Os Santos Cirilo e Metódio
Кирилл и Мефодий! Pois, provavelmente nem todos os honoráveis leitores saberão ler estes dois nomes. Algaraviada, diriam os portugueses de antanho! Cirílico, exacto! Pois, ali poderão ler, Cirilo e Metódio, em Cirílico, Russo no caso, o mais difundido. Ora bem, os santos às vezes fazem destas, dão sentido à Torre de Babel, à confusão das línguas. E o bom senhor Deus lá tem que eternizar o Pentecostes, iluminar para saber. Mas não é difícil, nem Cirilo terá feito por mal, certamente. Mas quem era Cirilo? E já agora Metódio? São santos, mas não eram até o ser. Ser…
Cirilo, ou Constantino, nasceu na Macedónia Grega, talvez em Tessalónica (ou Salónica), em 827, vindo a falecer em Roma em 869, a 14 de Fevereiro. Metódio era seu irmão, tendo nascido talvez no mesmo lugar de Cirilo, em 815, mas vindo a falecer em Velehrad, na Morávia (região na actual República Checa), em 6 de Abril de 885. Oriundo do Império Bizantino, de matriz grega, ficariam conhecidos até hoje como os “Apóstolos dos Eslavos”, pela sua missionação na Europa oriental.
Cirilo, após a morte de seu pai, ruma a Constantinopla, capital do Império Bizantino, onde fez estudos, com distinção, na universidade imperial, ordenando-se sacerdote entretanto. Foi bibliotecário na Basílica de Santa Sofia, o mais importante edifício religioso do mundo bizantino e de cujo clero fazia parte. Mais tarde, foi naquela capital também professor de Filosofia, em que se notabilizou e mereceu a alcunha de filósofo. Eclético, conhecedor da língua eslava desde a juventude (das minorias eslavas da Macedónia), era conhecedor de Astronomia, Geometria, Retórica e Música. Mas a linguística talvez fosse o seu forte, pois além do Grego materno (alto-medieval) e de línguas eslavas da sua Macedónia natal (a sua mãe era, etnicamente, búlgara, eslava portanto) falava correntemente o Siríaco, o Árabe e o Hebraico.
Metódio, entretanto, seguira antes a carreira do falecido pai, Administração e Política, chegando a ser arconte (governador) numa província de fronteira, a norte, onde viviam minorias eslavas. Mas a sua vocação parecia ser outra, abandonando a carreira auspiciosa que detinha para se retirar e viver contemplativamente, num mosteiro, na Bitínia (na actual Turquia), juntando-se-lhe seu irmão Cirilo, corria o ano de 855.
Em 860 o Patriarca de Constantinopla – Fócio, segundo algumas fontes – enviou os dois irmãos para a Crimeia, para evangelizarem os Khazars, povo que estava, dir-se-ia, a tentar optar por uma religião: Judaísmo, Islão ou Cristianismo? Alguns autores referem que só ali aprendeu, Cirilo, o Hebraico, mas outros dizem que ali traduziu, desta língua para Khazar, uma gramática. O certo é que o seu saber era de facto imenso e a sua propensão para línguas também assinalável.
Com seu irmão Metódio partiram para a Morávia em 862, com o múnus de pregarem a fé cristã. Por lá ficariam o resto das suas vidas, em missão evangelizadora mas também cultural. Ali começaram também a preparar textos litúrgicos em língua eslava, que passaram a escrever num alfabeto diferente do latino, chamado “glagolítico”, com base no alfabeto grego e com elementos do Copta e do Hebraico, que evoluiu depois para o que é designado, em honra de Cirilo, como alfabeto cirílico. Porque, tradicionalmente, se consideram os dois irmãos como inventores do referido alfabeto. Os dois irmãos, com maior destaque para o grande linguista Cirilo, traduziram as Sagradas Escrituras para línguas eslavas, usando aquele alfabeto. O seu trabalho, esforço, foram tão grandes e decisivos que o Papa Adriano II em 867 reconheceu oficialmente, por bula, o Eslavo antigo (eslavónico) como língua litúrgica, o que até aos dias de hoje se mantém na Europa Oriental.
Segundo outras fontes, considera-se que os irmãos foram enviados em missão para terras eslavas para contraporem o avanço da Igreja latina, de tradição romana – estava-se naquela época, com efeito, num cenário de conflitualidade entre Constantinopla e Roma, de fracção progressiva. Pode-se aceitar de certa forma esta teoria, dadas as ligações a Fócio, Patriarca de Constantinopla que criou enormes fracturas e dissidências com Roma, mas o sentido da sua missão e os êxitos pastorais e trabalhos etnolinguísticos prevalecem sobre questões de geopolítica da Igreja.
A pesar contra essas teorias, podíamos recordar a parte final da vida de Cirilo. Com efeito, os dois irmãos seriam depois chamados a Roma, onde Cirilo viria a falecer, em 869. Metódio foi então ordenado bispo e enviado para a Panónia (actual Hungria) em missão evangelizadora, sendo ainda nomeado como bispo de Sirmium, a leste da actual Salzburgo (hoje Áustria). Ali encontrou porém um calvário, rezam as fontes, de inveja e intriga, embora nunca lhe tivesse faltado apoio de Roma. Os bispos alemães contestaram a sua jurisdição sobre os territórios ocidentais da sua diocese, além de não lhe reconhecerem a sua liturgia. Foi mesmo preso na Suábia por instigação daqueles, sendo libertado, por pressão papal, em 873. Em 879-80 é designado como bispo do reino da Grande Morávia pelo Papa João VIII, o Papa que o libertara antes. Ainda visitaria Constantinopla em 881, mas partiu a seguir para a Morávia, onde viria a falecer em 885.
O Cirílico seria adoptado rapidamente em muitas regiões eslavas do leste da Europa, como a Rússia, a Ucrânia, a Bulgária, as regiões eslavas dos Balcãs, por exemplo. Hungria, Boémia e Morávia, Eslováquia, entre outras, abandonariam este alfabeto, optando pelo latino, tal como pelo Cristianismo fiel a Roma, até aos dias de hoje. Santo Adalberto de Praga (956-997) foi um dos missionários que mais contribuiu para esta latinização. Mas a Igreja Católica Apostólica Romana nunca esqueceu os dois irmãos, Cirilo e Metódio, cuja festa litúrgica foi fixada em 14 de Fevereiro, no Concílio Vaticano II, pois antes caía a 7 de Julho, por decreto do Papa Leão XIII.
O beato João Paulo II, na comemoração dos mil e 100 anos da obra de evangelização dos dois Santos, publicou a Carta Encíclica “Slavorum Apostoli”, datada de 2 de Junho de 1985. Antes, este mesmo pontífice, em 31 de Dezembro de 1980, com a Carta Apostólica “Egregiae virtutis”, proclamou Cirilo e Metódio como co-padroeiros da Europa, juntamente com São Bento de Núrsia, Patrono do Ocidente.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa