Igreja Católica pede justiça
Na sequência do desastre ocorrido no estádio de Malang, na parte oriental da ilha de Java, que provocou 127 mortos (incluindo uma criança de cinco anos de idade) e mais de trezentos feridos, a Igreja Católica na Indonésia veio de imediato oferecer apoio material, dar conforto espiritual às famílias das vítimas e exigir que fossem apuradas as devidas responsabilidades o mais depressa possível. A tragédia seria também lembrada pelo Papa Francisco no final da tradicional oração do Ângelus proferida na Praça de São Pedro. Afirmou o Sumo Pontífice: «Rezo também por aqueles que perderam a vida e ficaram feridos nos confrontos que eclodiram após uma partida de futebol em Malang, na Indonésia».
De acordo com testemunhos presenciais, os adeptos do Arema FC invadiram o campo após a derrota da sua equipa com o rival Persebaya Surabaya. Reagiriam as forças policiais à bastonada, tentando fazer com que os adeptos voltassem às bancadas. Entretanto, alguém ordenou o encerramento dos portões do estádio e foi lançado no ar grande quantidade de gás lacrimogéneo, o que provocaria o pânico numa multidão doravante encurralada. O resultado foi o que se viu nos ecrãs das televisões: dezenas de corpos de jovens, pisoteados e sufocados até à morte, estendidos nos mosaicos de uma sala à espera de serem identificados pelos familiares. Joko Widodo, o Presidente indonésio, ordenou uma revisão imediata do “plano de segurança para jogos de futebol” e exigiu «uma apurada avaliação do incidente», tendo entretanto sido detidos alguns elementos da polícia, cuja actuação foi nitidamente desmesurada e irresponsável.
O dirigente da comunidade católica de Malang, o bispo carmelita D. Henricus Pidyarto Gunawan, expressou as condolências em nome da Igreja Católica, confiando as famílias enlutadas «ao Deus misericordioso», enquanto o padre Hans Jeharut, secretário executivo da Comissão dos Leigos da Conferência Episcopal da Indonésia, convidava as autoridades a «realizar uma investigação isenta e completa» que faça sentar os responsáveis nos bancos dos tribunais.
Em declarações à agência noticiosa FIDES, dois clérigos naturais de Malang não hesitaram em manifestar publicamente a sua posição sobre o assunto. Tedjo Soekarno, sacerdote diocesano de Malang empenhado no diálogo inter-religioso, confessou ter ficado «seriamente preocupado» com o horror testemunhado, sendo a tragédia a prova provada de que o trabalho em prol do diálogo inter-religioso em Java Oriental é ainda insuficiente e terá de ser intensificado. «Urge criar harmonia em todos os níveis da sociedade, para evitar todo o tipo de violência», salientou. Por sua vez, o padre Eko Aldianto O’Carm, secretário executivo da Comissão Justiça e Paz, Pastoral para os Migrantes, manifestou estupefacção por tão inesperada tragédia e diz ter ficado sem palavras diante daquilo que designa de «polarização absurda» em torno de uma competição desportiva. Pediu orações para as famílias envolvidas e uma profunda reflexão sobre o que fazer para que todas as competições desportivas sejam pautadas pelo «respeito mútuo e a diversão», e nunca pretexto para «conflitos ou prenúncios de violência».
Tal postura por parte de membros da Igreja Católica não surpreende, já que se insere no espírito do apelo lançado, em Fevereiro de 2016, pelo arcebispo de Ende, D. Vincentius Sensi Potokota. Pedia então o prelado aos católicos locais «união e envolvimento na política», de modo a causar um maior impacto na vida pública. «Devemos trabalhar juntos para alcançar o bem comum», afirmara Potokota perante uma plateia de duas centenas de políticos e académicos de diferentes grupos e instituições católicas, ali congregados numa comissão de leigos. Lembrava na altura Jacobus Kristiadi, analista político e membro sénior do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, que era obrigação desses líderes católicos trabalhar em conjunto para ajudar a formar e orientar os demais grupos de católicos. Pois fora essa grave lacuna do passado que contribuíra para que muitos fiéis se envolvessem em práticas ilegais e em actos de corrupção activa. Na época, a província de Nusa Tenggara Oriental, com oitenta por cento de católicos, era a mais corrupta da Indonésia.
Lembrava o arcebispo D. Vincentius Sensi Potokota que a Igreja Católica tivera no passado recente vários «líderes respeitados e heróis nacionais comprometidos com o espírito do Catolicismo», apresentando como exemplos o padre Inácio Joseph Kasimo, um dos fundadores do Partai Katolik (partido político extinto em 1970) e Fransiskus Xaverius Seda, um respeitado ex-membro do gabinete durante a era de Suharto. Conhecido pelo seu activismo, D. Vincentius Sensi Potokota destacou-se na luta contra as desbragadas campanhas de mineração e desflorestação em curso província de Nusa Tenggara Oriental (onde se insere a Ilha das Flores) causadoras de graves e irreversíveis danos ambientais.
Joaquim Magalhães de Castro
na Indonésia
Foto: Reuters