Boca doce diz palavras bonitas
A Quaresma tem as suas tradições, que amenizam o rigor e dão cor a este período de recesso dos cristãos. Portugal, por exemplo, é país de tradições, nomeadamente na Quaresma e na Páscoa. Tradições gastronómicas, entre outras, com destaque para os doces, diga-se…
Além dos bolos e doces do Domingo de Páscoa, outros costumes doceiros assinalam a Quaresma.
Iniciando pelo Minho, há enorme diversidade, desde o Folar Doce, um folar mais parecido com brioche ou com um “pão rico”; ao típico Pão-de-Ló, como o de Margaride; além das Broinhas e dos Borrachos ou Bufas Fritas (pequenos fritos de ovos, açúcar, pão ralado e canela, típicos de Valença do Minho).
Começa tudo no Lausperene Quaresmal, com os imprescindíveis “Rebuçados do Senhor”, que são vendidos na porta das igrejas onde decorre o Lausperene. As “rebuçadeiras” estão na porta das igrejas com o “ofício” de tentar os fiéis com “Rebuçados do Senhor”, embrulhados em papéis multicolores. Mas se virmos bem, a sua presença é importante, pois elas ajudam os fiéis a identificar a igrejas onde decorre a Adoração.
O Lausperene (“louvor perene”) é a exposição do Santíssimo Sacramento para adoração dos fiéis, durante 40 horas (ou 48), em memória do tempo de deposição de Cristo no túmulo até à Ressurreição. No Tempo da Quaresma dura desde o princípio da manhã até ao final da tarde, passando sucessivamente de igreja em igreja (esquema organizado ao nível das dioceses).
Em Braga, o Lausperene Pascal é uma devoção antiga, instituída em 1710 pelo arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles, muito querida do povo, que engalana as igrejas, que se esmeram na arte floral das suas tribunas e altares, além do grande concurso de fiéis para a Adoração. E a acompanhar cada Adoração, lá estão à porta as rebuçadeiras com as suas bancas coloridas e doces.
Ainda no Minho, depois no dia do Compasso, surge o chamado Pão-Doce, em muitas casas, acompanhado de um cálice de “vinho fino”, ou do Porto.
No Douro, reinam o Folar Doce, o Pão-de-Ló, o Pão Podre e as Cavacas. Em Trás-os-Montes, além dos célebres e pantagruélicos folares, imperam as variantes regionais dos Borrachos, do Pão-de-Ló e o Folar Doce. Mais a Sul, surgem as Beiras, onde a tradição ainda é o que era. Desde as Empanadilhas da Páscoa (doce em forma de meia-lua, recheado de nozes ou amêndoas), na Covilhã, às Broinhas e aos Bolos de Azeite, os doces marcam posição e amenizam a Quaresma. Como na Estremadura, com o insuperável Pão-de-Ló de Alfeizerão, acolitado pelos Bolos ou Broas de Azeite. Nas campinas do Ribatejo, a variedade de doces é também expressiva, pontificando o Folar da Páscoa, o Bolo Podre, o Pão-de-Ló de Alpiarça, as Broas de Almeirim e as Broas Castelares.
No Alentejo, também ainda manda a tradição, com as Queijadas (como as de Requeijão, em Beja), os Bolos Fintos e, claro, o Folar a dominarem. Mas temos também algumas especialidades locais, como em Elvas, cujo doce pascal é feito em forma de animais, como lagartos, borregos, pintainhos ou pombos, decorados com amêndoas brancas e ovos cozidos. Em Castelo de Vide, os doces pascais têm a forma de duplo coração.
O Folar de Olhão, ou Folar de Folha, com canela e açúcar amarelo, limão e manteiga como principais ingredientes, reina no Algarve, a par do Folar Amendoado, do Bolo de Mel de Sagres e dos Queijinhos de Amêndoa (e Doces Finos).
Nos Açores, terra de grandes tradições da época pascal, brilham o Folar da Ilha das Flores e a Massa Sovada. Já no arquipélago da Madeira, o doce mais tradicional será o Torrão de Açúcar com diferentes sabores (os mais populares são os de fruta), além do Bolo de Família, do Folar Doce, do Pão-de-Ló do Porto Santo, das Queijadas e do Pudim de Ovos.
De forma generalizada no País, temos o Pudim, as Bolas Recheadas (tipo Sonhos), as Bolachas Amanteigadas e Broas, os Doces “Mil Folhas” com creme de pasteleiro, o tradicional Pão-de-Ló (como o de Ovar, com ovos moles, além de dezenas de outras variantes), os Borrachos Alentejanos (bolinhos fritos simples), Brioches (pãezinhos doces amanteigados), Cavacas (bolacha assadas feitas de ovos, açúcar, trigo, óleo e baunilha), e o Bolo Podre (massa de bolo simples com mel, que ganha uma cor mais escura).
Uma Páscoa doce, depois de uma Quaresma contida e abstinente, conciliando a devoção com as ricas e arreigadas tradições gastronómicas e doceiras das gentes portuguesas.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa