Vamos para a casa do Pai

O Jubileu na Igreja

«O Espírito do Senhor está sobre mim, por isso ele me ungiu e me mandou anunciar aos pobres uma mensagem, para proclamar aos prisioneiros a libertação e aos cegos a recuperação da vista, para colocar em liberdade os oprimidos e proclamar um ano da graça do Senhor» (Lc. 4, 18-20). É desta forma simples que o Evangelho de S. Lucas, a partir de Isaías, fundamenta a tradição cristã do Jubileu, prenunciado antes, ainda no Antigo Testamento, no livro do “Levítico” (25,10): «Declarareis santo o ano cinquenta, e proclamareis na terra a libertação para todos os habitantes. Será para vós um jubileu; cada um recuperará sua propriedade e cada qual regressará à sua família».

Tempo de alegria, o Jubileu é acima de tudo o tempo de Cristo. Como todo o tempo da história da Salvação o é, mas com um ênfase diferente do ponto de vista celebrativo, litúrgico, de reflexão e caminhada para a Casa do Pai. De Cristo porque Ele veio no Novo Testamento cumprir o Jubileu antigo, a «pregar o ano da graça de Deus». O Jubileu é o tempo da remissão dos pecados, da reconciliação, da conversão e da penitência sacramental, do perdão, a promover a santificação da vida. Por isso, é chamado também de “Ano Santo”, ou “Ano Jubilar”.

A palavra “jubileu” deriva, por um lado, do Hebraico, “yovel”, ou “jobel”. Este termo refere-se ao corno do carneiro usado pelos judeus para anunciar, de forma sonora, o começo de um ano festivo dedicado a Deus. Alguns consideram que o termo deriva também, no étimo hebraico, do sentido verbal do termo “jobel”, que significa “trazer de volta”, “retornar”. Esta significação, com efeito, ganha sentido na leitura do “Levítico”, o qual proclamava que os oprimidos retornavam à condição da liberdade, como as propriedades regressavam às mãos dos seus donos de origem. Por outro lado, o termo tem também uma origem (tradução) latina, “iubilum”, que deriva do verbo “iubilare”, ou seja, uma referência aos gritos de alegria dos pastores, ganhando ainda um sentido de louvor e… júbilo. S. Jerónimo, na sua tradução das Sagradas Escrituras (entre 391 e 406) do Hebraico e Aramaico para Latim (a língua “vulgar”, ou seja, falada; daí a expressão “vulgata”), traduz o termo hebraico “jobel” por “iubilaeus”, projectando para sempre a matriz de alegria ao termo “jubileu”, em complemento da significação original de remissão (para os judeus). Os judeus tinham duas formas de contagem, uma de sete em sete anos (a shemitá, cujo sétimo ano era sabático) e a do “jobel”, de cinquenta em cinquenta anos, ou seja, o Jubileu, que ocorre no ano seguinte ao fim de sete anos sabáticos (7×7).

O Jubileu da Igreja Católica tem origem no jubileu judaico. É um tempo de concessão de graças espirituais singulares, ou indulgências, a todos os que procurem a sua remissão e santificação. Os jubileus da Igreja podem ser ordinários ou extraordinários. Os primeiros são celebrados em intervalos pré-estabelecidos; os segundos são declarados por motivo de algum acto ou acontecimento de particular importância. Nestes últimos, cumpre recordar, a título de exemplo, o Jubileu de 1983, Ano Santo de Redenção convocado pelo Papa S. João Paulo II para recordar e comemorar o sacrifício redentor de Jesus Cristo, 1950 anos antes. Um aniversário da Redenção, um motivo de enorme realce na Igreja a justificar a celebração de um Ano Santo. Existem ainda, recordemos, os “Jubilus in perpetuum”, ou seja, naqueles lugares em que os Anos Santos tenham tido particular expressão e fervor de fé e adesão do povo de Deus, de forma a poderem repetir-se periodicamente como caminho de renovação, para a Casa do Pai, a Santa Sé pode conceder a autorização para celebração do Jubileu com periodicidade regular. Existem seis lugares com este privilégio de “Jubileu in perpetuum”: Jerusalém, Roma, Santiago de Compostela (quando o dia 25 de Julho, dia de S. Tiago Maior, cai num Domingo, Xacobeo ou ano Santo Compostelano), São Toríbio de Liébana (Espanha, quando o dia 16 de Abril cai num Domingo), Caravaca de la Cruz (Espanha, a cada 7 anos) e Urda (Toledo, quando 29 de Setembro, o S. Miguel, cai num Domingo).

O primeiro Jubileu Universal, ou Ano Santo, na história da Igreja, ocorreu em 1300, na sequência da publicação, em 22 de Fevereiro, da bula “Antiquorum habet fida relatio”, pelo Papa Bonifácio VIII (Papa entre 1294 e 1303), na qual proclama as condições para obtenção de indulgência para os peregrinos que se encontrassem estado de penitência depois da confissão e absolvição, tendo que visitar as basílicas romanas de S. Pedro e de S. Paulo Extramuros durante 30 dias (15 para os que não habitassem em Roma). Estabeleceu ainda que os jubileus se deveriam comemorara a cada 100 anos. Em 1350 passou para 50 anos de intervalo, depois 33 anos (período de vida terrena de Jesus) e mais tarde para 25 anos. O último Grande Jubileu (ordinário) ocorreu em 2000, estando o próximo marcado para 2025. O Ano Santo Paulino declarado por Bento XVI e celebrado entre 28 de Junho de 2008 e 29 de Junho de 2009, dedicado ao Apóstolo S. Paulo (de Tarso), é tido como um ano jubilar, de gáudio e comemoração do bimilénio dos nascimento do santo (entre 7 e 10 d.C.).

O Ano Santo começa em Roma, na véspera de Natal, na Basílica de S. Pedro, na abertura da Porta Santa (que apenas se abre em anos jubilares): “Aperite mihi portas justitiae, ingressus in eas confitebor Domino” (“Abri-me as portas da justiça, entrando por elas confessarei ao Senhor”), proclama o Santo Padre ao abri-la, simbolicamente com um martelo, um acto de exaltação da grandeza extraordinária do amor e misericórdia de Deus. Depois abrem-se as portas das outras basílicas maiores de Roma: a já citada de S. Paulo, mais a de Santa Maria Maior e a de S. João Baptista de Latrão. Um ano depois voltam a ser fechadas pelo Papa. Encerra-se então o Jubileu, tempo de regresso à Casa do Pai, de reconciliação e redenção.

Vítor Teixeira

Universidade de São José

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