O papel mediador da Igreja Católica
D. Peter Chung Soon-taick, arcebispo de Seul e administrador apostólico de Pyongyang, numa homilia celebrada na catedral da capital sul-coreana, no passado dia 25 de Junho, por ocasião do 73.º aniversário do início da Guerra da Coreia (1950-1953), lançou o seguinte apelo: «Urge o caminho do perdão!», exortando de seguida os fiéis a rezarem juntos para que «a Coreia do Sul e a Coreia do Norte percorram com coragem o caminho da reconciliação e do perdão, mesmo que seja um processo longo e difícil». Esse tempo de oração e reflexão agora proposto prolongar-se-á até 27 de Julho, data do 70.º aniversário do armistício que pôs fim ao sangrento confronto armado na Península Coreana.
O Monsenhor Chung lembrou as palavras de São João Paulo II: “Dar e receber o perdão é condição para um caminho firme e duradouro de paz” (Mensagem para o 30.º Dia Mundial da Paz, em 1997, intitulada “Ofereça o perdão, receba a paz”), certamente inspiradas na passagem do Evangelho de Mateus (Mt., 18, 21-35) em que Jesus nos convida a «perdoar setenta vezes sete».
Empenhada na reconciliação e na unidade do povo coreano, a Igreja Católica tem vindo a celebrar esta missa, intitulada “Eucaristia pela Unidade”, desde 1965 e sempre a 25 de Junho. Hoje mais do que nunca necessária cerimónia, pois as circunstâncias políticas internacionais em torno da questão coreana têm vindo a piorar gradualmente. D. Peter Chung aproveitou para criticar a «cultura do ódio» e aqueles que excluem pessoas com entendimentos diferentes do pensar maioritário. «Chegou a hora de ambas as partes superarem setenta anos de conflito e buscarem uma coexistência autêntica», disse, em declarações à agência noticiosa FIDES. Apelou ainda a todos que se lembrassem dos «nossos irmãos e irmãs do Norte» que sofrem com a escassez de alimentos e remédios, pedindo-lhes que não «se cansassem de rezar pela verdadeira paz na Península Coreana».
A missa deste ano, que congregou novecentos fiéis e inúmeros sacerdotes e religiosas, foi organizada pelo dito “Comité de Reconciliação Nacional” da arquidiocese de Seul, criado em 1995 e responsável pelo “Peace Sharing Research Institute”, um organismo que efectua pesquisas e projectos educacionais que veiculam a visão da Igreja Católica sobre a questão norte-coreana. Entre as iniciativas promovidas pelo Comité contam-se: o movimento de oração pela paz na Península Coreana (que envolve todos os crentes numa breve invocação diária à oração); ajuda humanitária à Coreia do Norte; apoio aos refugiados norte-coreanos fugidos para o Sul; e a promoção de encontros, seminários, eventos culturais e manifestações públicas, tendo em vista “a difusão de uma cultura de paz e reconciliação nas relações bilaterais e internacionais”.
Lembremos a figura de Kathi Zellweger. Desde meados da década de 1990, na sequência da grande carestia ocorrida na Coreia do Norte, esta cidadã suíça começou a interessar-se por este país. Na altura directora de programas de cooperação internacional da Cáritas de Hong Kong, Kathi Zellweger tratou logo de canalizar ajuda humanitária para a população local, tendo-se tornado a Cáritas da então colónia britânica o elo agregador da “comunidade católica global para a Coreia do Norte”. Nesse contexto, Zellweger realizaria, até 2006, mais de cinquenta missões humanitárias além da “cortina de bambu”, conseguindo assim o título de “estrangeiro que mais vezes visitou Pyongyang”.
Desde 1995, a Cáritas, uma das primeiras organizações internacionais a implementar projectos além do Paralelo 38, tem vindo a identificar áreas específicas onde intervir e ao longo de uma década forneceu mais de 27 milhões de dólares em ajuda, procurando sempre servir de “ponte entre as Coreias do Norte e do Sul” através da promoção de encontros entre representantes da Cáritas desses países.
Kathi Zellweger sempre pugnou para que não se politizasse a acção humanitária, sublinhando que «a Cáritas apenas se preocupa com o destino da população» e jamais a ajuda humanitária deverá ser utilizada como «arma de negociação». Os beneficiários da ajuda são os grupos mais vulneráveis, em particular crianças, mulheres e idosos, aos quais é garantida alimentação básica e cuidados de saúde.
Esta história de cooperação e “diálogo de vida” sofreu uma transformação quando, em 2006, a Cáritas Seul assumiu a responsabilidade total dos projectos de cooperação na Coreia do Norte. Assim, a partir de 2007, a gestão da ajuda humanitária seria confiada a Augustine Koo, um leigo católico coreano que veio substituir Zellweger numa altura em que houve sinais de abertura a uma “actividade religiosa controlada”. Na ausência de padres católicos na Coreia do Norte, na única igreja cristã existente em Pyongyang, a missa passou a ser celebrada, periodicamente, por um padre sul coreano, autorizado a residir em Pyongyang.
A Igreja Católica na Coreia do Norte mantém uma comunidade de várias centenas de fiéis que praticam o culto sob a supervisão da Associação Católica Coreana (KCA), instituída pelo Estado, em vez da hierarquia católica romana.
Joaquim Magalhães de Castro
LEGENDA: Papa Francisco com peregrinos sul-coreanos, no Vaticano, em 2019.