A Terra Santa – I

As origens da questão histórica

Começamos hoje uma série de artigos sobre a Terra Santa, enquanto conceito histórico-geográfico e, acima de tudo, religioso. As fronteiras de hoje não serão as mais importantes, porque aqui o lugar, a terra e a fé, no tempo e no espaço, serão o mais importante. Importa pois ajudar a clarificar, ou pelo menos reflectir, a partir do conhecimento mais rigoroso, acerca do que é um termo que tanta tinta tem vertido mas que é ainda fonte de dúvidas, desconhecimento e falta de rigor. Antes de mais, urge referir que a Terra Santa é um conceito geográfico, mas também histórico, que se tornou “santo” porque entrou no plano divino da Salvação. Ali se desenrolaram cenas e histórias bíblicas, do Antigo como do Novo Testamento, sendo o berço e teatro das Escrituras. Para uns é a Terra Prometida, para outros é o conjunto dos territórios bíblicos, ou sagrados, não apenas do Judaísmo, ou do Cristianismo, mas também do Islão, para citar as três grandes religiões monoteístas, ou do Livro.

Terra Santa – O conceito é judaico-cristão, sem dúvida. Confunde-se com a Terra Prometida judaica, com os Lugares Santos das três religiões monoteístas. Confunde-se com a (geo)política actual e a formação do mundo moderno e contemporâneo. Ou seja, associa-se a Israel, à Palestina, aos conflitos que por ali grassam e que suscitam reivindicações. Mas afinal quais são os fundamentos dessas reivindicações? Sem anacronismos, ou seja, juízos e avaliações de outros tempos com os focos e conceitos da actualidade. É preciso pensar no que eram estes lugares em cada época, cada povo, cada contexto, cada circunstância. É a terra de Abraão, de Moisés, dos Profetas, dos Juízes, dos Reis de Israel e de Judá, é a terra onde nasceu o Messias, Jesus portanto, ou onde a História da Salvação começou. Ou também o lugar onde o profeta Maomé subiu aos céus, em glória excelsa e triunfo. Muitas são as interpretações, atenção, são “ínvios os caminhos” da história destas paragens.

Se pensarmos no conjunto de territórios que Jesus visitou na sua vida, de acordo com os Evangelhos, então a Terra Santa corresponde: ao que é hoje o Estado de Israel, por exemplo, mais os territórios por si conquistados, como os montes Golan (sudoeste da Síria/ nordeste de Israel); ao que se tornou nos Territórios da Autoridade Palestiniana (Faixa de Gaza e Cisjordânia); ao litoral meridional do actual Líbano (Tiro, Sídon); a uma parte da Jordânia (Betânia); e ao Egipto, destino de migração do Menino (Fuga da Sagrada Família). Jesus é o Messias, que cumpre e fecha o Antigo Testamento, logo a terra onde nasceu, viveu e padeceu a Paixão, Morte e Ressurreição, serão pois a Terra Prometida, ou seja, a terra que Javé prometeu ao seu povo, de onde surgiria o Messias, Salvador. Uma Terra Santa.

A santidade do lugar é dada pela sua participação na Salvação, não é santo por ser. Assim, a geografia dos Lugares Santos pode remeter-nos para várias localidades e todos os seus pontos históricos e bíblicos, como Jerusalém (Gólgota, Santo Sepulcro, Gethsémani, Cenáculo, etc.), Belém, Nazaré, Ein Kerem (visitação à Virgem), além de vários lugares da Galileia, do lago de Tiberíades, monte Tabor, deserto da Judeia, Betânia. Estes lugares estenderam-se em dimensão e importância a partir de 1095, ou seja da Primeira Cruzada, de reconquista dos Lugares Santos. Ou da Terra Santa. Entre o rio Jordão e o Mediterrâneo, entre o Líbano e o Sinai/Egipto e o deserto da Jordânia, ou a Síria. Terra de Judeus, Cristãos, Muçulmanos, ou seja, a diacronia histórica desta geografia tornada santa.

 

Os pródromos da História

Pródromos são os caminhos de origem. Aqui são vários, em várias épocas, com muitos povos, acontecimentos, guerras, destruições, sofrimento, glória, fé.

Mas antes de tudo, tentemos perceber porque é tão importante esta região, pequena, apertada entre o deserto e o mar, montanhas e deserto seco, árido, desolador… Os estimados leitores irão encontrar aqui montanhas, onde neva, planícies onde há vegetação, vinhas, culturas, um rio como o Jordão e lagos como o de Tiberíades, onde há chuva. Onde há verde, céu com nuvens, à volta desertos e povos belicosos, nómadas e impérios em sucessão. Qual é o denominador comum, que torna este corredor entre a Síria e o Egipto tão aprazível e atraia tantos povos desde sempre? Conquistadores, povos pacíficos, comerciantes, pastores, povos em fuga, gente de longe, magos, etc.? Água. Sim, a água é que faz a diferença. Para beber, para as gentes, animais, culturas. Mas a água também das abluções rituais, do baptismo iniciático, da purificação, do poço de Rebecca, da Samaritana, do Jordão, das mãos lavadas de Pilatos… Todos a quiseram conquistar, e a terra onde ela jorra e corre, como rios de leite e mel, metáfora salvífica da água, como força de atracção. Egípcios e Hititas, Assírios, Babilonenses, nómadas guiados por Abraão e depois hebreus comandados por Moisés, todos demandaram a água.

Os Judeus por ali se instalaram, criaram reinos, os Gregos, Fenícios, Romanos, Persas/ Medos, tantos são os povos que há quatro mil anos aqui tentam instalar-se e acomodar-se. Depois dos Hebreus/Judeus, surgem os Filisteus, que se vão instalando, à procura de pastagens e de água. Aqui começam os problemas geopolíticos de partilha e luta da Terra que será Santa, com o Messias. E depois começa a diáspora judaica, o cativeiro da Babilónia. A helenização dar-se-á naturalmente, como a chegada dos Romanos, a submersão de Israel nos âmagos das dominações estrangeiras. Mas os Judeus ali permanecerão sempre, até hoje. Como a água e a fé cristã, refira-se. Mais tarde chegam os Muçulmanos, e com eles a islamização de povos nómadas, beduínos, descendentes dos Filisteus e outros que por ali deambularão. Novos conflitos, novas lutas, novas disputas e querelas.

 

História ou Geo-Teologia?

Prezado leitor, este é um tema complexo. Assumamo-lo sem problemas. Tentaremos, em jeito de caleidoscópio, de forma pacífica e cristã, sem fracturas ou falsos juízos, traçar uma evolução geo-histórica, ou geo-teológica, da Terra Santa. Porque é Santa, todos sabemos. Porque todos a reivindicam, tentaremos perceber. É importante discernir com clareza, para lá de movimentos políticos ou tentações apologéticas. Há comunidades judaicas por todo o mundo, uma das maiores está ininterruptamente naquilo a que designamos de Terra Santa há pelo menos três mil anos. Com mais ou menos população. Há lá também cristãos há quase dois mil anos, como há lá também muçulmanos desde o séc. VII da era cristã. Não é uma corrida nem uma justificação étnica de qualquer estratégia ou política. É a realidade da história, do arco cronológico. Não é o que a torna santa, mas é a terra que assim o é na sua História.

Começaremos então, por David e Golias, ou Israel e os Filisteus.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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