15º DOMINGO COMUM – Ano C – 10 de Julho

15º DOMINGO COMUM – Ano C – 10 de Julho

Os Bons Samaritanos dos nossos tempos

Nos últimos dias, as notícias relataram com tristeza o assassínio de quatro padres e uma Irmã: dois jesuítas no México e dois padres diocesanos na Nigéria, todos eles serviam o seu povo em áreas onde a violência é endémica. A Irmã foi morta no Haiti, depois de mais de vinte anos a cuidar de crianças de rua num dos bairros mais pobres da capital.

Ao olhar para estes exemplos heroicos de vida cristã e de amor incondicional, sinto-me inadequado. Tenho medo até de pensar que um dia possa eu estar numa situação semelhante. O martírio é, em última análise, uma graça especial que o Senhor reserva para aqueles a quem Ele escolhe, e não espero estar nesse número, vendo a minha pouca fé. Tenho a certeza que muitos de vós sentem o mesmo.

O problema de assim pensar é que o mandamento de “amar o Senhor, o seu Deus, com todo o seu coração, com todo o seu ser, com todas as suas forças, e com todo o seu entendimento, e ao próximo como a si mesmo”, como o Evangelho deste Domingo nos lembra (Lc., 10, 25-37), seria reservado apenas para pessoas excepcionais, capazes de fazer escolhas extraordinárias.

A Parábola do Bom Samaritano, que está no centro da explicação de Jesus sobre “que hei de fazer para possuir a vida eterna?”, indica que a resposta definitiva sobre como cumprir a própria vocação como ser humano e como crente está nas escolhas comuns que se faz nos cenários normais da vida quotidiana. A viagem de Jerusalém a Jericó que os três viajantes (o sacerdote, o levita, o samaritano) fizeram naquele dia pode ser comparado com o nosso trajecto diário de ida ao trabalho, à escola ou à igreja. Partimos todos os dias, cada um com os seus próprios planos, preocupações… Mas imprevistos acontecem com frequência: naquele dia, na estrada para Jericó, um homem foi assaltado e agredido. Estes “acidentes” revelam com precisão o sistema de valor dentro dos nossos corações.

Para o sacerdote e o levita, parar seria uma interrupção indesejada dos seus planos e do seu programa. Tocar um homem sangrado torná-los-ia ritualmente impuros, não constituindo um sentimento confortável para as pessoas que têm deveres religiosos. Entendo-os muito bem, porque quando estou com pressa e ansioso com alguma coisa, também costumo evitar complicações indesejadas, demoradas.

Na nossa vida espiritual, tais “interrupções” podem, no entanto, ser consideradas como convites de Deus para encararmos a vida duma perspectiva diferente, para reavaliarmos as nossas prioridades, para melhor usarmos os nossos recursos e, acima de tudo, vivermos as nossas vidas ao máximo. Jesus indica a decisão do samaritano de interromper a sua jornada e prestar atenção ao chamamento de Deus, vindo do corpo semi-morto deitado na estrada, como a verdadeira medida duma boa espiritualidade que vai para além da filiação religiosa formal. Este samaritano não só prestou ajuda de emergência ao homem infeliz (cobriu os seus ferimentos e levou-o para uma pensão), mas também assegurou que ele recuperasse totalmente, dizendo ao estalajadeiro: “Cuide dele. Se gastares mais daquilo que te dei, vou-te reembolsar no meu regresso”. O Bom Samaritano é a imagem do Próprio Cristo, que ofereceu livremente toda a Sua vida para nossa salvação.

Durante este último período de Covid vivenciámos a boa organização tanto dos departamentos governamentais como das instituições privadas, que mobilizaram eficientemente todos os recursos disponíveis para o bem da população. Fiquei emocionado ao ver que muitos dos funcionários, a qualquer nível, deram de forma desinteressada o seu melhor, com o objectivo de emprestar um toque humano à árdua tarefa de controlar a pandemia, fazendo esforços “extra” para tratar a todos com gentileza. Fiquei também feliz em ver muitas pessoas, entre elas alguns amigos, a servirem como voluntárias neste tempo já quente, não porque era o seu trabalho, mas pela sua generosidade.

A lição da história do Bom Samaritano é que a “bondade” não deve ser totalmente delegada às instituições ou a uma descrição de tarefas; ela envolve um compromisso pessoal e voluntário, e muitas vezes tem a ver com o pequeno “extra” que só pode vir de uma escolha livre.

Bento XVI explicou bem que “o amor será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há sociedade, por mais justa que seja, que possa eliminar a necessidade de um serviço de amor. Quem quiser eliminar o amor deve preparar-se para eliminar a humanidade enquanto tal, porque haverá sempre sofrimento que clama por consolação e ajuda. Haverá sempre solidão. Haverá sempre situações de necessidade material onde a ajuda sob a forma de amor concreto ao próximo é indispensável” (Deus caritas est, 28).

Jesus concluiu a parábola com o convite: “Ide e fazei o mesmo”. Durante estes tempos desafiadores, certamente teremos ocasiões para imitar estes “Bons Samaritanos” dos nossos tempos, como os funcionários, trabalhadores e voluntários, que de forma discreta e gratuita estão a interromper a rotina das suas vidas e a fazer “esforços extra” para que a nossa sociedade possa encontrar a cura e o seu caminho num futuro já de si incerto.

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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