Meditando sobre o Reino de Deus no Trilho de Coloane
“O Reino de Deus é semelhante a um homem que lançou a semente sobre a terra. Enquanto ele dorme e acorda, durante noites e dias, a semente germina e cresce, embora ele desconheça como isso acontece. […] O Reino de Deus é como um grão de mostarda, que é a menor das sementes que se planta na terra. Porém, uma vez semeada, cresce e se transforma na maior das hortaliças, com ramos tão grandes, a ponto de as aves do céu poderem abrigar-se sob a sua sombra” (cf. Marcos 4, 26-34)
No início do mês, passei alguns dias em Coloane para o meu retiro anual. Apesar das chuvas frequentes, encontrei tempo para passear pelas colinas. Nesta altura do ano, a vegetação é verdadeiramente luxuriante. É incrível observar como, dadas as condições adequadas (luz, nutrientes, humidade, etc.), pequenas sementes dão origem a uma variedade de árvores e plantas, cada uma com as suas características.
A intervenção humana também é visível na floresta. O Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) cataloga as árvores existentes, monitoriza-as e planta novas árvores adaptadas a esta zona propensa a tufões. No entanto, no dia-a-dia, as plantas crescem ao seu próprio ritmo. A julgar pelo chilrear que fazem todas as manhãs, suficientemente alto para me acordar, os pássaros de diferentes espécies também encontram nestas árvores um ambiente acolhedor.
As duas parábolas narradas no Evangelho deste Domingo (Marcos 4, 26-34), a parábola da semente que cresce e a parábola do grão de mostarda, são de facto inspiradas na Natureza. Através delas, Jesus convida-nos a acreditar no poder do Reino de Deus. Como uma pequena semente, o seu crescimento permanece escondido durante muito tempo antes de brotar, dar fruto e tornar-se um abrigo para os necessitados. Muitas vezes, cresce mesmo sem nos apercebermos.
Se as condições forem favoráveis, uma semente brota num espaço de tempo relativamente curto. Por vezes, devido a dificuldades, tem de esperar. Li sobre algumas sementes encontradas em túmulos antigos que germinaram depois de milhares de anos. Assim é com o Reino de Deus. Quando nada parece acontecer, temos de ser pacientes e continuar a confiar no seu poder interior e no seu tempo. A tradição chinesa tem um provérbio que descreve a futilidade das tentativas das pessoas impacientes de obter resultados imediatos: 拔苗助长 (tentar ajudar os rebentos a crescer, puxando-os para cima). É um bom lembrete sarcástico de que, tanto na educação quanto na espiritualidade, alguns processos não podem ser forçados sobre os outros, nem mesmo sobre nós mesmos!
Só na altura certa é que os frutos amadurecidos podem ser colhidos. Não sei se o leitor já leu o romance “As Cinco Pessoas Que Encontramos no Céu”, de Mitch Albom. O protagonista, um velho mecânico chamado Eddie, sentia que estava a desperdiçar a sua vida a fazer trabalhos de manutenção num parque de diversões chamado “Ruby Pier”, desde que era um rapazinho. Morreu com uma profunda sensação de fracasso. Mas depois da sua morte, Eddie encontrou cinco pessoas ligadas ao seu passado que lhe revelaram o significado de alguns acontecimentos cruciais e dolorosos da sua vida. Só depois destes encontros é que ele se apercebeu de que a sua vida aparentemente inútil, o seu emprego aborrecido e a sua diligência no trabalho tinham salvado a vida a inúmeras pessoas, a maioria das quais ele nunca havia conhecido. A cena final descreve Eddie a entrar num “Ruby Pier” celestial, rodeado por inúmeras pessoas que, sem saber, ajudou durante a vida terrena através da sua dedicação no trabalho, todas elas com um sorriso de agradecimento no rosto. Finalmente sentiu-se amado, reconhecido pelo seu valor no seu trabalho aparentemente aborrecido. O verdadeiro “céu”, a colheita do Reino de Deus, começa quando nos apercebemos que os nossos esforços e dores não foram em vão e que há um sentido em tudo.
O Reino de Deus não pode ser facilmente definido senão através de imagens. Sabemos que as palavras e os actos de Jesus manifestaram a chegada desse Reino. Jesus identificou-se com um grão de trigo que deve morrer na terra para dar o fruto da sua ressurreição: pode até ser que o Reino de Deus signifique o próprio Cristo (cf. Catecismo da Igreja Católica nº 2816). Poderíamos também afirmar que a Igreja é a semente e o início do Reino na terra (cf. CIC nº 541). Quando acolhemos o Espírito Santo no nosso coração, cada um de nós torna-se portador e semeador do Reino de Deus através das opções de fé e de amor que fazemos a nível pessoal e social, mesmo quando não vemos resultados imediatos.
Caminhando nos trilhos tranquilos de Coloane, rodeado de belas árvores e do chilrear dos pássaros, é mais fácil ser paciente e confiar. Num ambiente de trabalho tóxico, numa família ou comunidade onde as relações são tensas, numa cama de hospital ou em países devastados pela guerra, é necessária mais fé. É por isso que juntamente com toda a Igreja e em nome da humanidade sofredora, continuamos a rezar com esperança: “Venha a nós o vosso Reino, seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu!”.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