PATHORN SRIKARANONDA DE SEQUEIRA

«Foi um privilégio servir o rei Bhumibol ao longo de trinta anos»

PATHORN SRIKARANONDA DE SEQUEIRA, MÚSICO E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO

A pequena comunidade católica que tem a Tailândia como casa vive hoje perfeitamente integrada e não enfrenta qualquer tipo de pressão, mas nem sempre assim foi. O tio-avô de Pathorn de Sequeira, um dos mais insignes luso-descendentes da Tailândia, foi obrigado a renegar a fé católica e a converter-se ao Budismo, num período negro em que os católicos foram alvo de perseguição. A fé católica não impediu, no entanto, que o renomado músico e professor da Universidade Kasetsart se tornasse próximo do reverenciado rei Bhumibol Adulyadej. Pathorn de Sequeira tocou com o antigo monarca durante trinta anos.

O CLARIMCatólico, descendente de macaenses, músico de nomeada. Um perfil que não será de todo muito comum num país como a Tailândia. De que forma é que estas características ajudaram a definir o seu percurso?

PATHORN DE SEQUEIRA– A minha família vive nesta país desde 1890. O meu bisavô chegou cá nesse ano, proveniente de Macau, mas já existia uma comunidade católica na Tailândia bem antes disso. O Catolicismo na Tailândia é uma realidade secular. Antes ainda da Missão de Paris ter chegado à Tailândia, uma efeméride da qual assinalámos os 350 anos recentemente, já existia uma presença católica neste país. Já por cá andavam frades dominicanos e já por cá andavam os jesuítas. De facto, há registo da presença dos jesuítas na Tailândia em 1609. Foi um jesuíta quem ajudou a estabelecer o chamado “campo português” – ou “bando” – em Ayutthaya, a antiga capital da Tailândia. Quando cá chegaram os franceses, há 350 anos, o Cristianismo, em particular o Catolicismo, já estava enraizado neste país. Em Ayutthaya havia um comunidade católica muito forte. Na qualidade de família católica, conhecemos bem esta herança e sabemos que ela é bem mais antiga. Na Tailândia, que é um país predominantemente budista, as coisas parecem ser pacíficas, mas os católicos são uma pequena minoria e…

CLÉ difícil ser católico num país com as características que refere? Ao contrário do que sucede noutros países, onde o Budismo é predominante, como por exemplo a China, na Tailândia as pessoas vivem a sua devoção com grande zelo. São orgulhosamente budistas. É fácil seguir uma denominação religiosa diferente, dadas as circunstâncias?

P.S.– Bem, de certa forma. No passado houve alguns períodos difíceis. O período da Segunda Guerra Mundial foi particularmente exigente para os católicos. Houve perseguições e atrocidades do género. Foi neste período que se verificou o episódio dos mártires de Songkhon, um grupo de católicos do Norte da Tailândia que foi beatificado pelo Papa João Paulo II. Este tipo de acontecimentos foram a determinada altura uma realidade à qual a minha família não escapou. Um dos meus tios-avôs, o irmão mais novo da minha avó, que também fazia parte de uma família católica de raízes portuguesas, foi forçado a converter-se ao Budismo na altura. Teve mesmo de ser ordenado monge para provar que tinha renegado a fé e que se tinha tornado budista. Depois da Guerra, quando as coisas começaram a ficar mais calmas, ele voltou a converter-se ao Catolicismo.

CLHoje em dia as coisas são diferentes, não são?

P.S.– Sim. Hoje em dia a comunidade católica não enfrenta qualquer tipo de pressão.

CLO Papa Francisco visitou a Tailândia em Novembro, numa altura em que o mundo parecia menos confuso do que está hoje. Que importância teve essa deslocação para os católicos tailandeses?

P.S.– Vivemos num tempo em que os desafios com que nos confrontamos são de monta. Há tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo e a Tailândia enfrenta ainda os seus próprios problemas, sejam eles de natureza política ou mais transversais, como a desigualdade social. A desigualdade não é algo que afecta apenas a minoria católica. Há muitas pessoas para quem a sobrevivência continua a ser um combate e é um combate universal. E esta universalidade é algo que o Papa personifica e bem, na minha opinião. Em 2018, o Papa esteve na Birmânia e também fez este apelo, sobre o sofrimento humano, a desigualdade. Creio que é uma mensagem que importa reter.

