Se sou livre, por que existe a lei?
No último artigo falámos sobre liberdade, sobre o poder de efectuar escolhas informadas. Com isso, aparece uma nova pergunta: se somos livres, para que temos leis?
Já vimos que para que a nossa liberdade funcione como deve ser necessitamos de saber algo sobre as nossas escolhas possíveis e as consequências de cada escolha. Ainda no último artigo dissemos que a liberdade necessita de verdade, que necessita de conhecer alguns factos de forma a funcionar correctamente. Esses factos são como pontos de referência que nos ajudam a efectuar escolhas inteligentes. E isto também se aplica às nossas escolhas morais.
Suponhamos que fomos de férias a uma cidade vizinha e que me desloco sozinho. Suponhamos ainda que é a minha primeira visita a essa cidade. Depois de ir para o hotel, descansar um pouco, talvez tomar um chuveiro rápido, qual será a próxima coisa a fazer? Iremos apenas sair e andar um pouco, sem destino? Enquanto que algumas pessoas possam fazer isso, provavelmente, a maior parte consultaria um mapa da cidade em primeiro lugar, antes de sair. O mapa dá-nos factos (a verdade, se for um bom mapa) sobre a cidade.
Além disso, assim que sair do hotel, não me apoiarei apenas no mapa. Oh, talvez até tenha um telefone móvel equipado com GPS. Seria óptimo. Mas necessitaria de outros pontos de referência: Sinais de trânsito e placas toponímicas: as placas com o nome das ruas dizem-me onde me encontro e onde se encontram os meus possíveis locais de destino. Os nomes das ruas não me obrigam a seguir por uma certa rua, em lugar disso indicam-me o que significa ir por esta ou aquela rua – porque me informam aonde essa rua me poderá levar. Os nomes das ruas (em circunstâncias normais) fornecem-me factos. Os sinais de trânsito ainda me ajudam de outra forma. Como não sou o único motorista na estrada da vida, preciso de sinais de trânsito para não chocar com outros motoristas. Tenho liberdade, mas também preciso respeitar a liberdade das outras pessoas. Os sinais de trânsito protegem-nos, ajudando-nos a manter as estradas seguras.
Mas por vezes os mapas e os sinais não são suficientes. As cidades podem ser muito complicadas, e assim eu paro e peço ajuda às pessoas com quem me cruzo. Necessito de outros pontos de referência. Possivelmente farei as minhas perguntas a um polícia de trânsito, porque, normalmente, eles conhecem bem a sua cidade. Assim, digamos que desejo ir a um certo museu e o polícia informa-me : “Vá por esta rua à esquerda, e no terceiro quarteirão vire à direita, e volte a virar à esquerda no quarteirão seguinte”. Será que eu protestaria e responderia ao polícia: “Olhe lá, não me diga o que tenho que fazer, este é um país livre!” Estaria a ser razoável? O agente da autoridade poderia pensar que não estava no meu perfeito juízo.
Por vezes as pessoas vêem a Igreja como uma espécie de polícia. Bem, de certa forma isso é verdade. Mas podem os polícias planificar uma cidade? São eles que fazem as estradas? Não é essa a sua função, não acham? Assim, o que aconteceria se o turista quiser ir ao museu e o polícia lhe indicar o caminho para a estação dos comboios, não estaria a ser desonesto para com o turista? Que tipo de polícia seria ele? O mesmo se passa com a Igreja. Ela não desenhou a cidade, nem planificou as estradas. A sua função é mostrar onde essas estradas nos conduzem. Fica para além das suas competências mudar as ruas. Seria desonesto mudar os sinais de trânsito ou dos nomes das ruas ou enganar as pessoas. Assim, quando algumas pessoas afirmam que o Sínodo Extraordinário sobre a Família irá alterar as regras básicas do problema, essas pessoas não sabem o que estão a dizer.
Se conseguirmos entender o que os mapas, sinais e polícias de trânsito fazem por nós, então é muito mais fácil apreciar a importância das leis, em especial das leis morais. As leis morais existem para nos guiar nas nossas decisões, se tivermos em conta que muitas delas poderão ser proibidas. “Não farás…!” Porquê? Porque elas indicam-nos os limites do que se deve ou não deve fazer. Em todos os desportos existem certas regras, tais como, “só se pode jogar dentro das linhas do campo ou recinto de jogo”. Mas naturalmente que não nos vamos preocupar apenas com o facto de respeitarmos as regras ou não – não devemos cingir-nos apenas ao nível entre o pecar e o não pecar. Porque fomos feitos para algo maior.
Na semana passada dissemos que Deus criou-nos com a capacidade de decidirmos por nós próprios, a capacidade da escolha inteligente. Apenas quando se faz uma escolha inteligente poderemos ter a responsabilidade da nossa própria acção. E apenas quando formos os senhores das nossas acções é que poderemos esperar uma recompensa pelo facto (ou merecer uma punição, se for uma má acção). «Pus a vida e a morte em frente de vós, abençoo ou puno; Se escolherdes a vida então tu e os teus descendentes, poderão viver, no amor do Senhor vosso Deus, obedecendo à sua palavra, e obedecendo-lhe; isso significa a vida na duração dos dias, que poderás ficar na terra que o Senhor prometeu dar aos vossos pais, a Abraão, a Isaac, e a Jacob» (Deuterónimo 30:19-20).
Sendo assim, para que servem os Mandamentos? Porque necessitamos de pontos de referência para que possamos fazer escolhas inteligentes e fundamentadas.
Mas os Mandamentos são difíceis de se viver. Tendes razão. De facto, o Papa João Paulo II, quando ainda jovem, disse uma vez que tinha pensado que os Mandamentos eram exigentes, mas pela mesma razão, disse ele, não eram restritivos. Ser exigente significa convidar-nos a irmos para além dos limites a que nos propusemos, a ultrapassarmo-nos a nós próprios. Ele quer-nos não apenas completamente humanos, mas também divinos. Ele quer-nos sagrados. O que apenas é possível através da Graça. Jesus Cristo não estava a brincar quando afirmou que sem Ele nós não podemos fazer nada.
Nem todas as escolhas que fazemos são agradáveis, mas fazemo-las porque sabemos que o objectivo vale mais que o sacrifício. De facto, podemos dizer que a liberdade é ser-se capaz de fazer coisas de que não gostamos para o bem de algo que valha a pena. A mãe que acorda às duas da madrugada para dar o seio ao seu bebé não gostaria de ter de o fazer, mas fá-lo apesar disso. Ela faz isso, meio adormecida e cansada, mas com a consciência da liberdade do amor de mãe. Ela é um reflexo de Jesus: «Entreguei a minha vida, que poderei ter de volta. Ninguém tirará de mim, a minha vida sou eu que a entrego de livre vontade. Tenho o poder de a entregar, e tenho o poder de a ter de volta novamente» (João 10:17-18). Ela actuava com a gloriosa liberdade das crianças de Deus.
Pe. José Mario Mandía