A queda do avião da Malasya Airlines, abatido por um míssil disparado de uma zona leste da Ucrânia, dominada por movimentos rebeldes pró-russos, que vitimou quase trezentas pessoas que efectuavam um voo comercial entre Amesterdão e Kuala Lumpur, parece não ter sido ainda a gota de água que fará transbordar o copo da indignação contra a atitude russa naquele país independente. Para além das acusações ocidentais de circunstância e algumas paliativas acções económicas, dá a entender que ficaremos pela censura.
Muitos se interrogaram sobre as consequências da queda do muro de Berlim, no contexto dos difíceis equilíbrios de poder que até então dominavam as preocupações das duas grandes potências militares: URSS e EUA. Havia até quem defendesse que a “guerra fria”, com todas as suas negativas implicações sociais e económicas para os povos, era a única forma de evitar a “guerra quente” entre os mesmos.
A inesperada facilidade com que implodiu o chamado “império soviético”, com o renascimento de novas (velhas) nações independentes da Rússia e a abertura desta aos “prazeres” do capitalismo, sugeria a esperança de um vasto entendimento entre os povos e seus governantes, na construção de uma paz global e duradoura, entre aqueles que se digladiavam há mais de meio século.
Mas alguns acontecimentos já antes verificados em territórios agora “libertados” da ocupação russa prenunciavam que as coisas não caminhavam na direcção de um final feliz.
Alguns “românticos” ocidentais pensavam ( e pensam) que bastaria dotar a Rússia de um sistema político e económico semelhante ao seu para anular todas as contrariedades de relacionamento com esse país. Perceberam mal a história! Não foram, nem são, as diferenças entre os regimes políticos, ideológicos, culturais ou religiosos que na generalidade e em larga escala estão na origem das oposições violentas entre as nações. Isso é o que se “vende” aos povos para obter o seu apoio.
Os grandes conflitos que opuseram as nações e que abalaram o mundo tiveram sempre duas causas fundamentais: o domínio das fontes de matéria-prima e os mercados de escoamento dos seus produtos. A estas junta-se uma outra “construção” psico-social, destinada a mentalizar os povos para o esforço de guerra, muitas vezes essencial para a obtenção das duas primeiras condições e que pode ser criada sob a capa de um saudosismo imperial; das diferenças religiosas conflituais; da vingança por danos antes sofridos; da defesa da sua presunção ideológica; da superioridade rácica; da defesa do território e de tantos outros aspectos de carácter nacionalista que seria moroso enumerar.
A Rússia é um enorme país com recursos naturais, cuja abertura política recente redefiniu a sua estratificação social, mas cuja inexperiência de vivência democrática, para além do “show-off” do apetite pelas marcas ocidentais, face a séculos de czarismo e nomenclatura soviética, é subordinada a uma histórica concentração de poder (bem interpretada por Putin) que controla o seu próprio desenvolvimento.
Para além disso, a evolução da sociedade russa tem conduzido largos sectores da população a uma situação económica de penúria, que se sente desprotegida e insatisfeita e que alimenta um espaço cada vez mais vasto de saudosismo pelo sistema anterior que, ao que parece, lhe garantia um mínimo de sobrevivência.
A juntar a tudo isto, a antiga colonização russa das suas repúblicas soviéticas conduziu a que largos sectores da sua população se instalassem nesses territórios, opondo-se agora a que a nova situação de países independentes lhes retirassem a garantia de protecção (controlo) da “Mãe Rússia”. Situação muito convenientemente utilizada pelo poder político russo, quando o que estava em causa era a perca das suas bases militares da Crimeia e o seu domínio económico e político sobre a Ucrânia, em consequência da sua rápida ocidentalização, preparada pela UE e suas naturais instituições aliadas.
Se bem que nenhuma força legal e moral assiste à Rússia, nesta sua hipócrita política de apoio aos rebeldes na Ucrânia, a inoperância das instituições mundiais como a ONU e a ineficácia da União Europeia deveriam ter sido correctamente pesadas, antes dos dirigentes ocidentais, de um lado e do outro do Atlântico, terem pensado apressadamente em “comer mais uma fatia do bolo” russo.
Agora ninguém quer perder a face e muito menos queriam os desgraçados passageiros do malfadado avião malaio.
Qual será o próximo episódio?
Luis Barreira