A ida à Venezuela decorreu sem quaisquer problemas e todo o processo de renovação do passaporte da Maria foi concluído sem qualquer delonga. Foi com prazer que vi um Consulado a funcionar na perfeição. Em muito me fez recordar o de Macau, que também presta um serviço de primordial importância a todos os portugueses aí residentes. O Consulado de Portugal em Caracas atende, de acordo com informações dadas pela sua chanceler, cerca de duzentas pessoas por dia. Na sua maioria para renovar ou emitir documentos ou, simplesmente, para tratar de trâmites legais.
Para minha surpresa, o Consulado abre as portas às seis e meia da manhã. Quando lá cheguei, por volta das nove, já estava completamente cheio e a trabalhar a todo o gás. Felizmente tinha reunião marcada, pois ia de outro país e tinha de regressar no mesmo dia. Entre a entrada nas instalações do Consulado, depois de passar pelo controlo de segurança e pelo detector de metais, e a recolha de informações biométricas, passou pouco mais de uma hora. Regressei ao aeroporto antes da hora do almoço.
Ainda em Curaçao decidi adquirir algum dinheiro, dado que a taxa de câmbio oficial da Venezuela está inflacionada, devido à crise em que se encontra o País. Há um mercado negro de bolívares com uma taxa de troca na ordem dos mil bolívares por cada dólar americano. No mercado oficial é menos de metade.
Quando tentava trocar dinheiro junto dos pescadores venezuelanos que visitam diariamente Curaçao, conheci um jovem também ele venezuelano. Depois de uma conversa em que deu para perceber que seria alguém de palavra, ficou combinado que iria ter o seu cunhado à minha espera no aeroporto para me levar de carro ao Consulado, esperar por mim e trazer-me de volta ao aeroporto. Ao mesmo tempo teria alguns bolívares para trocar para que eu não fosse obrigado a recorrer ao mercado oficial. Cumpriu o que prometeu e o cunhado, advogado de profissão, levou-me de carro e ainda trocou cerca de vinte dólares americanos, o que rendeu duzentos mil bolívares. Por todo o trabalho que teve acabei por lhe pagar trinta dólares americanos, mais dez do que tinha acordado em Curaçao.
A situação da Venezuela é realmente grave. As pessoas que lá vivem não o escondem e esperam que as coisas mudem o mais rapidamente possível. Todas as pessoas com quem contactei culpam o regime actual, desde a entrada no poder do falecido Hugo Chávez, pelo descalabro social a que se chegou. Um país rico, com inúmeros recursos naturais, incluindo petróleo e gás natural, com um potencial turístico enorme e com uma gente muito acolhedora, que está de joelhos e sem perspectivas de futuro. Contra tudo e contra todos, Chávez manipulou as massas e tentou impor um regime popular em que todos, idealisticamente, seriam iguais.
Pequim, no auge da popularidade de Chávez, enviou uma equipa de estudiosos ao País para analisarem as políticas e reformas que estavam a ser implementadas e que poderiam ser adaptadas à realidade socialista da China. Do estudo efectuado saiu um relatório onde se afirmava que tudo o que Chávez estava a colocar em prática tinha efeitos imediatos, mas não teria qualquer sustentabilidade a longo prazo.
Pessoalmente tenho pena que a Venezuela esteja a atravessar um péssimo momento e que não seja aconselhável gastar tempo a visitá-la. Esperamos que quando aqui voltarmos, no final da volta ao mundo, a situação tenha mudado e a segurança seja uma realidade no dia-a-dia dos venezuelanos. Se assim for, iremos percorrer toda a sua costa em direcção ao Norte antes de atravessarmos para Portugal.
Depois desta pequena incursão retomámos os trabalhos no veleiro. Um dos depósitos de gasóleo estava por limpar, o que implicou retirar o gerador Panda, que pesa quase duzentos quilos. É um peso morto, pois desde que comprámos o barco que nunca funcionou. Não temos dinheiro para o concertar, mas continuamos a mantê-lo a bordo na esperança de um dia o pormos a trabalhar. Com o gerador podemos também ter ar-condicionado e outros luxos que até agora têm ficado de parte.
Depois de retirarmos o gerador procedemos à limpeza do tanque, tendo extraído quase sessenta litros de gasóleo cheios de borra. Desses, apenas conseguimos recuperar cerca de vinte – um desperdício que não se pode evitar no processo de lavagem do tanque. A qualidade do gasóleo e o próprio ambiente marítimo são propícios à criação de borra e outras impurezas. Apesar de adicionarmos sempre aditivos para combater este mal, passados quase três anos não podíamos deixar de lavar o tanque.
Falta a parte final das linhas de gasóleo. Já fizemos a manutenção da bomba e em breve iremos tratar da injecção. Temos notado uma pequena fuga de combustível, esperando que seja nas linhas de combustível. Vamos proceder à sua remoção, limpeza e instalação com novos vedantes, para ver se a situação melhora.
Entretanto, também já começámos a trabalhar nos painéis laterais, que nos irão ajudar a ficar com o poço mais seco em tempo de chuva e com o ar mais quente quando navegarmos com ventos de través.
No decorrer desta semana todas estas tarefas deverão estar terminadas, sendo que iremos começar a planear o que fazer nas últimas semanas de permanência na ilha.
JOÃO SANTOS GOMES