). A família, uma igreja doméstica, “tem sido sempre o hospital mais próximo” (AL, 321). O Papa Francisco inclui os divorciados como indivíduos feridos e famílias aos quais a Igreja – seguindo Jesus – tem de mostrar “compaixão e proximidade” (AL, 38).

A CRUZ DE CASAIS E FAMÍLIAS –Há dificuldades na vida conjugal e familiar? Sim, há!… e por vezes muitas! Os crentes acreditam que Deus está sempre presente para ajudá-los e aos outros. Daí a necessidade de cada cônjuge ter uma relação pessoal com Deus, para rezar constantemente juntos e por um ao outro e pela sua família – para o aumento da fé, da esperança e do amor. A virtude da castidade é sempre útil para praticar a auto-estima afectiva e o controlo sexual (cf. FC. 33). O casal é também chamado à santidade. O significado da cruz é dado pelo amor, que suporta todas as coisas (AL, 118-119). A graça do sacramento, a oração, o viver em comunidade é sempre útil. Em tempos de dificuldades e problemas, o Papa João Paulo II recomenda aos crentes: “aproxima-te de Cristo (Veritatis Splendor, 8) e da Cruz de Cristo” (cf. EV, 50; Carta Apostólica Salvifici Doloris, 1984, n.º 26). O Papa Francisco pede às famílias que rezem para amadurecerem constantemente “na capacidade em amar” (AL, 325).

Pe. Fausto Gomez, OP

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