Um duelo anunciado
Como se costuma dizer, “a fama vem de longe”. Falamos da confusão instaurada na Fórmula 1, com a guerra privada entre dois pilotos da mesma equipa, Nico Rosberg e Lewis Hamilton, para azar de muita gente e felicidade de muitos mais.
A equipa alemã Mercedes está acostumada a vencer desde “os tempos do antigamente”. A década de trinta do século passado assistiu a um duelo alemão, entre a Auto Union e a Mercedes – está última comandada pelo famoso Alfred Neubauer, o primeiro chefe de uma equipa moderna, era extremamente organizada e competitiva, nunca tendo deixado que os seus pilotos se digladiassem. Dizia-se que o imponente Neubauer “domesticava” os seus pilotos, todos com estatuto de “prima-dona”. Alemães, na sua maioria, – Manfred von Brauchitsch, Rudolf Caracciola, Hermann Lang e Bernd Rosemeyer, entre outros de menor nomeada – não podiam lutar entre si, trabalhando para o conjunto da equipa. Este método mostrou ser eficaz e apenas em algumas excepções a Auto Union e a Alfa Romeo venceram corridas de Grand Prix. A disciplina da Mercedes imposta por Alfred Neubauer ganhou tudo o que havia para ganhar. No entanto, o destino colocou os alemães em rota de colisão com o mundo e só em 1954, quase dez anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, é que a Mercedes voltou aos autódromos… para vencer tudo, como sempre, ainda dirigida pelo eterno Neubauer.
Em 1955 os métodos de trabalho de Neubauer foram postos à prova quando a Mercedes contratou um jovem britânico, de seu nome Stirling Moss. Em nove corridas, Fangio ganhou seis e sagrou-se campeão do mundo de pilotos. Por várias vezes, Moss tentou vencer contra as ordens da equipa, mas a disciplina imposta por Neubauer foi mais forte. Mesmo assim o britânico averbou três vitórias. Fala-se que num treino cronometrado, no início da temporada, os dois Mercedes W196 de Fangio e Moss se teriam envolvido numa colisão que poderia ter tido consequências mais graves. Ninguém sabe como esta rivalidade poderia ter acabado… A Mercedes retirou-se do desporto automóvel depois de um horrível acidente em Le Mans e “Gros Friedl” – a alcunha de Neubauer – abandonou o desporto automóvel.
A Mercedes regressou à Fórmula 1 em 2010, apoiada no nome de Michael Schumacher, tendo como piloto número dois um jovem finlandês que corre com uma licença desportiva alemã, Nico Rosberg. A equipa demorou alguns anos a chegar aos carros da frente do “grid”. Schumi era o piloto principal, mas nunca voltou a ser o piloto vencedor do passado. Depois de três anos onde os pontos foram poucos, a marca de Estugarda decidiu substitui-lo pelo britânico Lewis Hamilton, um ex-campeão do mundo que em 2012 se envolvera num incidente com outro piloto que, aparentemente, o tentou atirar para fora da pista no Grande Prémio da China, Nico Rosberg!
Hamilton e Rosberg andaram juntos no karting e em fórmulas de acesso. Dizem os amigos que já no passado as picardias entre ambos eram usuais. Agora subiram de tom, e muito!
Este ano, no Grande Prémio de Espanha, Hamilton conseguiu atirar com os dois carros da Mercedes para fora da pista, apenas a duas curvas da largada, deitando para o lixo os pontos de uma dobradinha que se adivinhava. O que mais terá irritado Toto Wolff, o director desportivo da Mercedes, foram os estragos nos dois carros, que não são propriamente baratos. Hamilton culpou Rosberg e Rosberg culpou Hamilton. E tudo ficou por aí.
No último fim de semana, na Áustria, tivemos direito ao segundo acto desta ópera bufa. Rosberg, que fora o segundo mais rápido na qualificação, a apenas alguns centésimos de segundo de Hamilton, saiu do sétimo lugar da grelha por lhe ter sido imposta uma penalização de cinco lugares, em resultado de uma troca de caixa de velocidades não prevista. Mesmo assim, a duas voltas do fim era Rosberg quem liderava, não Lewis. Algo mexeu com o amor próprio de Hamilton que se atirou contra o carro de Rosberg, a menos de trinta segundos da bandeira de xadrez. Quem foi culpado de quê? Não interessa! Interessa que voltou a acontecer, e aparentemente sem consequências, visto Hamilton ter sido confirmado como vencedor e Rosberg ter sido penalizado em dez segundos, conseguindo ainda assim assegurar a liderança do campeonato.
Já houve quem viesse falar sobre este caso, que não é de maneira alguma apenas um problema da Mercedes. Christian Horner, o patrão da Red Bull, também teve de lidar com a rivalidade entre Mark Webber e Sebastian Vettel, embora nada que se assemelhe ao que se passa actualmente na Mercedes, mais perto da rivalidade entre Ayrton Senna e Alain Prost que se saldou em vários carros destruídos, não só enquanto companheiros na equipa McLaren como na qualidade de adversários (Senna na McLaren e Prost na Ferrari). Segundo Horner, estes incidentes não se ficarão por aqui, sendo que a Mercedes deverá rever os seus laços com ambos os pilotos, embora salvaguarde que, por muito que sejam membros de uma equipa, no fundo os pilotos correm para eles, em busca do Santo Graal, que é serem campeões (o objectivo de qualquer atleta).
Por mais estranho que possa parecer, esta rivalidade está a surtir efeitos opostos, simultâneos, entre os fãs da disciplina. Por um lado, vem dar um pouco de despique e emoção, que é o que o “Zé Povinho” gosta. Uma corrida sem acidentes é uma corrida aborrecida. Por outro lado, temos visto as bancadas cada vez mais vazias, porque muitos – cada vez mais – não concordam com muito do que vai acontecendo nos bastidores, como por exemplo as sanções impostas, ou falta delas, a alguns pilotos. Hamilton voltou a ser vaiado (isto diz algo…). Note-se que estas acções põem em risco a segurança de todos dentro do circuito.
A terminar, já este fim de semana há mais um Grande Prémio, o da Grã Bretanha – como de costume, em Silverstone. Um traçado bom para as quatro grandes –Mercedes, Ferrari, Red Bull e Force India – onde a tracção à saída das curvas e a velocidade de ponta são um “must”.
Não temos favoritos!
Manuel dos Santos