Direito da China mais próximo da RAEM
O Direito de Macau é claramente de matriz portuguesa, mas haverá tendência para aproximá-lo do Direito da China continental, assegura José Eduardo Dias, docente na Universidade de Macau. A’O CLARIM, o director interino do Centro de Estudos Jurídicos da Faculdade de Direito da UMAC aborda a falta de interactividade de alguns juristas, o diferendo entre a Universidade de Ciência e Tecnologia e a Associação dos Advogados de Macau, as leis desajustadas da realidade e as lacunas que devem ser corrigidas.
O CLARIM – Em que patamar está o ensino do Direito na Universidade de Macau? Ainda se respeita a matriz portuguesa?
JOSÉ EDUARDO DIAS – O Direito é um dos aspectos do legado português em Macau, tal como é o património, a traça arquitectónica, um pouco a religião católica, e a gastronomia. O Direito que vigora em Macau é claramente de matriz portuguesa. No ensino mantemos a licenciatura em Português, com uma franja muito pequena de alunos. Temos o mestrado, mas não abriu este ano. No ano passado havia sete alunos. Há também a licenciatura e o mestrado em Chinês e um curso de doutoramento em Inglês frequentado maioritariamente por alunos da China continental, mas se o Direito é de matriz portuguesa obviamente que não pode deixar de respeitar essa base.
CL – Qual a maior dificuldade que encontra nos cursos que ministra?
J.E.D. – É a falta de reacção dos alunos, que gostam muito de ouvir mas são pouco interactivos. Tento fomentar a participação e fazer-lhes perguntas, mas é muito difícil…
CL – É uma questão cultural?
J.E.D. – Penso que sim. Participo com regularidade em júris de provas de mestrado em língua inglesa para alunos chineses e já me deparei com teses muito razoáveis, ou boas, mas as defesas foram difíceis. Os alunos não estão habituados à parada de perguntas e respostas.
CL – Poderão ter problemas de desempenho quando no futuro exercerem a sua actividade profissional? Ou são apenas questões pontuais derivadas de alguma inexperiência inicial?
J.E.D. – Penso que se reflecte depois um pouco na actividade profissional, porque entre 2002 e 2005 fui assessor da doutora Florinda Chan e tive muitas reuniões com colegas chineses que falavam a língua portuguesa. Deparei-me com pessoas, diria, culturalmente mais recatadas e com mais dificuldade em discutir os temas de forma aberta. Nunca exerci advocacia, por isso não posso falar sobre a actividade dos tribunais. No entanto, a grande diferença e o grande problema é esta falta de interactividade. É uma questão cultural que poderá depois reflectir-se na vida futura do jurista.
CL – Que análise faz ao curso de Direito na Universidade de Ciência e Tecnologia que já recebeu duras críticas do presidente da Associação dos Advogados de Macau, por não respeitar a matriz vigente na RAEM? Por seu lado, a Associação tem sido alvo de pressões devido à dificuldade de acesso à profissão de advogado por parte dos licenciados daquela Universidade…
J.E.D. – É uma questão muito sensível. Há mais de vinte anos, quando em Portugal surgiram as universidades privadas, era muito difícil assegurarem a qualidade pedagógica e científica desses cursos. Por um lado, penso que as dúvidas da Associação dos Advogados poderão ser legítimas. Por outro lado, não é uma entidade competente para o ensino do Direito, por isso também não lhe compete garantir a qualidade dos cursos. Se os candidatos entram ou não, isso naturalmente já será da sua competência. Quanto à Universidade de Ciência e Tecnologia, prefiro não falar do que não sei, até porque não tenho dados suficientes para dar uma resposta satisfatória.
CL – Acredita que haverá cada vez mais tendência em Macau para aproximar o Direito de matriz portuguesa ao Direito de matriz chinesa?
J.E.D. – Numa perspectiva de Direito Comparado pertencem à mesma família do Direito Romano-germânico, em oposição à “Common Law”. Macau é uma RAE da República Popular da China e a passagem de soberania foi há quinze anos, por isso a tendência natural do ponto de vista político, ideológico e jurídico é de também haver no Direito uma crescente importância do Direito chinês.
CL – Apesar de haver a mesma base do Direito Romano-germânico, há uma grande disparidade entre Macau e o continente chinês…
J.E.D. – Basta ver a legislação penal. A diferença da moldura das penas é enorme. Na China prevê-se a pena de morte e a prisão perpétua, o que felizmente não acontece em Macau.
CL – Pelo menos até 2049…
J.E.D. – Até agora a China tem tido interesse em que Macau continue da forma como está. A China vai evoluir para a maior potência económica mundial e em 2049 não sei como vamos estar. Macau sofre algumas lacunas no Direito que a China também está a tentar corrigir, por exemplo, ao nível do Direito do Ambiente.
CL – Há leis desajustadas da realidade?
J.E.D. – A verdade é que passaram quinze anos e os principais diplomas não foram alterados. Não foi o Código Civil, nem o Código do Procedimento Administrativo ou o Código de Processo Administrativo Contencioso. É preciso rever estas e outras matérias. De qualquer forma, há sinais de optimismo. Por exemplo, nos últimos anos foram aprovadas leis importantes, como a das terras, do planeamento urbanístico e da defesa do património cultural, que já são diplomas modernos.
CL – Há propostas de leis aprovadas na Assembleia Legislativas bastante criticadas pelos próprios deputados. Alguns até dizem que será melhor ter uma má lei do que não haver nenhuma. Concorda?
J.E.D. – Tenho dificuldade em dizer que vale mais uma má lei do que não haver uma lei. Isso depende da matéria. Por exemplo, a que nos últimos tempos tem dado bastante polémica, a violência doméstica… Aqui concordo! Vale mais haver um mecanismo que dê alguma protecção do que não haver nada, mas quem tem poder legislativo deve ter outra sensibilidade.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com