Bem certo que compreendo a intenção da actual coligação governamental em “pintar” a situação económica de Portugal com as cores mais simpáticas do mundo. As eleições estão à porta e esta coligação quer renovar o mandato, mesmo que isso implique olhar a nossa realidade com “óculos de soldador”.
Com algum esforço, posso até entender a atitude de alguns cidadãos, ainda empregados e com bons salários ou pensionistas privilegiados, que vivem o dia-a-dia como se não houvesse amanhã, porque o amanhã logo se verá. Para eles, enquanto se sentirem confortáveis, a precária situação dos outros é um problema deles!
O que me custa a compreender é que, em qualquer dos casos e independentemente dos objectivos pessoais ou colectivos de cada parte, não consigamos ver todos a mesma realidade.
O Governo anuncia, com pompa e circunstância, que podemos dormir descansados porque os cofres do Estado estão cheios. E nós perguntamos se não era suposto que, para o Governo, os “cofres cheios” deveriam corresponder a algibeiras do povo cheias? Será que estamos a ver o mesmo filme?
Embora as últimas estatísticas digam o contrário, o Governo insiste que o desemprego está a descer, situando-se “oficialmente” em 13,9%. No entanto, esta percentagem é ilusória porque não reflecte a quantidade de “desencorajados” e “subempregados” que já não contam para as estatísticas. Se os incluíssemos, o nível de desemprego seria de cerca de 22% e não 13,9%. Será que estamos a ver o mesmo filme?
O Governo elegeu o turismo como uma das nossas principais indústrias, capazes de reanimar a nossa economia, repetindo sem cessar os recordes das receitas deste sector. No entanto, um recente relatório da Comissão Europeia revela-nos que 60% das empresas de hotelaria e restauração estão descapitalizadas e em alto risco de falência. Uma consequência de terem sido alvo de um brutal aumento de impostos que, em período de deflação, não podem fazer repercutir nos preços, sob pena de não terem clientes. Será que estamos a ver o mesmo filme?
O Ministro da Saúde, acompanhado pelos seus colegas de Governo, repete em permanência que o nosso Serviço Nacional de Saúde está melhor, porque está mais económico e eficaz. A avaliar pelas múltiplas reclamações dos cidadãos e dos clínicos, a “poupança”, feita pela redução de camas hospitalares, tem conduzido ao adiamento das cirurgias e a falta de profissionais que têm emigrado para o estrangeiro ou migrado para os hospitais privados, inacessíveis a uma parte substancial da nossa população, levanta-nos uma séria questão: Será que estamos a ver o mesmo filme?
Se o espaço o permitisse, poderíamos continuar a enumerar todo um conjunto de circunstâncias gravosas que, sem fim à vista, continuam a afectar a maior parte população do País e os levam a consumir 23 mil caixas de anti-depressivos por dia, deixando-os inertes perante o optimismo das declarações governamentais e desconfiados com as promessas eleitorais dos nossos partidos políticos.
Razões que, embora compreensíveis, me levam a duvidar da atitude de uma parte da oposição em rasgar todos os compromissos antes assumidos com os credores internacionais e os tratados assinados, em nome de um futuro paradisíaco para Portugal e para os portugueses, sem que percam tempo a explicitar publicamente que sacrifícios comporta para a imensa maioria do nosso povo, essa transição do “inferno” para o “céu”.
De facto, depois de tudo o que passámos, vamos continuar a passar e para a esmagadora maioria dos nossos cidadãos qualquer alternativa credível à actual situação só fará sentido se, para além de nos apontar um caminho para um qualquer futuro, nos apresentar um profundo diagnóstico do nosso presente, ou seja, o verdadeiro filme, “sem cortes”.
Luis Barreira