CLÉ um músico de renome, tanto na Tailândia como a nível internacional, e teve o privilégio de tocar durante muitos anos com o falecido rei Bhumibol. Como caracteriza essa experiência? Como é ser parceiro musical de um monarca tão carismático como o antigo rei da Tailândia?

P.S.– É definitivamente um privilégio. Foi um privilégio servir o rei Bhumibol ao longo de trinta anos. O meu pai serviu-o ainda durante mais tempo. O meu pai morreu há quase dois anos, mas foi amigo do rei durante toda a sua vida. Foram amigos durante mais de setenta anos.

CLComeçou a tocar com o rei Bhumibol era ainda muito jovem…

P.S.– Tinha cerca de treze anos, sim…

CLO que aprendeu com o falecido rei Bhumibol? De que forma é que ele o ajudou a tornar-se um melhor músico?

P.S.– Bem, ele é, em grande medida, o meu ídolo e o modelo a que fui buscar inspiração. Quando eu era pequeno acompanhava o meu pai nas deslocações ao Palácio e ficava lá sentado, enquanto eles se entretinham em “jam sessions”. O rei gostava muito de música jazz. Eu via-o a tocar saxofone e quando chegava a casa dizia ao meu pai que queria ser como ele, queria tocar um instrumento tão fixe como aquele. Só mais tarde vim a saber que o saxofone que o rei tocava era um saxofone específico, o saxofone alto. De qualquer forma, eu comecei a tocar saxofone por causa dele e por causa do seu exemplo. Comecei a tocar cada vez melhor, a colocar mais empenho no que fazia e o meu pai, com a autorização do rei Bhumibol, convidou-me para tocar com eles na banda.

CLPara além de um intérprete de jazz conhecido, tanto na Tailândia, como fora de portas, é também um académico de renome. É um artista, mas também um investigador. Devotou grande parte da sua carreira ao jazz, mas também começou a estudar a tradição musical da Tailândia. O jazz e as sonoridades tradicionais tailandesas são realidades incomparáveis. Como é que uma e outra se combinam no seu trabalhou? A tradição musical tailandesa influencia a sua forma de estar no jazz?

P.S.– Sim, claro. Também toco um instrumento tradicional de sopro tailandês, chamado de “pi nai”, que é muito parecido com um oboé, mas que tem um som muito diferente. É, de resto, um instrumento muito diferente: tem quatro palhetas. Não tem duas, não tem uma. Tem quatro palhetas. Para responder à sua questão, este tipo de instrumentos estão a ser progressivamente integrados no jazz.

CLE é possível fazer esse tipo de fusão? Harmonizar instrumentos tradicionais com algo tão global como o jazz. O jazz sempre foi visto como sendo muito eclético, como um estilo musical muito fluído…

P.S.– Sim, claro. Quando alguém se dedica a um instrumento, depois de o dominar, pode fazer muito bem o que pode e quer com ele. No caso dos instrumentos tradicionais, deixam de pertencer exclusivamente a esse universo, distanciam-se dele. Ainda podem ser tocados e explorados da forma tradicional, mas ao mesmo tempo um músico pode fazer o que quer e o que bem entende com eles. É assim que a música se renova.

CLJá não toca, obviamente, com um monarca. Para além de ensinar na Universidade Kasetsart, o que mais faz? Que outros projectos musicais tem em mãos?

P.S.– Ainda continuo a tocar um pouco por todo o mundo, particularmente na Europa. Tenho alguns espectáculos marcados para este ano. Devo participar em alguns festivais de jazz. O primeiro é no Cazaquistão e tenho um outro espectáculo agendado para a Dinamarca, mais para o final do ano. Ainda actuo ao vivo todos os anos e uma vez por outra viajo até Nova Orleães para meditar. Estou a brincar, mas…

CLBem, de certo modo é uma forma de meditação…

P.S.– Sim. É algo que eu faço de vez em quando, quando me começo a cansar das coisas. Viajo até Nova Orleães só para tocar um pouco.

Marco Carvalho

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