Olhando em Redor

Dizem uma coisa e fazem outra

Dá-me vontade de rir sempre que os Estados Unidos da América, como se fossem um poço de virtudes, querem ser os polícias do mundo e dizem a outras nações soberanas o que está certo ou errado e como devem ou não proceder, porque deviam ter vergonha na cara e olhar primeiro para o que se passa na sua própria casa.

E porque exemplos não faltam, apresento apenas três: 1 – A Constituição dos EUA – lei suprema do País – consagra na Emenda II (protecção dos direitos individuais) o seguinte: «Sendo necessária à segurança de um Estado livre a existência de uma milícia bem organizada, o direito do povo em possuir e usar armas não poderá ser infligido».

O texto constitucional inspirado na “common law” foi adoptado em 1791. O Supremo Tribunal decidiu entretanto que os direitos aplicavam-se aos indivíduos e não apenas às milícias. Se em finais do século XVIII até poderia justificar-se a posse de armas por causa da ameaça dos lealistas americanos (a favor da Coroa britânica), visto a independência dos EUA ainda ser recente, também é certo – pelo menos para mim – que o articulado já está há muito desfasado da realidade.

As normas, sejam constitucionais ou não, servem para regular a vivência das pessoas em sociedade, mas quando qualquer uma delas não acompanha a evolução dos tempos pode trazer mais malefícios do que benefícios no modo como as pessoas interagem umas com as outras. Infelizmente, é por isso que vemos cenas lamentáveis nos noticiários televisivos sobre massacres com recurso a armas de fogo em escolas e universidades dos EUA.

Algo de muito chocante também aconteceu no passado mês de Agosto, quando uma menina de apenas nove anos de idade matou acidentalmente o instrutor numa carreira de tiro do Arizona, ao disparar para o alvo e perder o controlo da metralhadora uzi que tinha nas mãos. Como é que pais responsáveis podem levar uma criança a manusear armas tão mortíferas?

É uma aberração total o que se passa nos EUA, porque a Emenda II não respeita as liberdades e garantias de ninguém, mas sim os interesses do poderosíssimo lóbi da “National Riffle Association”, fundada em 1871.

2 – Uma situação que me deixou atónito foi a carta do presidente do Comité das Relações Estrangeiras do Senado norte-americano, Robert Menéndez, enviada ao Chefe do Executivo da RAEHK, que ao fazer referência «ao uso de gás pimenta e de gás lacrimogénio [pela polícia] nas manifestações pacíficas» da “Revolução Guarda-Chuva”, entre outras considerações, instou C.Y. Leung a «respeitar o direito do povo de Hong Kong à reunião pacífica e à liberdade de expressão».

É curiosa haver tanta hipocrisia quando são conhecidos casos de abuso de poder, ou excesso de legitima força praticados pelas forças policiais nos EUA, seja em manifestações não autorizadas – analogia por mim feita à “Revolução Guarda-Chuva” – seja quando alegados suspeitos, por vezes inocentes ou que pratiquem delitos de pouca gravidade são abordados por polícias com armas em riste, em lamentáveis cenas de autêntica paranóia. Isto, para não dizer quando são mortos a tiro!

O que dizer de Michael Brown, um negro de 18 anos que foi abatido a 9 de Agosto, em Ferguson (Missouri), por um polícia branco, e tudo o mais que se passou desde então nos protestos populares?

É preciso ter em conta que os EUA são dos países ocidentais com maior segregação racial, de brancos para negros, de negros para negros, destes para brancos, ou de ambos para outras minorias étnicas.

3 – Os EUA, usando e abusando da política do “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço”, cometeu barbaridades na sua base naval de Guantánamo, embora contra prisioneiros extremamente perigosos, é certo, mas em total violação à Declaração Universal dos Direitos Humanos e ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Por que será que os EUA, como baluarte dos direitos, liberdades e garantias individuais, receiam o Tribunal Penal Internacional, constituído especificamente para julgar atrocidades várias, tais como crimes de guerra, genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de agressão? Seguramente para que nenhum cidadão seu seja acusado caso ratifiquem o tratado, em vez de serem apenas signatários, como é o caso presente…

E o que dizer da legitimidade do ex-presidente dos EUA, George W. Bush, conjuntamente com o então Primeiro-Ministro do Reino Unido, Tony Blair, que ficou esvaziada na já provada arbitrariedade que foi o envio de forças militares para o Iraque (não estou a defender o ex-ditador Saddam Hussein), sob o pretexto de se encontrar armas de destruição maciça?

 

Ingerência

A República Popular da China não admite a ingerência de outras nações nos assuntos internos do País, o que é legítimo. Mas caso acontecesse, também Pequim teria muito – mas muito mesmo – a apontar a Washington.

Tal não quer dizer que a China seja um mar de rosas, ao nível dos Direitos Humanos – as “prisões negras” são um desses exemplos – nem que os interesses de certas elites ou oligarquias não continuem a ser um entrave ao progresso e à melhoria do nível de vida das populações, tanto no continente, como em Macau e Hong Kong.

Mais duas notas: 1 – Reprovo o modo de actuar de qualquer polícia quando emprega o excesso de legítima força, tal como aconteceu recentemente em Hong Kong. 2 – Convém enaltecer cidadãos e entidades norte-americanas que lutam a favor de restrições e de um maior controlo no uso e porte de armas nos EUA.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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