A nós o que é nosso
As declarações enigmáticas de Xi Jinping desvendam preocupação de Pequim face aos desafios sociais e económicos que o futuro Governo de Chui Sai On irá enfrentar no próximos cinco anos. No encontro com o Chefe do Executivo, o Presidente deixou dois recados: o dinheiro gerado em Macau não deve sair da China e a população terá de ser ouvida por forma a evitar ondas de descontentamento. A chave para a resolução da maioria dos problemas que afectam a RAEM poderá estar no modo como forem revistas as concessões de Jogo.
É mais uma leitura feita às declarações do presidente Xi Jinping na recepção ao Chefe do Executivo em Pequim: Há muito dinheiro da RPC a passar nas mesas de Jogo em Macau, com destino ao estrangeiro.
O Governo Central tem vindo a ser informado das milhares de transacções de capital efectuadas entre Macau e países como os Estados Unidos, a Austrália, Singapura, ou as Filipinas, por forma a financiarem novos projectos, liquidarem dívidas e pagarem empréstimos.
Principalmente no último ano as operadoras com interesses nos Estados Unidos e na Austrália têm transferido avultadas somas de dinheiro, com vista a se reforçarem em mercados emergentes no que respeita à indústria do Jogo.
Ainda esta semana Steve Wynn confirmou estar atento ao Japão, em declarações proferidas um dia após Chui Sai On ter recebido das mãos do Primeiro-Ministro Li Keqiang o decreto da sua nomeação como Chefe do Executivo para os próximos cinco anos.
As conferências proferidas por Steve Wynn tiveram também o intuito de responder a Xi Jinping, afirmando entre linhas que continuará a investir em Macau, mas sempre atento ao desenrolar dos acontecimentos no resto da região.
Tendo o Governo, pela voz do secretário Francis Tam, prometido falar com as operadoras em 2015 sobre a revisão dos contratos de concessão – terminam entre 2020 e 2022 – a ordem é para Macau acautelar os interesses da China, com o objectivo de contrariar a tendência de desinvestimento que se começa a verificar e travar a saída de dinheiro da RAEM para o exterior.
Em termos de investimento, o próprio Chui Sai On já veio afirmar que as concessionárias devem assegurar habitação e transporte aos seus trabalhadores, medida aplaudida por várias associações, que desde a liberalização dos sector do Jogo pedem um maior empenho das operadoras na resolução dos problemas sociais inerentes ao crescimento económico verificado após 2004. A criação de fundos de pensões para os trabalhadores dos hotéis e dos casinos é uma das batalhas que também se avizinha a curto prazo.
O combate à corrupção e à lavagem de dinheiro na RPC – foram canceladas várias modalidades que permitiam reaver o dinheiro dos empréstimos concedidos aos jogadores da China –, a limitação dos valores em renmimbis a serem transferidos por via bancária para Macau e o não aumento do número de entradas aos portadores de vistos individuais tem feito diminuir as receitas do sector VIP e tem levado muitos sócios de salas de jogo a venderem as suas quotas para recuperarem os investimentos e apostarem noutras áreas económicas. Este é um dos resultados da luta anti-corrupção travada por Xi Jinping desde que assumiu a Presidência.
As mudanças internas e externas
Mais do que nunca urge tomar medidas para a diversificação da economia, na perspectiva do território gerar riqueza, sem o recurso sistemático ao dinheiro do interior do País.
A diminuição do caudal de capitais pode ser pois encarada como uma das «mudanças a nível externo» de que falou o Presidente a Chui Sai On.Já as «mudanças a nível interno», igualmente referidas por Xi Jinping, terão a ver com os principais problemas sentidos pela população, degenerando alguns deles em manifestações mais ou menos pacíficas.
Mais do que qualquer referência às acções de protesto que assaltaram as ruas de Macau nos últimos meses, o recado deixado por Xi Jinping é simples, pois nada tem de complexo: O Governo tem de se aproximar mais das pessoas. Ouvir os seus anseios e actuar em conformidade – um princípio seguido pelos actuais governantes da China.
Pequim encara as manifestações que têm ocorrido como mera reacção do descontentamento dos habitantes de Macau face aos problemas sociais que enfrentam, não as confundindo com os movimentos que vêm assolando a harmonia social de Hong Kong.
Segundo explicaram esta semana a’O CLARIM, Chui Sai On terá apenas de seguir o novo modelo de gestão implantado por Xi Jinping: aproximar as pessoas dos vários departamentos públicos; ouvir o máximo número de opiniões através de meios electrónicos e estabelecer metas a médio e longo prazo para melhorar a qualidade de vida.
O rol de preocupações para os próximos cinco anos é antigo, passando a resolução da maioria dos problemas pelo controlo da inflação, combate ao aumento (anual) da despesa pública, emagrecimento da máquina administrativa, constituição de um fundo de pensões de âmbito universal, aumento da oferta da habitação pública, imposição de taxas de actualização para as rendas de casa, diversificação dos canais de distribuição dos bens essenciais de consumo e dos produtos petrolíferos, melhoria do sistema de transportes, reforço da mão-de-obra, formação de futuros dirigentes, entre outras matérias.
A má distribuição da riqueza gerada em Macau é outro dos problemas que tem soado aos dirigentes do Governo Central, através de diversos canais, nomeadamente o Gabinete de Ligação, os deputados da Assembleia Nacional Popular, os delegados da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, as associações locais com estreita ligação a Pequim, a outros municípios e províncias, os Órgãos de Comunicação Social e inúmeros académicos.
Nova Era
Não se trata de algo relacionado com a empresa de transportes colectivos que herdou a extinta Reolian. Trata-se do futuro de Macau nos próximos cinco anos. Com Xi Jinping na condução dos destinos da RPC, Macau terá a partir de agora, com um novo elenco governativo, que começar a seguir os princípios orientadores do Governo Central para a China, incluindo as duas Regiões Administrativas Especiais de Macau e Hong Kong – sem com isso beliscar as autonomias consagradas nas respectivas Leis Básicas.
O tempo é de combate à corrupção e à ilegalidade administrativa – lema tantas vezes também repetido em Macau – e de estreitar o fosso entre ricos e pobres, e entre o desenvolvimento das áreas urbanas e rurais.
Chui Sai On e o futuro elenco de secretários, para o qual só deve transitar Cheong U, de acordo com informações recolhidas pel’O CLARIM, deverão ter em conta que as remessas de dinheiro até agora provenientes da China vão diminuir a médio prazo, pelo que o território terá de arranjar novas soluções para se tornar ainda mais atractivo aos turistas provenientes de outros países e continentes, para além de potenciar outros sectores de actividade, com o objectivo de diversificar os canais de receita e oferecer novos empregos aos residentes, fora da esfera do Jogo.
A harmonia social tantas vezes repetida pelos dirigentes chineses só será possível se houver harmonia política. Para tal é necessário evitar descontentamentos, para que alguns não tomem pela força o que é de todos.
José Miguel Encarnação,
jme888@gmail.com