IGREJA DA SÉ CATEDRAL RECEBEU A PRIMEIRA MISSA EM PORTUGUÊS APÓS A REABERTURA DAS IGREJAS

Rezar em comunidade reforça a presença de Deus

 SÉ CATEDRAL RECEBEU A PRIMEIRA MISSA EM PORTUGUÊS APÓS A REABERTURA DAS IGREJAS

Viver a fé, mas com grande cautela. O surto do novo coronavírus está a obrigar os fiéis e os sacerdotes ao serviço da diocese de Macau a reaprenderem a forma como exercem a própria crença e a reinstruírem-se na vivência dos rituais católicos. Ao início da noite da última segunda-feira, cerca de meia centena de fiéis deslocou-se à igreja da Sé Catedral para participar na primeira missa em língua portuguesa ali celebrada, após mais de um mês de encerramento, sendo que a profusão de máscaras, a adopção de procedimentos sanitários e de distanciamento social deixaram bem patente o que Macau sabe há mais de um mês: tempos de excepção requerem medidas excepcionais.

São pouco mais de meia centena, distribuídos num padrão irregular pelos bancos que enchem a imensa nave da igreja da Natividade da Nossa Senhora, a Sé Catedral de Macau. Sentam-se cabisbaixos, o rosto coberto quase até aos olhos por máscaras que não escondem a inquietude, mas também não contêm a discreta alegria de quem foi durante um mês forçado por um inimigo invisível a abdicar da vivência comunitária da sua fé.

Ao fim de mais de um mês de encerramento, as igrejas de Macau voltaram a abrir portas na segunda-feira e a circunstância levou uma pequena e esparsa enchente ao mais importante templo católico do território. «Você percebeu, você notou que estavam muitas pessoas, mais do que aquelas que habitualmente vêm até à Sé às segundas-feiras. Todos nós sentíamos fome de Igreja», diz o padre Andrzej Blazkiewics.

Com uma ubíqua máscara azul celeste a ulular sobre os lábios, o compasso certo da respiração a fazer lembrar um coração que bate, o sacerdote polaco celebrou a primeira missa comparticipada em língua portuguesa rezada nas igrejas locais em mais de um mês. Sem novas infecções pelo novo coronavírus registadas há quase quarenta dias, Macau ensaia um regresso lento à normalidade – a possível, pelo menos – e a mais antiga diocese do Extremo Oriente segue, cautelosa, os mesmos passos. As igrejas reabriram no inicio da semana, mas não escancararam as suas portas. Pelo contrário! Na segunda-feira, a entrada na Sé faz-se por uma tímida fresta através de uma das portas laterais e as máscaras e equipamentos de protecção insinuam-se com a força de um dogma: sem máscara ninguém entra na Casa do Senhor.

Mas a cautela suplanta em muito o imperativo uso de protecção. Munido de um termómetro electrónico, um funcionário de nacionalidade filipina regista a temperatura corporal de quem entra e deita a mão ao que parece ser uma garrafa de hidrolato de álcool. Incautos, os fiéis esticam as mãos. «É para os sapatos, “sir”», retorque o bom homem. O gel hidroalcóolico está mesmo ali ao lado, sobre uma pequena banca, num recipiente mais pequeno.

As missas rezadas a meia da semana são mais breves e menos intensas, mas esta – a primeira a que os fiéis de língua portuguesa podem assistir presencialmente em mais de um mês – passa num fôlego e quase não dá para saciar a fome de Eucaristia que, considera o padre Blazkiewics, Macau começava a sentir. «A sede e fome de Eucaristia, a sede e a fome pelo Corpo e Sangue de Cristo que nós recebemos é muito grande e é algo essencial na nossa vida. A Eucaristia é também estar junto», refere o sacerdote em declarações a’O CLARIM. «O que vivemos aqui hoje foi um acto de graça profunda, de agradecer ao senhor por este momento que acaba por ser um momento de superação das dificuldades, de superação das ameaças que a doença e o vírus cria», acentua.

Professora na Universidade de São José, Margarida Conde não tem o mais das vezes margem de manobra para assistir à missa durante a semana, mas fez questão de estar na Sé Catedral por considerar o momento obviamente importante. «Estava cá hoje exactamente por ser a primeira Eucaristia, pelo facto de a Sé ter reaberto pela primeira vez depois deste período de encerramento. Eu sou católica, sou religiosa e tenho as minhas convicções. E acredito que a Igreja é espaço indicado para que, quem tem fé, possa contactar com o espiritual», sustenta.

FÉ QUE CONTAGIA

«Saudai-vos na paz de Cristo», ordena num Português escorreito o padre Andrzej Blazkiewics. À razão de um por banco, os fiéis procuram-se uns aos outros na ampla nave da Catedral e cumprimentam-se com uma respeitosa vénia ou um tombar ligeiro de cabeça. A mesma cordialidade no mais aguardado dos momentos da celebração: ao fim de mais de um mês, o Corpo e o Sangue de Cristo voltam a ser ministrados, mas não há filas, nem aglomerados, nem toques desnecessários.

Os fiéis revezam-se para comungar, ajoelham-se – a folga protocolar recomendada pelas autoridades de saúde a mediar a distância – e é o sacerdote quem circula entre eles, a hóstia consagrada delicadamente erguida. «Precisamos de exercer mais cautela. Tendo em conta que tive de dar a Eucaristia às outras pessoas, tive em particular atenção a questão de lavar as mãos e não de forma simbólica, como é costume fazer na missa. Temos de estar conscientes dos riscos que corremos quando tocamos nos outros e quando tocamos em objectos. Tive de me preparar para oferecer a Eucaristia aos fiéis», explica o padre Blazkiewics.

Para Francisca Reino, a possibilidade de voltar a comungar preencheu a maior lacuna espiritual com que o surto epidémico do novo coronavírus a confrontou: «A comunhão foi algo que me fez falta. Fez falta porque nós acreditamos no nosso íntimo que quando comungamos estamos a receber Cristo em nossa casa. A falta desta presença é algo que nos deixa mais pobres. Quando nós comungamos estamos com Cristo», defende. «Por outro lado, a vivência cristã fortalece-se por contágio: eu fico mais satisfeita a rezar no meio dos outros do que a rezar sozinha. Por mais que a oração tenha uma faceta e uma intenção individual, a Igreja foi instituída assim: a Igreja só ganha sentido pelas pessoas. Se a prece for feita em comunidade, a presença de Deus é maior», diz Francisca Reino, instada a comentar sobre a importância da reabertura das igrejas.

A cautela e a precaução continuam a nortear a forma como a Diocese conduz o trabalho litúrgica nas paróquias locais e como os católicos de Macau vivem a sua fé, mas a reabertura, ainda que parcial, dos templos foi para muitos dos que estivem na Sé Catedral na segunda-feira um sinal de esperança. «Os católicos tiveram saudades, muitas saudades de entrar na igreja, embora as transmissões através da Internet tenham ajudado muito. A Diocese fez o que era necessário fazer, a bem de todos, mas estou contente por poder voltar a receber a comunhão, por poder voltar a assistir à missa presencialmente», confessa Charlot Norueg.

Marco Carvalho

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