China rima com Ferrari?
Em Melbourne, na Austrália, quando os dois Mercedes Benz cortaram a linha da meta nas duas primeiras posições, todos foram unânimes em bradar que estava tudo mal, que tinha que se fazer algo para que as “Flechas de Prata” não voltassem a dominar como na época de 2014. Ainda não entendemos muito bem porquê. Quando a Ferrari dominou o mundo da Fórmula 1, no início deste século, vencendo seis Campeonatos do Mundo de Construtores e outros tantos de Pilotos, dos quais cinco consecutivos, não nos lembramos de ter ouvido tantos disparates. Depois foi a vez da Red Bull Racing conquistar quatro campeonatos, também de pilotos e construtores, uns atrás dos outros.
Vieram as novas regras e regulamentos, e a Fórmula 1 voltou aos motores turbo. A Mercedes aproveitou melhor do que as outras equipas as nuances do regulamento e dominou com alguma facilidade a temporada de 2014, perdendo apenas três das 19 corridas disputadas para apenas uma outra das 12 equipas em presença.
Este ano, na Austrália, anteviu-se um novo domínio dos carros alemães e todos tremeram… Era mau para a Fórmula 1, era mau para um desporto desacreditado por problemas internos; não estava certo, tinha que se fazer algo. A Red Bull dominou como quis durante quatro anos, como não conseguia repetir a proeza ameaçou bater com a porta e deixar de “brincar aos carrinhos de corrida”. Aliás, já não era a primeira vez: tinha-o dito durante o ano passado ao tomar consciência que não iria repetir a dose e vencer o campeonato pela quinta vez. Não entendemos muito bem todo este barulho, até porque as regras são iguais para todos. Na minha terra diz-se: “Quem tem unhas toca guitarra”.
O Circo seguiu entretanto para a Malásia e a Mercedes não venceu. Foi bom para a Fórmula 1? Foi, sem dúvida, porque de facto os fãs estavam a fugir para outras disciplinas mais competitivas, se bem que as razões não se relacionem apenas com o monopólio de vitórias de uma única equipa. E os mesmos que gritaram que era preciso fazer algo vieram agora gritar que estávamos perante “o fim de uma era”. A Ferrari venceu em Sepang. E daí?
Sepang é um circuito sui generis que não pode ser tomado como regra em nenhum aspecto. Para começar, é o circuito onde os pneus mais sofrem, e todos conhecem a forma magistral como a Scuderia lida com a borracha. Na Malásia limitou-se a gerir o desgaste dos pneus dos seus carros; mudou-os menos uma vez que todos os outros. Depois, temos que levar em conta que no circuito malaio o calor é muito acima do normal. Os pilotos não exageram no aquecimento dos pneus durante a volta de aquecimento por ser absolutamente desnecessário. Foi esse calor, que a nosso ver, deu a vitória à equipa italiana. Os engenheiros da Mercedes tentaram tudo para reduzir o aquecimento dos delicados grupos de propulsão turbo. A última solução foi a única a que eles não queriam recorrer: abrir uma série de pequenas “janelas” nas carroçarias para admissão de ar e assim refrigerarem os componentes necessários. Esta medida entrou em conflito com a pureza aerodinâmica do desenho dos carros, e a Ferrari venceu!
Este fim de semana o Circo volta à China para a terceira prova do campeonato. Um circuito onde Hamilton gosta de correr – já subiu, por mais de uma vez, ao degrau mais alto do pódio. Um circuito onde Rosberg se sente à vontade e onde os carros alemães se adaptam bem às características do traçado. Não há o problema da temperatura muito elevada e o piso é suave para os pneus.
A equipa alemã já veio anunciar que se encontra em condições de levar até Xangai uma enorme parafernália de novas soluções aerodinâmicas, que estavam preparadas para serem usadas apenas mais tarde, talvez no regresso à Europa. As apostas da Mercedes estão muito mais altas, veremos como responde a Ferrari e este desafio.
Na Malásia um menino de 17 anos, Max Verstappen, fez ver ao mundo e aos seus detractores que tem qualidade, “endurance” e maturidade para conduzir um Fórmula 1 durante todo um Grande Prémio. Ao colocar o seu Toro Rosso na sétima posição, à frente do companheiro de equipa, Carlos Sainz Jr., também ele estreante na categoria, mostrou que sabe o que está fazer.
A Renault, que fornece motores à Red Bull e à Toro Rosso, envolveu-se numa guerra de palavras bastante azeda e acesa com o director técnico da Red Bull, o que chegou a levar a fábrica francesa a ponderar deixar – de novo – a Fórmula 1. Depois, com o acalmar das palavras, falou-se que a Renault iria adquirir a Toro Rosso, mas parece que tudo se irá resumir a um aumento significativo da exposição da marca francesa, que passará pela alteração profunda da pintura do carro, que poderá vir a ser amarelo – cor da Renault (assim como os Red Bull usam o violeta, a cor da marca japonesa Infiniti, parceira comercial da Renault) – e com uma menor exposição dos logos da Red Bull.
Xangai é já este fim de semana e não nos admiraria muito se a Mercedes voltasse às dobradinhas e que as prestações das outras equipas, em especial da Ferrari, estivessem confinadas ao prémio de “melhor dos outros”.
Manuel dos Santos